60. KALEL

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Já é quase 07h da manhã e ainda estou na delegacia contando a mesma história várias e várias vezes.
Me sinto impaciente e com muita vontade de ver a minha menina.
Olho novamente a tela do celular e percebo que ele está descarregando.
- Quanto tempo ainda terei que ficar aqui? - pergunto ao escrivão.
- Na verdade, já está liberado.
- E o que acontece agora?
- Bom, ele foi pego em flagrante então vai ficar por aqui. Assim que a vítima estiver apta, vamos fazer o corpo de delito e encaminhar o caso pra julgamento.
- Mas ele vai aguardar o julgamento preso certo?
- Acredito que sim.
- Eu espero que sim!
Me levanto, me despeço do escrevião saio da pequena sala quando sou abordado por um dos policiais.
- Vamos levar você até o hospital, precisamos pegar o depoimento da sua irmã.
- Tudo bem!
Os sigo até a viatura, entro e juntos vamos para o hospital.
Quando chego corro até a recepção e pergunto por Alana. Uma mulher de pele morena me orienta onde posso encontrá-la mas alerta que só pode entrar um. Aviso aos policiais e logo entro pela porta branca e procuro pelo quarto 201 que está um pouco mais a frente.
Vejo Josephine sentada na cadeira cochilando. Nossa noite foi um caos e imagino o quanto ela esteja cansada.
Olho para a cama ao lado e vejo minha menina de olhos fechados. Suas roupas já não estão mais rasgadas, foi trocada por uma de hospital.
Não tem mais rastro de sangue, mas os roxos pelo pescoço e braços estão evidentes. Sinto uma pontada no peito ao vê-la dessa forma. Ela parece um anjo enquanto dorme, tão serena que nem parece ter vivido um pesadelo a tão pouco tempo atrás.
- Oi - me aproximo de Jô e passo a mão por seu rosto.
- ah, oi - ela se ajeita na cadeira e passa a mão pelo pescoço - que horas são?
- Agora é quase 08h da manhã.
- Nossa, eu estou quebrada - ela estica os braços e as pernas.
- Eu também.
- Que blusa é essa? - ela me encara.
- Eu pedi a um policial e me arrumaram essa - aponto pra camisa de cor bege.
- Ah - ela se levanta - e suas mãos? Elas estavam sangrando - ela se levanta e as segura.
- Cortes superficiais, nada sério.
- Ótimo - ela me abraça - eu senti muito medo, nunca vi você daquele jeito. Pensei que fosse mesmo matar aquele canalha.
- Eu também - retribuo o abraço - e ela - me viro pra analisar Alana - como está?
- Ela fez uma tomografia mas ainda não saiu o resultado. Ela chegou aqui muito agitada e optaram por seda-la desde então ela não acordou.
- A culpa é toda minha - bato com as mãos na cabeça - se eu tivesse ficado com ela, se não tivesse ido pra casa da vó nada disso teria acontecido.
- A culpa não é sua Kalel - ela desliza a mão sob minhas costas afim de me acalmar - nem você e nem ela imaginariam que o cara era um doente.
- Isso não justifica Josephine, eu deveria estar com ela.
- Mas você voltou, chegou a tempo.
- Olha como ela está - aponto pra Alana na cama inconsciente.
- Ela está bem só precisou ser sedada por conta da agitação.
- Ela nunca vai me perdoar por isso.
- Não tire conclusões precipitadas Kalel, espere ela acordar primeiro. Tudo vai ficar bem.
- Espero que sim - meu semblante emana tristeza.
- Vai ficar - ela alisa meu rosto - os policiais estão aí?
- Sim, querem falar com você.
- Tudo bem - ela se ajeita - vou falar com eles e depois ir pra casa. Você vai comigo?
- Não, vou esperar ela acordar.
- Tá - ela beija meu rosto - se cuida e assim que ela acordar me avisa.
- Tá bom.
Observo Josephine sair do quarto e me aproximo da minha menina.
Seguro sua e não consigo conter as lágrimas que escorrem por meu rosto.
- Me perdoa Alana - minha voz saí abafada pelo choro - Nada disso deveria ter acontecido se eu não tivesse ido até a casa da minha vó - acaricio seu rosto - é tudo culpa minha e vou entender se não me quiser mais - Abaixo a cabeça e enxugo as lágrimas - eu não mereço você.
- Eu é quem deveria decidir isso - ela praticamente sussurra.
- Alana? - meu semblante é de surpresa - você.. você.. está bem? - reflito um pouco sobre o que acabei de questionar - claro que não está. Se estivesse não estaria aqui - aperto levemente sua mão - a quanto tempo está acordada?
- Assim que você me tocou eu despertei mas você estava dizendo essas coisas e eu não quis interromper - ela abre um meio sorriso - a culpa não foi sua, foi minha. Deveria ter desconfiado de toda aquela gentileza.
- Não, nada disso é sua culpa e sim daquele cretino.
- Ele.. - ela arregala os olhos.
- Está preso agora e vou me certificar de que ele nunca irá sair - ela suspira aliviada - caso ela venha responder em liberdade contrato segurança pra acompanhar você aos lugares quando eu não estiver por perto.
- Você não precisa fazer isso - ela sorri e analisa minhas mãos sobre as suas - suas mãos... - ela as segura - o que houve?
- Isso não é nada. Estou bem.
- Estou me lembrando - ela engole seco - você bateu nele.
- Um pouco - desvio o olhar.
- Por isso suas mãos estão machucadas.
- Vou ficar bem meu amor - passo o dedo indicador pelo contorno de seu rosto e beijo sua testa - eu amo você de mais Alana, não sei o que faria se tivesse acontecido algo mais grave com você.
- Eu também te amo e por favor não me deixa mais.
- Isso quer dizer que você me perdoa? Que acredita em mim sobre aquelas fotos?
- Aquilo me magoou, não esperava isso de você mas sei que tem muita gente se esforçando pra nos separar. Mas pra conseguirmos passar por isso, você tem que impor limites.
- Eu sei, Josephine disse a mesma coisa - abaixo a cabeça - ela não significa nada pra mim eu juro.
- Tudo bem - ela acaricia minha mão - acredito em você.
Beijo seus lábios e a ajudo a se sentar.
- Como você está se sentindo?
- Um pouco dolorida.
- Eu deveria ter matado aquele filho da puta.
- Eu não iria te visitar na cadeia -
Ela abre um sorriso. Alana tenta minimizar tudo o que houve com ela e isso me preocupa. Ela parece tranquila com tudo isso, mas sei que não está. Não quero forçar a barra então decido entrar no jogo dela.
- Então, ainda bem que não matei - abro um sorriso sem graça - queria te avisar que quando tiver condições a polícia vai querer falar com você e provavelmente fazer exame de corpo de delito.
- Tudo bem - ela concorda - meu pai, ele sabe?
- Ainda não. Mas ele precisa saber..
- Não precisa - ela diz de forma firme - ao menos por enquanto.
- Tudo bem - concordo - quando sairmos daqui você vai pra minha casa comigo.
- Kalel - ela chama minha atenção.
- Não tem "Kalel" você vai e pronto.
- Mais e seus pais?
- Não preocupa com isso ok? - acaricio seus cabelos - agora descansa meu amor.
Ela volta a fechar os olhos e adormece em questão de segundos.
Me ajeito no sofá ao lado e pego no sono também.

MEU EU EM VOCÊOnde histórias criam vida. Descubra agora