25. O futuro é mutável.

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Narrado por Mike.

Encarando aquele olhos tão azuis que é possível comparar a um vasto campo de lírios azuis. Ou então com a formosa pedra tanzanita, com sua junção de um forte azul e um roxo vibrante, senti algo único. Seus olhos naquele instante estavam avermelhados por minha causa. Eu a fiz chorar com tanto desabafo.

E em pensar que há alguns minutos atrás eu só sentia raiva por ela. Raiva por tudo relacionado a minha mãe. Mas vê-la chorar porque algo dói em mim, foi especial. Não foram lágrimas falsas, foram lágrimas tão verdadeiras  quanto 1+1 ser 2. Era sincera, se sensibilizava com a dor alheia e estava ali, disposta a me ajudar sem saber como.

Mas sem saber, ela já estava me ajudando. Não tinha ideia de como as coisas já mudaram dentro de mim. Ela me fez ver que a vida é assim, assustadora as vezes. Mas precisamos decidir se vamos continuar com medo dela, ou enfrentar as situações com medo mesmo. E ela sempre enfrentava, mesmo apavorada como as vezes me demonstrava.

(...)

— Filho? — Assim que abri a porta de casa, meu pai chamou sem tirar os olhos do livro em suas mãos.

— Cheguei. — Declarei e estava prestes a voltar o meu caminho quando ele chamou mais uma vez a minha atenção.

— Está tudo bem? — Perguntou. Percebi que se virou para mim e desviou o seu olhar do livro. Tinha um expressão de preocupação no rosto.

— Está sim. — Respondi, sentindo os meus olhos embaçados por conta das benditas lágrimas.

— Você tem certeza? Não me parece bem. — Se levantou de sua poltrona e veio até a minha direção, colocando uma das mãos em meu ombro. — Quer conversar?

— Eu estou bem, obrigado por perguntar. — Me afastei um pouco do seu toque, vendo o olhar chateado do homem.

— Mike, eu posso conversar? — O vi engolir a seco enquanto esperava uma resposta, mas como não disse nada, ele prosseguiu. — Sei que por muito tempo, mais da metade da sua vida eu fui péssimo com você. Tentava impor as minhas vontades e o meu querer sobre a sua vida. Mas acontece que as coisas não são assim. — Ele sorriu fraco. — E sabe, eu só entendi isso quando... — Parou de falar. Eu sabia bem o que ele diria. Nós dois sabíamos que aquilo era um assunto proibido naquela casa. Mas nenhum dos dois parecia querer manter aquela regra.

— Quando a mamãe morreu? — Declarei, dando a permissão que ele precisava para falar do assunto. O vi sorrir um pouco mais e continuar a conversa.

— Sim. Quando a sua mãe morreu, o meu inconsciente insistia em dizer tudo aquilo que eu fiz de errado e podia ter feito diferente. Mas sabe qual é o trágico do passado?

— Ele é irrevogável. — Respondi antes dele, o que o deixou surpreso. — Me disseram isso hoje.

— É, é isso mesmo. O passado é irrevogável. Não tem como voltar e fazer tudo diferente. — Ele suspirou. — E então eu me lamentei, para mim era só o que me restava, até ler a carta que ela deixou. — Sorriu ainda mais ao dizer isso.  — Ela sempre... Sempre me salvando. — O homem se permitiu chorar, como nunca o vi chorar. Não era um choro de tristeza, ele expressava uma gratidão através dele.— Ela me mostrou que por mais que eu tenha agido errado, eu podia fazer diferente daqui para frente. O passado é irrevogável mas o futuro é mutável. E eu escolhi mudar o futuro através das minhas ações diferentes no presente. E eu o fiz. — Respirou fundo enquanto tentava firmar a voz. — O que eu quero dizer é que eu não fui bom, e talvez nunca alcance o nível da bondade, mas me dê uma chance de provar que quero fazer diferente. Quero ser um pai bom, o pai que a sua mãe desejava que eu fosse desde o início.

O grande empresário Jack Lewis estava ali, dizendo palavras que nunca o vi dizer. Eu sei que era nítida a sua mudança, desde que ela se foi, eu via sua mudança. Mas meu coração por muito tempo o acusava dizendo que ele a esperou morrer para mudar, e de certa forma o meu coração está certo. Eu também mudei quando ela se foi.

A diferença entre nós é que ele resolveu melhorar e eu resolvi piorar. A prova de que cada um lida com o luto de uma maneira. A perda dele o fez entender que precisava agir diferente, e a minha fez eu me perder no meio do caminho. E mesmo com isso tudo, acho que finalmente as coisas estavam caminhando para "superar"

Superar é você pensar nas memórias e perceber que não dói tanto quanto antes. Você não é bobo, apenas cometeu o erro de achar que superar era esquecer de tudo aquilo que lembrava sua mãe. E só vemos que superamos mesmo, quando as memórias estão do nosso lado e mesmo assim o coração não aperta de dor, as vezes se aquece de felicidade.

— O senhor ainda tem a minha carta? — O homem abriu um sorriso tão largo que pude ver o quão feliz estava. Eu não sei ao certo se estava pronto para ler aquilo, mas acho que precisava.

— Você finalmente quer? — Meu pai perguntou enquanto limpava algumas lágrimas dos olhos.

— Quero sim.

Nos dirigimos até o seu escritório que era bem grande e silencioso. Havia um espaço vazio, que antes pertencia a mamãe e agora estava ali, incompleto. Ele pegou uma chave e me encarou, mas antes de deixá-lo falar, perguntei.

— Também jogou as coisas dela fora? — Apontei para o lado vazio de seu escritório. Eu não entrava ali havia um bom tempo.

— Não. Todas as coisas estão guardas. — Ele balançou a chave e saiu andando enquanto eu tentava acompanhá-lo.

— Guardadas aonde? — Perguntei, sem entender.

— Em um lugar que sempre pensei em te chamar para ver, mas nunca tive coragem. — Subimos os três lances de escada e no final estava com a respiração pesada de tanto esforço.

E lá estávamos nós dois, no último andar da casa. O andar que quando criança, eu tinha um medo terrível porque acreditava fielmente que lá moravam monstros ou alienígenas. Era um andar simples, que foi montado sem muita lógica já que haviam apenas um corredor com três portas. Meu pai ligou a luz e notamos a quantidade de poeira que corria do teto até o chão.

Meu nariz até coçou assim que começamos a caminhar por ele.

Passamos pela primeira porta, pela segunda, até que paramos na última que era de frente para a escada. O homem limpou as teias que estavam grudadas na maçaneta e colocou a chave, respirando fundo.

— Pronto? — Ele sorriu calmamente, me deixando mais relaxado com a situação de enfrentar o passado.

— Talvez. — Declarei, e ele girou a chave, abrindo a porta.

A Maior Conquista: O AmorOnde histórias criam vida. Descubra agora