Ilusão (02)

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Ela terminou de se arrumar, pegou sua bolsa e seu celular, e me olhou.

Ah aqueles olhos... Já não eram os mesmos, já não tinham o brilho do Mel.

- Tchau...

- Tchau... - Digo sem olha-la.

Ela veio até mim, se aproximando cada vez mais. Inalei todo aquele cheiro de morango fechando meus olhos, e ela, todo o cheiro de vinho.

- Vinho misturado com baunilha... - Ela se sentiu em meu colo. - Bebeu outra vez?

- Bebi.

- As crianças estavam te esperando pra brincar...

- Amanhã eu... Eu brinco com eles.

Ela negou com a cabeça. Me aproximei dela a pegando pelos cabelos, e firme em sua cintura.

Nada... Nem um arrepio sequer.

Resolvi testar. A puxei para mim e a beijei, ou pelo menos tentei. Nossos lábios pareciam ter perdido o encaixe. Já não tinha o mesmo sabor e nem a mesma vontade de continuar. Nossas línguas também não se encaixaram como antes. Quando (in)felizmente nos separamos, não houve troca de olhares, ela apenas se levantou e seguiu até a porta de cabeça baixa.

Suspirei e fui para o banheiro, ouvindo o barulho de seus saltos irem se distanciando cada vez mais. Tomei banho e dali me joguei na cama. Sem pensar em mais nada, eu dormi.

Não sei a hora ao certo, mas senti ela jogando seu corpo ao meu lado no colchão. Acordei com o cheiro forte da bebida, e um perfume que eu conhecia, mas não soube identificar de quem.

- Amor... - Ela me olhou.

- Maiara...

- Eu... Eu juro que não queria, mas... Mas...

- Mas fez. Normal.

Me levantei, tirando a roupa pesada que ela vestia e a deixando nua.

Sabe por que eu não julgo? Porque também faço o mesmo. Quando preciso me satisfazer, eu vou pra uma balada qualquer e escolho quem eu quiser. Só não posso envolver álcool na jogada.

Ela dormiu rapidamente, e então olhei todo seu corpo... Suavemente, passei a ponta de meus dedos desce sua coxa, passando por sua bunda, até a metade de suas costas, afastando meus dedos dali ao vê-la de mexer um pouco.

Me sentei ali ao seu lado passando as mãos nos cabelos, vendo seu corpo nu ao meu lado completamente inconsciente. Que raiva de nós. Que raiva do que nos tornamos. Um amor tão lindo, se tornou em uma tortura psicológica tão dolorosa...

Mesmo também fazendo com que nosso relacionamento só piore, eu me sinto culpada. O problema é que não tem mais graça. Não tem mais desejo. Viramos amigas e isso me dói tanto.

Não pensem que não tentamos, ao contrário, passamos por terapia de casal, tentamos diversas vezes conversar, fizemos até uma viagem. Nada funcionou. Sempre que tentamos conversar, brigamos. Não sei se é por falta de maturidade, ou por idiotice nossa. Continuamos juntas pelos nossos filhos, afinal, eu não quero que eles cresçam tendo que dividir a vida deles entre nós. Talvez essa tenha sido uma das piores escolhas...

A frase "eu quero o divórcio", não existe no meu vocabulário, embora deveria. Sempre que tento, algo me impede. Ou um nó enorme se forma na minha garganta, ou as crianças aparecem. Tudo acontece. Percebi que não é só comigo esse problema, mas com ela também.

E assim a gente vai indo... Empurrando cada vez mais com a barriga.

Me deitei novamente ao seu lado e dormi. Acordei irritada, já sabia o motivo: TPM e falta de sexo. Meu corpinho sempre foi acostumado a pelo menos cinco vezes na semana com a minha mulher, mas como isso não vem acontecendo a bastante tempo, já estou a um mês sem nada, e isso me irrita.

Levantei na força do ódio, fiz minhas higiene e me vesti, vendo seu corpo ainda inconsciente em nossa cama. Desci pra comer alguma coisa, vendo que as crianças não estavam em casa. Perguntei a uma das moças que trabalhavam ali onde eles estavam e ela me disse que Maraisa havia passado para buscá-las.

Fiquei quieta comendo, até sentir aquele cheiro maravilhoso de morango invadir a cozinha e minhas narinas. A vi descer com uma blusa minha e provavelmente sem nada por baixo além de uma pequena calcinha. Não precisava ver muito para saber, era mania dela usar minhas roupas com uma calcinha completamente pequena.

Ela se sentou logo a minha frente na mesa, pegando uma torrada e comendo calada. Carinha amassada, olhos inchados provavelmente por conta do sono.

- Bom dia. - Ela disse, com a voz rouca.

- Bom dia.

Por um bom tempo ficamos caladas...

- A noite foi boa, não?! - Digo ao ver seu pescoço marcado.

Ela percebeu para onde eu estava olhando, por isso, levou sua mão até o pescoço "acariciando", tentando disfarçar meio incomodada.

- É... - Disse sorrindo amarelo.

- Percebi. - Me levantei indo até a pia.

- Não trabalha hoje?

- Apenas mais tarde. 

Ela não disse mais nada. Lavei a louça que havia sujado e fui até a piscina, tirando o vestido e mergulhando na piscina. Pedi para uma das moças fazer um drink e então ela logo trouxe. Fui para a piscina de hidromassagem e fiquei sentada ali mexendo no celular e tomando meu drink.

- Posso também? - Ela perguntou.

Apenas assenti.

Ela entrou com a blusa mesmo. Foi impossível não olhar... A peça havia ficado transparente ao ter contato com a água e pude ver sua calcinha. Seus mamilos rapidamente se endureceram ao terem contato com a água, e ficaram marcados no pano.

Continuei mexendo no celular até perceber que meu drink havia acabado. Chamei a funcionária e ela veio até nós olhando na cara dura para Maiara. Fiquei calada, olhando.

Maiara pareceu não perceber, e eu não me importei.

Pedi outro dink e Maiara pediu um para ela.

Nossa manhã passou assim, já na hora de eu ir me arrumar, Maiara estava dormindo. Eu não a acordei, preferi deixa-la dormir. Fui a caminho da empresa calada, escutando música.

A nossa música...

As melodias tão vazias. Já não tem mais emoção. Me dei conta de que essa foi a pior decisão. Tipo aquela decisão de filme de terror, alguém precisa ir, mas quem foi nunca mais voltou... Sei que a gente mal teve tempo de respirar, quando a gente percebeu, provavelmente não tinha mais como voltar.

É... Estamos dançando na forca, sobre a cadeira...

Acreditamos no "ser feliz a vida inteira" e nos jogamos de um prédio alto sem pensar no chão...

Troquei aquela música sentindo meu coração se quebrar. Quero sair da ilusão. Da ilusão de que está tudo bem com a gente. NÃO ESTÁ TUDO BEM. NADA BEM! Mas eu não consigo... Antes a certeza que machuca, do que a dúvida que regaça.

Assim que cheguei no meu andar, vi Amanda no celular. Não queria, mas escutei um pouco da sua conversa.

- Ela ainda não chegou gatinha... - Ela ri. - Ah, quer me ver hoje? Só marcar a hora... Realmente, ontem foi muito gostoso! Cê fode bem pra caralho. Quero replay... Meu Deus...

- Bom dia, Amanda! - Cortei sua fala, meio mal humorada.

- Preciso desligar gatinha. Beijos. Até mais tarde! - Ela desligou. - Bom dia, Marília.

Peguei a planilha e sai sem falar nada.

O Leilão | Mailila Onde histórias criam vida. Descubra agora