06. Boa sorte.

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As pessoas dizem que a família é o nosso maior porto seguro. Aqueles que sempre devemos contar nos momentos mais difíceis e complicados. Aqueles que quando cairmos, serão os primeiros a nos levantar e dizer que tudo ficará bem. Bom... por que com a minha não era assim? Por que não sinto que são meu porto seguro? Por que não sinto que posso contar com eles nos momentos em que estou em cacos? Por que tenho medo de cair quando me lembro deles?

Acho que talvez eu nem tenha alguém para contar as minhas tristezas mais profundas. As dores que me ferem aos poucos por dentro, os medos e mágoas que insistem em me perseguir, ou as batalhas que enfrento a cada dia dentro de mim...

Quando escutei a campainha da casa tocar, corri em direção a sala de jantar e ajeitei a minha roupa tentando parecer mais perfeita possível.

Olhei para minha mãe que me encarava com um sorriso nos lábios. Ela notou o meu olhar e assentiu uma vez com a cabeça. Meu pai não me encarou, apenas olhava para a porta esperando os convidados passarem por ela. Larry passou por mim, correndo assim que a campainha tocou. Era notório o seu esforço.

Suspirei, sentindo uma certa ansiedade percorrer por todo o meu corpo. Eu não podia mais estragar aquela noite. Precisava ficar calada e fazer de tudo para que fosse impecável.

Anne entrou pelas portas com o meu irmão ao seu lado. Logo atrás, veio a senhora e o senhor Harris, que carregavam um imenso sorriso.

Como se não fosse nenhum esforço, abri o meu melhor sorriso para cumprimentá-los.

Anne era muito bonita, confesso. Na verdade, a família possuía uma beleza única e surreal. Com seus cabelos castanhos e olhos azuis escondidos, pele branca e nariz fino, todos que passavam por eles, tinham a certeza de que pertenciam a família Harris.

O jantar durou duas horas. As duas horas mais longas e desafiadoras de toda a minha vida.

Passei a maior parte do jantar enchendo a minha boca de qualquer coisa que serviam, tudo para evitar as conversa. Mas eles não pareciam tão interessados em mim, já que o ponto principal do jantar era quando seria o casamento de Anne e Larry.

Larry parecia radiante com aquele assunto, mas julgando as expressões de Anne, ela não parecia tão feliz assim. Posso estar enganada, mas ela não parece amá-lo e nem ele parece amá-la, só estão interpretando muito bem um papel que foi dado a eles.

Ela fingia bem, sorria e se comportava com uma moça muito agradável. Mas no fundo, eu sentia que o seu maior desejo era gritar e sair correndo por aquelas portas.

Entendo bem esse sentimento.

Quando eles se despediram de nós e saíram pelas portas, me permiti relaxar ao ver que o pior já passou. Estava voltando para o meu quarto quando ouvi a voz ensurdecedora me chamar da poltrona da sala. Por um momento o meu mundo se tornou completamente barulhento e estrondoso. Sua voz passou por mim causando um arrepio tão grande, que abracei o meu corpo ao sentir o frio.

O que eu havia feito de errado agora?

Caminhei em sua direção sentindo o meu coração palpitar a cada passo. Não estava tão confiante de que teríamos uma conversa estimulante. Quando encarei aqueles olhos que penetravam a minha alma, precisei apertar mais o meu corpo para não correr o risco de cair.

— Como foi o seu primeiro dia de aula? — Meu pai deixou de me encarar, voltando a sua atenção para o celular em suas mãos.

— Foi bom. — Declarei, vendo ele voltar a fitar o meu rosto. — Consegui organizar tudo aquilo que eu queria.

— Que bom. Espero que nesse novo ano escolar, você possa realizar grandes feitos, como o seu irmão. — Assenti com a cabeça, apertando com um pouco mais de força um dos meus braços, até sentir as unhas afundando em minha pele.

Me virei para prosseguir o meu caminho, quando o homem chamou mais uma vez a minha atenção.

— Só mais uma coisa. — Ele ajeitou a postura e apontou para o sofá para que eu me sentasse. — Um filho de um amigo muito importante para mim, acabou de entrar na sua escola esse ano. Ele está na mesma série e pedi para que fosse colocado na sua turma. — O homem se levantou da poltrona. — Como ele é um aluno nem um pouco esforçado, o pai dele vive reclamando comigo e pedindo dicas de como ajeitar ele. — Eu ouvi com muita atenção, buscando seu nome em uma ficha imaginária que montei em minha cabeça. — Ofereci você para ajudá-lo. — Arregalei meus olhos de imediato ao ouvir aquilo. Ele confiou a mim a missão de fazer alguém querer estudar? Muita das vezes eu mesma não queria. Só fazia por obrigação.

— Eu? — Levei a mão ao peito.

— Você tem garra filha. É teimosa e não sabe a hora de desistir. Admiro isso. Tenho certeza que colocará esse menino na linha em duas semanas.

Duas semanas...

— Você já deve ter recebido a lista de monitoria hoje, não é? Viu o nome dele lá? — Perguntou, me fazendo ficar mais surpresa ainda.

Mike Lewis.

Então não foi um erro do diretor? — Meu pai negou com um sorriso. — Mas pai, como vou dar conta de tudo isso? É muita coisa para mim!

— Eu sei que você consegue. Você só precisa se organizar e se esforçar mais. Quando menos perceber, terá conquistado grandes coisas. — E assim, o homem se afastou de mim, com o seu sorriso satisfeito. Me deixando refletir sobre a situação.

Mike...

Parece nome de cachorro.

Se esse menino era tão terrível quanto meu pai descreveu, ao ponto do próprio pai pedir ajuda para disciplina-lo, eu não quero nem saber o que ele é capaz de fazer. Não quero nem saber o que terei que aguentar esse ano.

Mas se o meu pai estava confiando essa tarefa a mim, eu faria de tudo para realizá-la. Faria questão de transformar o menino em uma versão masculina de mim. E assim, talvez, conquistar o famoso sorriso orgulhoso de meu pai.

— Bom sorte. — Ouvi uma voz atrás de mim e notei ser Larry. — Você vai precisar de muita sorte. — Sorriu de canto, e se retirou da sala.

A Maior Conquista: O AmorOnde histórias criam vida. Descubra agora