13. Você podia tentar também.

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Depois da segunda aula da tarde, eu sabia que chegaria a hora de enfrentar o menino na monitoria. Eu estava com tanta raiva que fiz prometer a mim mesma, que não daria esse gostinho para ele. Eu agiria calmamente como uma verdadeira representante deve agir.

Antes de conceder monitoria a ele, eu teria um aluno do primeiro ano. E depois do anticristo, seria uma menina do mesmo ano. Cerca de meia hora com cada um deles. Eu aguento.

— Boa tarde Mya! — Liam, meu primeiro aluno, chegou com um sorriso largo no rosto. — Voce vai monitorar meus estudos, né? Me faça entender essa praga de equação do segundo grau! Descobri hoje que existe uma de primeiro grau sendo que eu nem lembro! Fora que a professora disse que eu preciso usar a tal da fórmula de Bhaskara. Quem raios é Bhaskara e por que ele resolveu infernizar a minha vida? — O garoto simplesmente se sentou, levando a mão até a testa em uma enorme preocupação. Me contive para não rir da situação.

— Primeiro respira, vai. — Notei ele endireitar a postura para respirar. — Bhaskara foi um astrónomo, astrólogo e matemático indiano. A sua fórmula é um método resolutivo que nos permite encontrar raízes a partir dos coeficientes da equação. A forma geral de uma equação de grau dois é ax2 - bx + c com "a" diferente de 0. Entendeu até aí?

— Acho que estou compreendendo. — Ele levou a mão no queixo, muito pensativo.

Depois de uns vinte minutos, já estávamos chegando ao fim da pequena aula. Ele havia entendido bem a matéria e até conseguiu fazer um exercício sozinho.

— Faça esses quatro exercícios e me traga na próxima monitoria. — Ordenei, ajudando o menino a juntar seu material quando bateu meia hora de aula.

— Dois dias para fazer esses quatro? Preciso de no mínimo um dia para cada um. — Colocou a mochila nas costas, indo em direção a porta da biblioteca. — Até quarta, Mya!

— Até, Liam! — Acenei para o menino que parecia esgotado com trinta minutos de aula.

— Que bonitinho! — Me virei para frente, assustada com a voz baixa perto de mim. Mike estava sentado com os pés em cima da mesa, um sorriso  debochado e os braços cruzados. — Não é? Pobre menininho. Certeza que luta para dar orgulho aos pais que nem ao menos se importam de saber como foi o seu dia. — Fez estalos com a língua, em forma de negação.

— Primeiro de tudo, abaixe essas pernas e pare de se balançar antes que eu te empurre novamente. — Empurrei seu pés, fazendo ele sorrir ainda mais.

— Como a senhorita quiser. — Declarou.

— Segundo, Ele não é mais um menininho. É apenas um anos mais novo que nós dois.

— Dois anos. — Debateu.

— Como?

— Ele é dois anos mais novo que eu. Perdi um ano. — O garoto abriu um sorriso despreocupado. Como se não fosse uma tragédia perder um ano.

— Sua vida não é do meu interesse. — Arqueou uma das sobrancelhas. — Podemos começar?

Ele parou por um momento e apenas ficou me observando por longos minutos. Parecia guardar na memória cada detalhe do meu rosto. Um sorriso ainda se mantinha em seu rosto enquanto eu o encarava buscando qualquer reação da parte dele. Quando pareceu notar o que estava fazendo, piscou algumas vezes e endireitou a postura. 

— Gostei da mancha roxa na blusa. É estilo tie dye? — Um sorriso travesso surgiu no canto dos seus lábios.

— Podemos começar? — A minha vontade era de levantar e me retirar do local. Mas eu não podia deixar ele ganhar. Não podia ceder. Meu pai está contando comigo dessa vez.

— Esse estudo não é do meu interesse. — Disse, simplesmente, repetindo o que eu disse anteriormente. O esverdeado se levantou, saindo da biblioteca e me deixando ali parada.

Mas que idiota...

(...)

— Como foi seu dia? — Assim que entrei pelas portas da minha casa, notei meu irmão sentado assistindo alguma animação na televisão.

— Voce não faz nada da vida, não? 

— Faço sim. — Ele pausou o que estava vendo e direcionou o seu olhar a mim. — Fiz essa animação sobre a importancia da educação financeira em nossas vidas. Quer assistir? — Ele abriu espaço no sofá e por um momento me questionei se era mesmo meu irmão.

— Não, obrigada. Prefiro estudar um pouco lá no quarto. — Ele se levantou do sofá e correu em minha direção, colocando seu corpo em minha frente.

— Por que não quer assistir? — Perguntou com os olhos fulminantes.

— Porque eu deveria?

— Porque me dediquei bastante e gostaria que visse. — Aquilo foi uma das coisas mais estranhas que já escutei ele dizer. Na maioria das vezes sou tratada como a ingenua que não sabe de nada da vida ainda, ou então sou ignorada pois tudo aquilo que digo nessa casa não é digno de ser escutado. E ele gostaria de me mostrar a animação? Por quê? Se nunca fez questão de me contar sobre nada ou me manter por perto?

— Voce quer me mostrar? — O vi assentir. — Voce está bem? Está com febre ou o quê?  — Perguntei diretamente, sem rodeios. Precisava saber qual era o joguinho dele. Se de alguma forma ele ia se beneficiar com essa "boa ação".

— Me sinto ótimo. Só acho que podíamos tentar ser irmãos de verdade certas vezes. — Cruzei os braços e o encarei com um olhar ironico.

— Irmãos de verdade? Você sabe o que isso significa? Ah não! Que pecado! Estou duvidando da inteligencia do super mente brilhante.  Mas é claro que ele sabe o que significa o termo "irmãos de verdade", só não prática, não é? E não se importa. Por que será mesmo que isso se tornou tão importante em uma segunda-feira a noite? — O encarei, esperando qualquer reação da parte dele.

Mas a única coisa que ele fez foi sorrir e voltar a se sentar no sofá.

— Acho que não teve um bom dia. Tudo bem, eu realmente entendo. — Se virou para mim, com o sorriso irritante nos lábios. — Eu espero que seu dia de amanhã possa ser mais agradável. — Inclinou a cabeça para o lado. — E olha... — Chamou minha atenção. — Eu quero tentar ser um bom irmão. Você podia tentar também.

A Maior Conquista: O AmorOnde histórias criam vida. Descubra agora