14. Ninguém toca sob pressão.

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Que dia irritante! Que garoto irritante! Que escola irritante! Que vida irritante!

Depois de tomar um longo banho na esperança de derreter e ir de ralo, me sentei na escrivaninha para revisar algumas matérias do primeiro ano, caso precisasse nas pequenas aulas. Passei o resto da noite assim, tentando fazer a minha mente focar em uma única coisa, o teorema de Pitágoras em minha frente.

— Você não vai jantar? — Escutei uma voz antecedendo duas batidinhas na porta. — Papai e mamãe estão perguntando por você.

Não respondi, estava muito irritada para responder.

— Mya? — Mais uma vez tentou. — Eu sei que você está muito focada e eu acho isso importante. Mas se alimentar também é importante.

— Será que você pode fazer silêncio por favor? Estou tentando me concentrar. — Falei uma única vez, ouvindo um suspiro. Escutei os passos do menino aos pouco se afastando e indo na direção oposta da porta.

Desistiu.

(...)

— Quando o número passar para o outro lado, se torna uma divisão, compreende? — Era a minha segunda monitoria do dia. Leon era magnífico resolvendo cálculos matemáticos. — Isso. Parabéns. — Falei assim que ele conseguiu encontrar o resultado da conta. Juntei o meu material e me retirei da biblioteca.

A escola estava vazia. A maioria dos alunos foram embora assim que as aulas da tarde terminaram, inclusive Hilary e Olivia.
Decidi ficar mais um tempo na escola a fim de treinar as pausas que estavam sendo um grande obstáculo na música.

Caminhei em direção a sala de música e enquanto me aproximava, um som adorável tomava conta do lugar. Era calmo, paciente e transmitia uma paz enorme.

O som era de um violino. Mas quem o tocava assim de maneira tão apaixonante?

Como um único instrumento podia tocar a alma de alguém ao ser dedilhado dessa forma? Era puro e carregava toda turbulência de um único ser humano. Era como se depositasse tudo aquilo que sentia no instrumento.

Toquei a maçaneta sentindo o quanto estava fria. Estava prestes a abrir quando me veio algo em mente.

E se eu atrapalhar o dono do som?

Recuei um pouco, ainda escutando a harmonia. Quando de repente, escutei o som cessar.

Não voltou a tocar.

Adentrei as portas me deparando com alguém que jamais imaginei que veria ali.

Não pode ser.

— O que você está fazendo aqui? — Perguntei assim que seu olhar esbarrou com o meu.

— Eu que deveria fazer essa pergunta, não? — O esverdeado respondeu em um tom de deboche. — Você acabou de tirar a minha concentração.

— Não tirei não! Você errou antes. Eu escutei. — Debati, colocando os meus pertences no canto da porta.

— Então quer dizer que você estava escutando atrás da porta? — Sorriu.

— Estava. Mas se soubesse que era você que provoca o som, certamente não estaria ali. — Me sentei no piano, massageando as mãos para começar.

— Gostou do que ouviu? — Ele não tirou o seu sorriso sarcástico dos lábios. Voltou a encarar o espelho e a produzir novamente o som.

Não o respondi.

Ele parecia distante assim que começou a tocar de novo. Seu semblante era novo para mim. Nunca o vira transmitia tanta paz como naquele momento, normalmente ele esmagava a paz. Mas ali não, ali ele exalava paz.

Seus cachos se moviam lentamente assim como ele. Suas pernas estavam cruzadas e sua cabeça levemente encostada sobre o violino. Quando ele abriu os olhos e notou o quanto eu o encarava, parou de tocar e me fitou.

— O que foi? Eu até que consigo tocar com as pessoas me olhando, mas você tá me encarando igual uma psicopata. — Colocou o violino ao seu lado e tomou a partitura.

— Não estou te encarando. — Cocei a garganta e foquei no instrumento em minha frente

Comecei, pela vigésima vez, a tocar a melodia que me foi passada. Uma música que, para mim, não tinha tanta cor assim.

Na verdade, ouvi-la já estava se tornando ensurdecedor.

Errei uma nota.

Errei mais uma vez.

Pulei uma das pausas.

Toquei o acorde errado.

Respirei fundo assim que notei que não estava evoluindo, e que provavelmente seria expulsa da turma de música.

— Você está nervosa? — Mike perguntou enquanto guardava seu instrumento. — Chopin é tão fácil.

— Será que você pode ficar quieto? Já treinou, certo? Agora pode me deixar sozinha?

— Precisa relaxar, gatinha. — Ele sorriu. — Ninguém toca sob pressão. A música precisa sair daqui de dentro. — Tocou o peito. — Eu sei que isso parece clichê e motivo de risada, mas é a mais pura verdade. — O menino se aproximou das minhas costas e se inclinou ao lado do meu rosto. — Noturno Op 9 No 2. Obra romântica de Chopin. Sou completamente apaixonado pelas três obras. — Tocou as minhas costas, ajeitando a minha postura. — Respira fundo. — Suas mãos pousaram sobre os meus ombros, me causando calafrios. — Relaxe as mãos e não olhe para a partitura. Você provavelmente já sabe ela de côr. Sinta a música, Mya.

Por algum motivo eu o escutei. Talvez tenha sido a sua proximidade repentina ou a sua voz suave tão perto assim do meu ouvido. Seja lá o que tenha sido, funcionou perfeitamente.

Enquanto eu dedilhava as notas, ele tocava o meu ombro em cada pausa. Como um lembrete.

"Ninguém toca sob pressão."

Então quer dizer que naquele momento eu não estava pressionada... Por que ele não me deixava pressionada assim como todos os outros que se aproximavam para me ver tocar?

Assim que cheguei no final da música, juntei minhas mãos em meu colo, sem acreditar que toquei a música inteira sem ao menos olhar a partitura.

— Perfeito. — O toque em meus ombros se afastou aos poucos e a falta logo se fez presente. — Não fique presa somente a partitura. Deposite o que sente na música e ela retribuirá com uma melodia perfeita.

O cacheado pegou seu violino e sua partituras, caminhando em direção a porta.

A Maior Conquista: O AmorOnde histórias criam vida. Descubra agora