Cinza e preto (04)

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- Amor, tenho uma notícia legal. - Digo me sentando na cama ao seu lado. - Eu consegui comprar aquela empresa. Lembra que eu falei pra você que era o meu sonho? Pois é amor, eu consegui.

Me deitei em seu peito, envolvendo sua mão em minha cintura colocando em meu peito, como antes...

- Pena que meu sonho hoje é outro... - Suspiro.

Fiquei ali por um bom tempo calada.

- Ontem fui ver nossos pequenos... Na madrugada, eu não consegui dormir. Senti sua falta na nossa cama. Tomei banho na chuva... Lembra quando fizemos amor na beirada da piscina enquanto a chuva caía? - Olhei pra ela, apoiando meu queixo em seu peito sem machucar. - Lembro bem do seu corpo completamente suado, dos seus gemidos carregados de prazer... Queria voltar naquele tempo...

Fiquei ali por um tempo, acabei dormindo em seu peito. Sonhei com ela acordando, mas assim que acordei, ela ainda dormia.

Será que... E se eu tentar outra vez?

Me ajeitei na cama, e a olhei... Fiz carinho em sua bochecha, me aproximando e tocando seus lábios com delicadeza. Beijei-a como se fosse recíproco. Foi um "selinho" demorado, com mordidinhas e chupadas nos lábios. Abri meus olhos e mais uma vez suspirei frustrada, encostando minha testa na sua.

Pensei que funcionaria...

- Por que continuo insistindo? Nosso amor já era. O beijo já não é mais de um amor verdadeiro...

Afundei meu rosto em seu pescoço e chorei. Chorei muito. Tudo que eu queria era seus carinhos, sua voz. Ela!

Eu queria ela de volta...

Queria poder ouvir sua voz cantando pela casa. Queria ela tocando pra mim quando eu não estivesse bem...

- Dá um sorriso aí pra mim
Não fique assim
Quero te ver feliz
Eu sei que o mundo anda pesado demais
Que seja leve o que vier
Fique em paz

Dá um sorriso aí pra mim
Não fique assim
Quero te ver feliz
Eu sei que o mundo anda pesado demais
Que seja leve o que vier
Então
Fique em paz

A olhei...

- Tudo vai ficar bem
E as flores vão nascer de novo depois de amanhã
Porque o inverno tá passando
A chuva já está estiando
E o sol voltou

Se quiser chorar, tudo bem
Meu ombro é seu travesseiro
Meu corpo cobertor

Ninguém tá isento da dor
Mas diante do amor, ela fica tão pequena
Pequena...

Pequena não chore, não tenha medo
Isso é normal pra quem é de carne e osso
Não precisa fazer tanto esforço

Eu não sou diferente, também sou gente
Já passei por isso
Se quiser passo de novo com você
E se quer saber

Esse é o segredo
Desabafa, chora no meu peito
Mas me promete que amanha bem cedo
Vai tá sorrindo como antigamente
Isso é normal
Coisa que a gente sente

Pequena, eu tô aqui pra cuidar da gente

Essas músicas rondam minha cabeça. Ambas feitas por ela especialmente para mim.

Lembro-me bem de quando compôs "Da um sorriso aí pra mim". Ela estava viajando e eu havia tido bebê a uns dois meses. Ainda estava me recuperando e os hormônios ainda estavam voltando ao normal. Liguei pra ela aos prantos dizendo que não estava bem. Ela me acalmou, cantou pra mim, disse que me amava... Antes de eu dormir, ela me enviou um vídeo. Ela tocava e cantava essa música.

Aquele voz de anjo acalmou meu coração de uma forma tão acolhedora que sempre que me sinto mal eu escuto essa música.

Já "Pequena", eu estava jogada na cama, e ela escrevendo algo que até então eu não sabia, quando perguntei, ela disse que eu não poderia saber. Não demorou muito pra ela correr para pegar seu violão e se sentar na cama com aquele sorriso lindo.

Ela começou a tocar e a cantar, e no final, eu já estava chorando. Ela disse que fez aquela música para mim, já que naqueles dias eu estava bem pra baixo em questão do nosso relacionamento.

Todas as noites ela cantava aquela música enquanto fazia carinho em mim. Era assim que eu dormia.

Quando percebi que tudo isso foi deixando de existir, eu me senti a pior pessoa do mundo.

Queria voltar no tempo. Hoje o que me resta são vídeos, áudios, fotos.

Hoje o que me resta são lembranças...

Toda vez que a olho e percebo que não terei seu olhar de volta, eu sinto meu coração ir se quebrando aos poucos.

Saudade daqueles olhos. Saudade do seu toque. Eu queria apenas mais um minuto. Eu poderia concertar as coisas entre a gente e quem sabe nesse momento não estaríamos nos amando por aí?!

Eu faria tanta coisa em um minuto... Eu diria o que eu nunca disse. Eu faria tudo que eu queria ter feito mas deixei de lado por achar que teria mais tempo. Eu falaria pra ela o quanto eu a amo e o quanto me arrependo de ter deixado nossa relação assim.

Eu faria tantas coisas em apenas um minuto...

Queria ter empedido ela de entrar naquele carro. Queria ter impedido ela de beber... Queria ter impedido ela de sair dos meus braços.

Eu achei que teria mais tempo...

Hoje já não tenho mais esperança. Ela não responde, não melhora.

Acho melhor tirar os aparelhos e seja o que Deus quiser.

Dei outro selinho nela e parti rumo a nossa casa. Ao chegar, uma irmã, meu filho e minha cunhada me olharam calados, porem assustados.

- Precisamos conversar...

- O que foi, mãe? - Léo disse, preocupado.

Deixei minha bolsa no sofá e me sentei ali passando as mãos por meus cabelos segurando o choro.

- E-Eu acho melhor... Melhor a gente...

Engoli seco sentindo um nó enorme e doloroso em minha garganta se reformado.

- Eu vou desligar os aparelhos.

- QUE? MAIARA, NÃO! - Disse minha irmã, se levantando no susto.

- Não tem outra opção. Ela não melhora, irmã. A respiração dela está ficando cada vez mais fraca. Eu não quero que ela sofra mais do que já sofreu. - Digo chorando.

- Mãe... É... Mas... Mas ela vai melhorar. - Disse Léo.

- Não... Ela tá fraca, não responde aos tratamentos. Já se passaram quase quatro meses...

- Irmã, tem gente que acorda depois de dez anos... Ela vai acordar!

Me calei.

Subi correndo pro nosso quarto, tranquei a porta e me joguei na cama abraçada em seu travesseiro.

- Volta... Volta pra mim, amor. Volta pra nossa família. Minha vida não tem graça sem você, Marília... Perto, ou longe uma da outra, eu tinha você comigo. Me escuta amor. Eu sei que você tá me escutando. Nunca precisamos estar perto uma da outra pra conversar. Eu sei que seu coraçãozinho ainda bate, seja por mim ou por outro motivo, mas eu sei que pode me ouvir. A gente não precisa estar coladas pra estar juntas, os nossos corpos se conversam por horas e horas... Então volta...

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