66. Eu não sei...

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— Mya, até que intensidade você já experimentou o amor? Já se sentiu completa alguma vez? — O professor perguntou, olhando o relógio em seu pulso, notando que a aula já estava se encerrando.

Aquela pergunta veio como uma faca em meu coração. Todos aguardavam a resposta enquanto eu buscava do fundo da minha alma forças para dizer aquelas palavras. Um amor que não deu tão certo ainda continua sendo um amor?

As memórias que você criou com a pessoa ainda continua sendo boas lembranças? Você conhecer mais a ela do que a si própria ainda faz parte do amor? Continuar amando alguém, mesmo que não tenha sido como você imaginou, faz parte do amor?

— Sim. Já senti o amor. — Abaixei a minha cabeça. A sala estava em silêncio absoluto. Todos pareciam muito interessados no assunto. — Talvez o grau dele foi tão alto que não se pode medir. — Encarei o professor, vendo um pequena ruga surgir em seu rosto.

— Você utilizou o verbo "sentir" no pretérito perfeito, ou seja, esse amor não deu tão certo assim e se encontra no passado. — Levou uma de suas mãos até o queixo. — A questão é, se o grau do amor era tão alto assim, o que o fez dar tão errado? Se te fez sentir completa, porque decidiu que era melhor se sentir pela metade?

A turma inteira me encarava. Como se aquilo fosse uma espécie de debate onde contavam comigo para ganhar.

— Porque eu acho que as vezes, só o amor não é o suficiente.

— Você acabou de me dizer que o amor é tudo e agora diz que não é o bastante? — Seu sorriso era interessante. Ele não estava me desafiando e nem nada do tipo, só parecia interessando em debater com alguém que entendia do que ele estava falando.

— Mas também disse que é o encaixe perfeito. Quando as peças não se moldam para encaixar uma a outra, não é possível se completar. — Rebati.

— Então quando as peças não se encaixam, foi realmente amor? É possível senti-lo com uma peça que não se encaixa? — Me questionou mais uma vez.

— Eu não sei... — Respirei fundo, soltando o ar assim que notei estar segurando por muito tempo.

O sinal tocou, revelando o fim da aula. Os alunos não saíram desesperados como sempre costumavam. Na verdade, pareciam presos ainda na ideia do amor. Como uma aula conseguiu fazer esse milagre?

— Na próxima aula, esse será o tema, "O outro lado do amor". O lado em que ele não é tão bom assim. E a pergunta que deixo é, o amor pode ser outra coisa além de bom? Ele pode realmente ser ruim? Ou o que é ruim não é considerado amor? Bom, isso vocês irão me dizer. — Ele juntou o seu material, enquanto observava cada um de nós. — Eu quero que sejam sinceros, não tenham medo de expressar a própria opinião. Estou aqui para ouvir cada um de vocês.

Quando os alunos começaram a sair da sala, eu aguardei o momento exato para falar com o professor. A sala foi esvaziando e decidi que aquele era o melhor momento, antes que ele fosse embora.

— Professor. — Chamei sua atenção. O homem abriu um sorriso gentil, aguardando atentamente as minhas palavras. — Eu gostaria de falar sobre a minha situação.

— Você é a Mya, certo? A representante de turma brilhante que faltou a prova trimestral? — Ele levou as mãos a cintura.

— Eu mesma. — Abaixei a cabeça.

— Sabe, Mya. Eu disse a mim mesmo que não deixaria nenhum aluno faltoso, irresponsável e com baixas notas fazer essa prova. Mas vendo a sua atuação na escola e principalmente na aula de hoje, eu vejo um futuro incrível em sua frente. — Eu soltei o ar pela boca, estalando os dedos das mãos por tamanha ansiedade. — E eu não posso ser responsável por acabar com isso, certo? — Abriu um sorriso, e toda aquela ansiedade se converteu em uma alegria que saltitou dentro do meu peito. — Senta aí que eu vou te deixar fazer a prova.

(...)

Depois de dar quatro horas de monitoria por conta do meu atraso com eles nas aulas, eu fui para casa. O engraçado é que eu devia me sentir feliz, mas essa não era exatamente a sensação que tomava conta do meu corpo.

Era meio que um alívio, mas minha alma ainda estava perturbada com algo que, de jeito nenhum, conseguia esquecer.

Ao atravessar o pátio em direção a biblioteca, Mike passou por mim e dessa vez não fez o contato visual. Ele estava triste, nitidamente abalado.

Então quando as peças não se encaixam, foi realmente amor? É possível senti-lo com uma peça que não se encaixa?

Todas aquelas perguntas do professor me fizeram refletir. Se o amor é bom, e sempre dá certo, como definir o que dá errado? Não é amor? Se é paciente, bondoso e não te causa dores, então um casal que não tem nenhuma dessas características não se ama de verdade?E se caso o amor também tiver um lado ruim? Um lado tóxico onde ao invés de se sentir completo, você se sente ainda mais vazio por sentir-se sugado pela outra metade? E se por acaso, o amor também tiver um lado triste? Aquele lado onde você lutou muito para dar certo, mas as circunstâncias não permitiam a união das partes? Por mais que você lutasse por isso, nunca seria o suficiente, pois as partes não se encaixam nem se moldando. Como é possível amar alguém que não se encaixa? Mas e toda aquela coisa de opostos que se atraem? Isso ainda é verídico? É possível você amar alguém e não se moldar para encaixar? É possível encaixar sem ser moldado?

Na verdade, o amor é um sentimento intenso demais que buscamos explicar com palavras rasas. É um sentimento profundo em que pessoas não tão profundas tentam defini-lo. Então o amor, por partes, é impossível de ser compreendido por seres tão fúteis.

Talvez a conclusão disso tudo seja: nem todas as pessoas estão preparadas para sentir o amor. Algumas delas vão sentir, mas não significa que estejam prontas para isso. Não significa que adquiriram maturidade o suficiente para isso. E talvez, o amor que tenho em meu coração realmente seja amor, mas eu não soube usar da maneira correta.

A Maior Conquista: O AmorOnde histórias criam vida. Descubra agora