Capítulo 6 - parte 5 (rascunho)

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Ele burlara a programação da câmara para acordar uma hora após os riscos terem passado, desviando-a dos sistemas principais da espaçonave. Deu-se ao trabalho de invadir alguns computadores com bastante maestria e sentia-se muito seguro. Apesar de não haver mais ninguém acordado, teve o cuidado de desativar a iluminação automática daquele corredor e da sala, aproveitando os óculos de visão noturna que portava, isso para o caso de haver câmeras de segurança, coisa que tinha um alto grau de probabilidade, em especial se algo desse errado. Precisava de alcançar o hangar secreto e roubar um dos caças. Essa era a sua função desde o início. Ele ria sozinho ao imaginar o que a tenente-coronel diria quando descobrisse que o seu segredinho não era tão secreto assim.

Olhou para a caixa enorme no centro do depósito e ignorou-a por completo, aproximando-se da porta oculta. Quando a encontrou sorriu ainda mais satisfeito. Colocou a mão no painel ao lado e pressionou. Como esperado, a placa deslocou-se para cima e o espião ficou frustrado ao descobrir que não seria nada fácil abrir a passagem porque o controle de segurança era triplo. Usava sensor por íris, digital e uma senha comum de teclado, senha essa alfanumérica.

Não segurou uma pequena praga quando, para sua grande surpresa, a luz foi acesa, provocando uma dor intensa nos olhos. Deu um salto enorme, involuntário, e arrancou os óculos às pressas, virando-se bem assustado porque achava que todos estariam hibernados, já que ouviu a reunião. Teve alguma dificuldade em focar os olhos, mas não tardou a reconhecer a pessoa que lhe deu tamanho susto.

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– Tu?! – berrou a tenente-coronel, espantada. – Como entraste nesta nave, seu diabo?

Olhava para a pessoa que menos esperava e sentia-se desorientada. Em questão de segundos concluiu que só poderia ter tido alguma ajuda para estar ali.

– Vamos, fala – insistiu, aproximando-se muito zangada e sem qualquer temor dele. – Como entraste na nave e como sobreviveste à aceleração brutal sem morreres esmagado?

– Simples, minha linda – respondeu o intruso, debochado –, eu tinha uma câmara de sustentação oculta.

– O que pretendes ganhar traindo o teu país, Marques? – perguntou, olhando para o major, furiosa. – A esta hora o coronel já deve saber de ti e serás preso. Eu não quero estar na tua pele quando fores levado a julgamento.

– Mas quem disse que serei levado a julgamento? – perguntou ele, rindo em completo deboche. – Eu vou pegar uma daquelas navezinhas e descer no leste europeu para pegar o meu mui generoso pagamento enquanto a nave de vocês vai explodir sem explicação, claro. Por um momento, pensei que não teria sucesso e estava condenado; mas, como sempre, você fez jus à sua bem-merecida fama e salvou a nave na decolagem. De certa forma, eu devo-lhe a minha vida.

– Por que motivo estás fazendo isso? – perguntou ela, agora a menos de dois metros e pronta para agir. – Eu tinha certeza que não eras confiável, Marques, tanta que nunca te aceitei como tripulante. Como comandante da missão eu te dou voz de prisão.

Ela pegou as algemas e deu mais um passo, mas viu-se de frente ao cano de uma pistola.

– Calminha aí, mocinha. Você fez uma pergunta bem tola, né. É óbvio que eu faço isso por dinheiro e poder. – Apontou para a porta oculta. – Poder é uma coisa muito forte, meu amor. Agora abra a escotilha e nada lhe acontecerá.

– Eu não sou teu amor, seu diabo – gritou ela, irada.

Marques ergueu mais a arma e ameaçou, daquela vez sem rir, nem mesmo o sorriso cínico que vinha exibindo:

– Não faça nada que vá se arrepender, menina, e trate de abrir a escotilha.

– Não será possível sem o quarto fator de segurança – disse ela, encolhendo os ombros. – Além do mais, se me matares, tu ficas a ver navios.

– Que quarto fator? – perguntou, espantado.

– O comando de voz – respondeu, fazendo uma careta. – Acontece que, por segurança, o comando de voz é com a voz do capitão Faria e ele está pra lá de hibernado e só será acordado daqui a quinze dias para a troca de turno.

– Então vamos acordá-lo – decidiu o clandestino. – Vamos, toca pra cabine.

Luísa virou-se com destreza, mas, ao contrário do major desertor, tinha um bom treino em baixa gravidade. Ágil como um gato, ela virou o pé e chutou a arma dele que voou para longe. Quando o movimento do pé terminou, apoiando-se no chão, o outro já estava a caminho do seu rosto, terminando um giro amplo que a fez colocar as mãos no chão enquanto virava o pé para lhe pregar uma rasteira. Foi tão rápido que Marques, desamparado, caiu no chão e ela aproximou-se por cima dando-lhe dois fortes socos e uma chave de braço de forma a algemá-lo.

A comandante, contudo, cometeu o grave erro de subestimar a capacidade do major e levou um forte soco que a deixou tonta. Ele pegou-a pelo pescoço e atirou para trás enquanto recuava e tentava secar o nariz que sangrava muito, ganhando tempo para passar a tontura porque Luísa deixou-o muito atordoado. Para azar da Polanski ele foi parar bem ao lado da arma e só precisou de estender a mão e empunhá-la antes que a tenente-coronel continuasse o seu ataque. Com isso, Luísa parou quieta. Ela avaliou a situação e concluiu que cometeu o erro de deixar as emoções sobrepujarem-se à razão, fazendo com que subestimasse o adversário. Teve um sobressalto quando ouviu o tiro e sentiu que estava tudo acabado, fechando os olhos. Foi com surpresa que descobriu que ele errara o alvo, achando isso muito estranho em uma distância tao curta. Abriu os olhos ao mesmo tempo que o segundo tiro fê-la olhar para o lado e viu Paulo com uma pistola apontada para Marques. Voltou a olhar o intruso e viu que ele caía, soltando a arma.

– Não o mates – gritou ela ao ver que ele ia dar o terceiro tiro.

– Eu devia matá-lo – resmungou, contrariado e com o olhar tão furioso que até dava medo. – Ele atreveu-se a te agredir.

– Não interessa, amor – insistiu a esposa. – Esse cara fez alguma sabotagem violenta na nave e temos que descobrir. Ele disse que ia roubar o caça e nós explodiríamos.

Luísa abaixou-se e pegou a arma do chão, algemando-o a seguir. Depois, sem consideração nenhuma, Paulo pegou-o pelo cangote e arrastou para o corredor. Na escotilha, parou e verificou o estado dele, mas sabia que os dois primeiros tiros foram apenas para neutralizar. Um na mão e outro no ombro, de modo a não poder segurar a arma.

– Amor, leva-o para a ponte que já vou – disse a moça, preocupada com a situação. – Não precisa ser delicado, mas deixa ele vivo.

– Vamos, seu canalha, levanta.

– Vá se ferrar – resmungou Marques, furioso por ter sido derrotado.

Sem perdoar, Paulo pegou-o pelo cangote e forçou a levantar enquanto lhe deu um soco tão forte que o sujeito voou alguns metros por causa da baixa gravidade. Deu um salto e agarrou-o de novo, dando-lhe outro bem violento no estômago e obrigando-o a se curvar com um gemido.

– Isso foi por tocar na minha mulher, seu bosta – disse, ameaçando um chute. – Agora toca a andar ou vai apanhar mais, muito mais. Vocês têm a mania idiota de subestimar os cientistas. Eis o resultado. Vamos, toca a andar que não vou repetir. Você pode escolher ir nas próprias pernas ou no soco e chute durante mais de cinquenta metros. Prometo que vou quebrar todos os seus dentes e costelas.

Vencido, Marques começou a andar na frente do major que lhe dava alguns empurrões eventuais. Enquanto isso, Luísa verificava tudo, em especial a segurança do hangar secreto, e ativava as máquinas robotizadas de limpeza por causa do sangue no chão. Deixou-as trabalhando, uma vez que eram automáticas, e seguiu para a ponte de comando.

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Estação Júpiter 80Onde histórias criam vida. Descubra agora