Capítulo 2 - parte 1 (rascunho)

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"Ah o amor... que nasce não sei onde, vem não sei como, e dói não sei porquê."

Luís de Camões.

Março de 2056.

A major Luísa Polanski caminhava tranquila pela base aérea de Canoas. Aquele fim de verão demasiado forte deixava o clima bastante quente e o sol forte, no piso de concreto, tornava a atmosfera ainda mais pesada, mas ela não se incomodava nada com isso. Tinha acabado de deixar o seu jato no hangar aos cuidados de um dos mecânicos e isso não lhe agradava muito, mas era necessário, uma vez que recebera ordens para pousar o quanto antes e encontrar o comandante da base com urgência. O que ela faria em uma situação normal era acompanhar tudo o que era feito com o seu avião, pois morria de ciúmes dele. Antes de sair, inclusive, ela sempre fazia um carinho na fuselagem e depois retirava-se. Daquela vez, teve que se contentar com a carícia e uma ameaça ao responsável se algo acontecesse com o seu precioso jato. O mecânico sorriu porque já a conhecia muito bem. A seguir, ficou olhando a linda oficial sair do hangar até desaparecer de vista.

Luísa não perdeu tempo e acelerou o passo para o pequeno edifício administrativo, sentindo com prazer a atmosfera quase gelada do ar-condicionado. Fez um aceno desleixado para o soldado na recepção e subiu direto para o piso de cima. Na porta do coronel havia mais um soldado que, ao vê-la, ficou em posição de sentido. Ela sorriu-lhe e mandou-o ficar à vontade. Como era seu hábito, bateu de leve na porta e entrou sem esperar, já que era aguardada.

Espantada, notou que o coronel tinha uma visita e, assim que viu a insígnia, pôs-se em posição de sentido no mesmo ato.

– Boa tarde, meu Coronel – disse, lacônica. – Mandou me chamar?

– À vontade, Major Polanski – respondeu o Coronel, bonachão, fazendo um gesto gentil. Era um homem dos seus cinquenta anos e muito agradável. – Este é o Tenente-brigadeiro, Josué Santos. Aproxima-te e senta-te aqui que desejamos falar contigo.

Luísa sorriu e sentou na cadeira oferecida. Dessa vez quem falou foi o Tenente-brigadeiro. Ele tinha a voz grave e retumbante, mas o que a moça se perguntava mesmo era o que ele, o cargo mais elevado da força aérea sem ser em tempos de guerra, desejava de si, uma simples major do extremo sul do país. Bem, ela não era uma "simples major" mas também não justificaria todo aquele trabalho.

– Major Polanski – principiou, mostrando logo o seu sotaque carioca no "r" e no "s". – A senhorita nos foi muito bem recomendada não só pelo seu coronel, mas também pelos seus feitos em serviço que, diga-se de passagem, ninguém ainda conseguiu superar e muito poucos já alcançaram... ou talvez mesmo nenhum outro em todo o mundo.

– Bem, senhor – disse ela, aproveitando uma pausa breve. – Eu faço a minha parte, mas estou certa de que há outros com as mesmas capacidades.

– Não de acordo com o banco de dados central e temos muito orgulho da senhorita, Major – contradisse o visitante. – A senhorita já ouviu falar no projeto Júpiter-Brasil?

Luísa Polanski até arregalou os olhos quando escutou aquelas palavras. Era algo que se ouvia apenas a portas fechadas, passado em sussurros e do qual quase ninguém sabia grande coisa porque havia uma enorme aura de mistério. E, se ela foi chamada por tamanha autoridade que, além do mais, mencionou o projeto com tamanha naturalidade, só poderia haver uma grande verdade em todos aqueles boatos e ela estaria a par de um dos maiores segredos do país e em algo que sempre quis: o espaço.

– Então, Major?

– Desculpe, senhor – explicou-se, ao se dar conta de que ficou tempo demais em silêncio –, é que fiquei muito surpresa. Bem, o projeto Júpiter é uma join-venture mundial que está construindo uma estação espacial gigantesca na órbita de Júpiter há alguns anos. Um dos principais objetivos é desenvolver a criar a primeira nave interestelar da humanidade, em conjunto. Quanto ao projeto Júpiter-Brasil, o que sei é que alguma descoberta recente de um cientista brasileiro proporcionará a nossa entrada nesse conglomerado ainda por cima em posição de destaque. Esses boatos surgiram por aqui há cerca de um mês, mas eu começo a acreditar que não há nada de boato nisso, do contrário o senhor não se daria ao trabalho de vir de tão longe para far comigo. Só não entendo onde me encaixo nisso.

– Eu não lhe disse, Brigadeiro? – questionou o coronel Fagundes, rindo. Olhou para a piloto e continuou. – Exatamente isso, Major Polanski. Trata-se de um grande segredo nosso e esperamos lançar para daqui a, no máximo dez anos, uma espaçonave de grande porte como nunca foi antes vista no nosso mundo. Uma viagem daqui até Júpiter, mesmo em situação desfavorável, será efetuada em um terço do tempo das americanas ou muito menos.

– Mas isso é fantástico, senhor – comentou Luísa, de olhos brilhantes. – Seria como entrar no roll das potências espaciais com o pé direito!

– Exatamente, Major – disse o tenente-brigadeiro. – Mais até do que isso, mas são coisas para os políticos, coisas que não nos interessam ou deviam não interessar.

– Queira me desculpar, senhor – questionou Polanski –, mas ainda não entendo onde eu me encaixo nisso tudo para que estejam me revelando tamanho segredo?

– Entramos na empreitada em conjunto com alguns países vizinhos, mas o projeto é, na verdade, nosso e estamos reunindo a equipe que constituirá a tripulação da nave totalmente brasileira que nos levará para o espaço. Precisamos de gente jovem e que deseje "casar" com o projeto. A nave só será lançada em oito ou dez anos, mas as equipes serão convocadas desde já. Precisamos de todo tipo de especialistas e nós é que gerenciaremos o projeto. O seu nome foi o que mais se destacou por causa da sua ficha e das suas capacidades.

– Minhas capacidades?! – espantou-se ela. – Mas eu não tenho formação científica especializada, exceto pela matemática...

– Major, nem tudo pode ser feito por cientistas. A senhorita tem os reflexos mais velozes medidos até hoje e o seu dom de liderança é inquestionável. O computador simplesmente não encontrou outro nome que se equivalesse a si. Você foi selecionada para ser um dos potenciais e mais prováveis comandantes da missão.

– Isso... isso me deixa lisonjeada, senhor, gaguejou ela...

– Como eu disse, precisamos de gente jovem e engajada, comprometida. Além de oito a dez anos de treinos exaustivos, teremos uma viagem no espaço que manterá a equipe por bastante tempo fora da Terra; talvez de cinco a dez anos. Por isso, um dos pré-requisitos também é não ter vínculos fortes e todos devem ser solteiros, de preferência. Para alguns, isso pode ser pior do que ir para a prisão.

– Por isso – emendou o coronel –, estamos selecionando a equipe com base em voluntários. Ninguém será escalado involuntariamente. Queremos que pense nisso e amanhã nos dê uma resposta, Major. Caso aceite a missão, terá vinte dias para acertar a sua vida pessoal e, depois, será transferida para a primeira etapa do projeto, no ITA em São José dos Campos. Lá, terá o contato inicial com as pesquisas e alguns futuros companheiros, em especial o sujeito que tornou o projeto viável.

Com os olhos brilhando, Luísa olhou para o relógio. Virou-se para os oficiais superiores e afirmou, lacônica:

– Bem, nesse caso, vou agora para Porto Alegre resolver a minha vida o quanto antes. – Após, perguntou. – E onde eu devo me apresentar daqui a vinte dias?

– Esteja nesta base às seis horas no dia vinte e dois usando trajes comuns – respondeu o tenente-brigadeiro, com um sorriso no rosto. – Um transporte levará a senhorita e alguns cientistas para o seu destino.

– Nesse caso, se me permitem, peço para me retirar que terei de fazer bastantes coisas até lá.

– Dispensada, Major. – Quando Luísa ia sair, o coronel acrescentou, erguendo a voz. – Obrigado por aceitar, Polanski.

– Ora, senhor – disse ela, feliz e prestando continência. – Isso é tudo o que eu sempre desejei!

Virou-se e saiu porta fora. No estacionamento sentou-se no carro e parou, pensativa. Aquilo era a maior oportunidade da sua vida; o espaço, tudo o que sempre desejou e gostou. Ela não seria o primeiro brasileiro a ir para o espaço, mas seria a primeira mulher brasileira na primeira nave brasileira, sem falar que o máximo que os astronautas brasileiros tinham ido era a velha estação internacional em órbita da Terra. Nem mesmo para a base de pesquisas na Lua o Brasil alcançou. Respirou fundo para se acalmar e foi para casa.

Depois, passaria nos pais e irmãos, mas antes precisava de colocar os pés no chão e assimilar muito bem tudo o que lhe aconteceu. O seu espírito, dono de uma curiosidade insaciável, não conseguia parar de pensar que grande mistério seria esse projeto ultrassecreto a ponto de fazer os altos escalões pensarem que o Brasil iria para o topo da lista dos países exploradores do espaço.

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ITA – Instituto Tecnológico da Aeronáutica. N. A.

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