60. Não é possível.

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Passamos praticamente a tarde inteira nesse parque. O lugar transmitia uma sensação única de paz e tranquilidade. Como não estava tão cheio, aproveitamos bastante correndo atrás um do outro igual a dois malucos.

— Me diz seu filme favorito e o porquê dele ser o seu favorito. — Mike estava deitado no gramado e eu deitada ao seu lado, apoiando uma das minhas pernas na sua. Eu fazia perguntas aleatórias enquanto observava o sol desaparecer entre as árvores.

— Eu não vou falar isso. — Ele se negou, tampando o rosto com as mãos.

— Por que não vai dizer? — Cutuquei a sua barriga, o forçando a tirar as mãos do rosto.

— Porque você é sebosa e vai falar um monte de bobagem. — Me acusou.

— Diz logo! — O empurrei com o ombro.

— Eu não sei. — Ele virou o rosto para o outro lado.

— Sabe sim! Se eu falar o meu você diz o seu? — O vi assentir com um sorriso. — Bom, meu filme favorito é a cinco passos de você.

— Você quis dizer a cinco passos de morrer, né? Porque que filme do capeta é esse. Triste demais. Chorei e tudo. Nossa, sem condições. Horroroso. — A cada palavra ele fazia uma careta. Eu fiquei impressionada ao ver a fragilidade desse menino.

— Você chorou? — Comecei a gargalhar vendo o seu semblante debochado.

— Viu! Olha só como você é, sua sebosa. — Ele me empurrou, me fazendo rir ainda mais. O garoto cutucou a minha barriga numa tentativa de me fazer cócegas, mas me afastei rápido o suficiente para não me alcançar.

Eu juro não rir mais! — Voltei a me deitar ao seu lado. O menino estreitou os olhos, desconfiado. Mas prosseguiu falando.

— Tudo bem. O meu filme favorito é quatro vidas de um cachorro. Eu acho que esse filme desgraçou a minha vida de muitos jeitos diferentes. E é por isso que ele é bom. — Mike falou aquilo de uma forma tão natural, que me fez rir. — É sério! Eu lembro que teve uma polêmica enorme alegando que os animais sofriam maus-tratos. Mas aí um tempo depois tudo isso foi negado. Eu fiquei malzão em saber que um filme bom desses tinha isso por trás dos bastidores. — Era engraçado e muito atraente a forma como ele se envolvia nas perguntas indo até mesmo além,  daquilo que eu perguntava. — Me lembro que a primeira morte do cachorro não me afetou tanto né. — Aquilo era mentira. Os seu olhos diziam "me afetou pra caramba já" — Eu fiquei até que bem, pensando assim "ah, o cachorro viveu um tempão com o cara. Eles era manos mas uma hora tinha que ir, faz parte". Não vou negar que algumas lágrimas escaparam porque meu Deus, eles eram melhores amigos, né. Po, mas a morte que mais me doeu foi a do pastor alemão. Pelo amor de Deus! Como é que eles dão um tiro no cachorro assim, mermão? Aquilo dali foi o cúmulo da dor. O cara não ficou satisfeito de matar o cachorro quatro vezes não. Em uma delas ele ainda precisou dar um tiro nele. Deus é maior! — Eu ria da sua indignação.

— Eu lembro um pouco desse filme. Acho que chorei nas quatro mortes dele. — Ao invés de me olhar torto, como eu fiz com ele, me olhou como se entendesse completamente o que eu estou falando.

— Até os fortes se tornam fracos com esse filme. — Balançou a cabeça em negação. — Minha vez de perguntar. — Levou a mão ao queixo, parecendo pensativo. — O que faz você gostar de alguém? — Aquela pergunta me fez sorrir. Porque era basicamente "O que fez você gostar de mim?". E era estranho com ele se sentia inseguro em relação a mim. Era tão perfeito para mim. Amava ele em cada pequeno detalhe e era difícil ver o quanto a sua mente o convencia de que ele não era bom o suficiente.

Quando estava prestes a responder a sua pergunta, o meu celular começou a tocar. O peguei para ver quem era. A tela acendeu e notei ser o número de Olivia.

— Quem é? — Mike perguntou, juntando algumas coisas que estavam na toalha.

— É Olivia. Não deve ser importante. Provavelmente é alguma coisa sobre o festival de música, depois atendo. — Deixei o celular de lado e voltei a pensar na sua pergunta. Mas Olivia insistia em me ligar.

— Acho melhor você atender. — Ele dirigiu o seu olhar para o telefone, dobrando a toalha quadriculada.

— Tudo bem, um minuto. — Peguei-o novamente, atendendo a chamada de uma vez. — Oi, Olivia. Tudo bem?

Onde é que você está, Mya? — Pelo seu tom de voz, eu diria que alguma coisa grave tinha acontecido.

— Bom, eu estou com Mike. Não assistimos o último tempo de aula. Como não tínhamos mais um tempo juntos, ele arrumou um jeito. — Sorri, tentando quebrar o clima que se instalou.

Mya, você e Mike simplesmente acabaram de perder a prova de filosofia trimestral! Ele disse que não terá segunda chamada, a não ser que tenha uma justificativa plausível. Que segundo ele, será avaliada se válida ou não.  — Assim que ela terminou de proferir as palavras, eu senti como se fosse vomitar.

Não é possível.

Eu perdi... a prova trimestral?

— Como ele não avisou, Olivia? — Sentia a minha cabeça rodar por conta da tamanha ansiedade que me consumiu.

Caramba... meu futuro está em jogo.

Ele disse que por conta das frequências baixas em dias de aula, e das altas em dias de prova, ele decidiu que não avisaria mais. Prejudicando assim os que têm um histórico de faltas. — Ela dizia aquilo de um jeito triste, como se soubesse o que eu estava sentindo.

— Meu Deus o que eu fiz... — Milhões de coisas se passavam em minha cabeça. Desde "eu não deveria estar aqui", até "o que vão pensar de mim?"

O que meu pai vai achar disso? Prejudiquei o meu boletim escolar perfeito por conta de um momento com um menino? Ficarei com uma nota vermelha porque preferi escutar o meu enganoso coração? É sério que coloquei todo o meu futuro em risco por conta disso?

Que faculdade vai te aceitar agora?

Está vendo o que esse menino fez? Te afastou do seu futuro e você nem percebeu...

Devia ter escutado o seu pai.

O que Mike vai te acrescentar?

— Eu preciso ir embora. — Desliguei o telefone, e me retirei do parque correndo. Escutando as chamadas do menino.

A Maior Conquista: O AmorOnde histórias criam vida. Descubra agora