Capítulo 1 - parte 1 (rascunho)

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"E aqueles que por obras valorosas
Se vão da lei da morte libertando:
Cantando espalharei por toda a parte,
Se a tanto me ajudar o engenho e arte."

Luís Vaz de Camões (Lusíadas).

– T menos trinta minutos – disse a voz monótona do computador de controle de partida.

– Iniciar diagnósticos – ordenou o controlador de terra. – Tenente-coronel Polanski, o controle é seu.

– Polanski confirma – respondeu a tenente-coronel com a sua tradicional firmeza. – Equipe de prontidão. Tripulação, passar cheklist.

– Pilotagem em ordem, sistemas online – disse o primeiro piloto, capitão Faria. – Comandos no verde.

Faria era da equipe operacional o mais velho e experiente elemento. Tratava-se de um homem bonachão com os seus cinquenta anos que não aparentava a idade em absoluto. Era, além de piloto, físico e matemático, um dos primeiros elementos destacados para a missão, possuindo personalidade forte e sendo bastante independente. Ele e Polanski já estavam entrosados como equipe há mais de oito anos, quando tudo começou.

– Engenharia no verde, senhora – anunciou o engenheiro chefe major Paulo Assunção. Apesar de ser um elemento-chave no projeto, foi selecionado para a missão apenas nos últimos dias antes do lançamento, mas também era parte da equipe desde o início do projeto. – Da próxima vez, os meus propulsores sairão sem necessidade de impulso.

– Espero que sim, Major. – Polanski sorriu-lhe. Assunção, entre outras coisas, era engenheiro nuclear e físico.

– Engenharia secundária pronta – disse Pablo González, um civil uruguaio, falando com um sotaque razoável e que fazia parte da equipe de integração da primeira missão espacial latino-americana. – Foguetes impulsores preparados no verde.

– Navegação no verde – respondeu Ana Silva, também civil, uma brilhante astrofísica. – Computadores online e rotas calculadas.

– Comunicações prontas – informou o Tenente Juan Ricco. Apesar do nome e da origem argentina, era naturalizado e oficial da força aérea. Como linguista, falava diversos idiomas sem sotaque e era um verdadeiro apaixonado por música.

– Equipe científica acomodada e preparada – disse o líder do grupo, quase todos civis.

– Posto médico no verde. Sistemas de sustentação de vida em ordem, sistemas auxiliares em standby, câmaras de preservação conferidas, operacionais e prontas para uso.

– Não me agrada nada esse negócio de ir dormir alguns meses nessas câmaras, tchê – resmungou Faria. – Uma falha e nós viramos lenda. Onde já se viu confiar assim em computadores...

– Nós já somos lenda, seu velho resmungão – brincou o Major Paulo, interrompendo com uma risada. – Somos os primeiros brasileiros a levar uma nave própria para o espaço e, ainda por cima, com tantas inovações que vamos deixar todos os outros para trás. Essas câmeras são usadas pelos americanos, russos e ingleses há mais de trinta anos, desde 2034. Então, pare de reclamar.

A resposta veio sob a forma de um resmungo dissimulando um palavrão e todos riram. Apesar da hierarquia militar, era uma equipe muito entrosada e consideravam-se amigos.

– T menos vinte minutos – informou o computador.

– Atenção para equipe de terra – disse Polanski. – Todos os sistemas no verde. O nosso pássaro verde e amarelo está pronto para partir.

– Confirmado, Tenente-coronel – respondeu o operador. – Efetuando teste com os links da Terra e espaço. Ajustar e lacrar capacetes em T menos cinco.

Em silêncio as enormes portas da nave foram fechadas e a tripulação ficou isolada do mundo. Sem parar, cada um cuidava das suas tarefas primordiais, verificando de forma ininterrupta o estado dos equipamentos das respectivas responsabilidades. Qualquer deles sabia muito bem que a vida de todos dependia do perfeito funcionamento de cada pedaço daquela nave.

– T menos trinta – disse o computador. – Contagem continua. Vinte e oito... vinte e sete...

Enquanto as entranhas da nave começavam a vibrar e a despertar para a vida com o aquecimento dos gigantescos propulsores que eram semelhantes aos usados nos antigos ônibus espaciais, Luísa Polanski, a Tenente-coronel Luísa Polanski e comandante da mais importante missão espacial que o Brasil já teve começou a pensar que naquele momento era tudo para valer. Olhou para a janela que apontava para o céu matutino. Debaixo dela, muitos metros para baixo, estava o solo brasileiro, um pedaço do belo estado do Maranhão, a velha base de lançamentos de Alcântara. Nos últimos vinte anos, ela tinha sofrido uma grande ampliação, em especial quando o projeto Júpiter-Brasil teve início graças a uma descoberta de três cientistas brasileiros alguns anos antes.

Só que, naquele momento, as coisas eram para valer. Eles estavam indo para Júpiter e não se tratava mais de um dos inúmeros testes e simulações que ela chefiou. Agora, ou ia, ou... ou então era melhor nem pensar nisso.

– Dez... nove...

Sem perder a atenção a nada, os seus pensamentos levaram-na para o passado recente, quando foi destacada para a missão da sua vida, uns oito anos antes...

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Estação Júpiter 80Onde histórias criam vida. Descubra agora