Capítulo 2 - parte 4 (rascunho)

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A semana correu normal apesar da grande quantidade de novidades. Os cientistas e especialistas atiraram-se ao trabalho enquanto a major preparava as equipes titulares e reservas que iriam para o espaço. A primeira providência que tomou foi conhecer cada membro do grupo, convocando uma reunião individual para uma conversa franca e descontraída. A coisa era mais fácil com os civis do que com os militares porque vários deles não conseguiam ficar à vontade com uma mulher de beleza desconcertante só que sua superiora, o que os obrigava a serem formais em excesso, fosse por medo ou para criar uma distância respeitosa.

Devido à grande quantidade de inovações, muitos dos futuros tripulantes deveriam ser especialistas, tal como o capitão Faria, por exemplo, oficial em que ela encontrou um valioso auxiliar, mas que precisava de o repartir com o major Assunção, uma vez que, prioritariamente, era da equipe científica. Contudo, ela levava muito a sério as conversas que tinha e as sugestões que recebia do Antônio. A garota começou a planejar o programa preparatório cujo objetivo principal era mais um entrosamento deles e início de condicionamento físico, visto que os treinamentos principais, em especial os físicos e de resistência, seriam na base de lançamento.

De manhã bem cedo e em especial por força do hábito, Polanski costumava sair para correr pelo campus que tinha uma excelente estrutura para esportes. Com frequência, encontrava Faria fazendo o mesmo, momento em que aproveitavam para trocar ideias e conversarem um pouco, discutindo assuntos do projeto ou alguns assuntos banais para relaxar. Naquela sexta-feira, enquanto corriam, ele disse:

– Sabe, Major, estou sentindo muita falta do meu avião. Acho que nunca fiquei tanto tempo longe dele!

– Eu também – respondeu Luísa, com um suspiro. – Desde que comecei a voar também não me lembro de ter ficado tanto tempo sem subir. Quase três semanas.

– Temos uma base aérea aqui perto – arrematou ele. – Será que o coronel Fagundes não autorizaria requisitarmos dois aviões para testes e treino.

Luísa franziu o cenho, pensativa:

– A ideia até que é muito boa e podemos fazer testes de zero g com alguns candidatos. Pensarei no assunto.

– Seria maravilhoso, Major – respondeu Faria, virando-se para sair. – A gente se vê mais tarde.

– Capitão – disse a garota, fazendo-o dar meia volta. – Ainda está disposto a me pagar aquela cerveja? Hoje é sexta e isto aqui está muito parado.

– Sempre, Major, será um grande prazer que me dá. – Faria riu e piscou o olho. – Nós pilotos temos que espantar o tédio de todas as formas.

― ☼ ―

Na mesa do bar, Faria olhava aquele rosto de anjo e ficava imaginando como ela poderia ser tão intrépida parecendo uma mulher frágil ao mesmo tempo. Ele sabia, contudo, que ela nada tinha de delicada porque já a vira treinando luta. Sem se aguentar mais, perguntou-lhe:

– Major, posso fazer uma pergunta pessoal?

– Depende – respondeu ela, rindo.

– Naquele dia do acidente, lá nos Estates, o que foi que a senhora sentiu naquela hora?

Luísa riu alto e olhou para ele, sacudindo a cabeça.

– Pensei um monte de coisa – respondeu ela. – Na verdade, eu tava toda cagada de medo. Estava ali, mergulhando para a morte, tentando salvar um completo desconhecido e um monte de gente que olhava o show e nem mesmo entendia que estava prestes e virar churrasco. Mas confesso que isso foi só no início. Depois, eu apenas pensava em dominar os aparelhos. O pior foi que o piloto não entendia nada do que eu falava porque o meu inglês é meio fraco; bastante, na verdade.

– E como se comunicaram?

– Ele estava desesperado e soltou um baita palavrão em polonês. Daí eu descobri que ele era de origem polonesa e eu aprendi a falar polonês antes mesmo de português. Depois que saímos das aeronaves, o coitado só faltou beijar os meus pés.

– Bah, como queria ter visto isso – disse Faria, rindo. – Nunca amaldiçoei tanto uma doença como dessa vez.

– O que aconteceu?

– Peguei uma pneumonia – respondeu. – Um descuido que acabou me custando caro. Sabe, tava lembrando a bronca que a senhora deu no major Assunção. Acho que pegou pesado porque ele até que é um sujeito legal.

– Verdade, eu peguei sim – confirmou Luísa, tranquila. – É que esse machismo toda hora satura um pouco. Mas, pelos teus murmúrios, acho que foi bem divertido.

– A senhora ouviu o que eu disse? – perguntou, enrubescendo um pouco.

– Escuto muito bem, Capitão. Faz parte do "pacote maravilhoso" – respondeu, debochada.

Sem se aguentar, Faria caiu na risada.

– Desculpe, Major, mas isso é a mais pura verdade. Só mesmo um idiota não concordaria comigo.

Luísa abanou a cabeça, sorriu e tomou um gole da cerveja.

– De qualquer modo – continuou o capitão –, a senhora deve ter começado muito cedo porque, de certa forma, o major tinha razão sobre a sua idade. Quando a vi, dei-lhe apenas uns vinte e dois... no máximo; mas, com posto de major e duas faculdades, deve ser um bocado a mais.

– Na verdade, eu tenho vinte e sete anos, quase vinte e oito, embora pareça muito menos – respondeu ela, olhando para o capitão e encolhendo os ombros. – Mas sim, comecei muito cedo. Ingressei no colégio militar ainda no ensino fundamental e depois fui para a força aérea. As minhas duas faculdades foram proporcionadas por isso e eu tive muita facilidade de me adaptar à vida militar. É verdade que não é comum ver um major da minha idade, mas li a ficha do Paulo Assunção e ele tem apenas vinte e nove anos. Em outras palavras, é quase tão novo para o cargo quanto eu, o que não justificava aquela atitude.

– E quando começou a pilotar?

– Comecei bem cedo, mas eu já sabia voar antes disso porque meu pai tinha brevê e me ensinou lá pelos meus oito anos. Eu amava voar e nasci com o dom. Tirei o brevê mal alcancei a idade mínima. Por conta disso, para chegar em um caça da FAB, foi mole. E tu?

– Eu fui mais normal – respondeu o capitão, rindo. – Aprendi a pilotar na força aérea e foi amor à primeira vista. Já a minha faculdade foi a mesma coisa que a senhora e devo isso ao meu país...

O par divertiu-se bebendo e conversando sobre aviões e manobras, chegando tarde da noite aos alojamentos e bastante altos, mas relaxados e alegres.

― ☼ ―

Luísa acordou descansada, apesar de um pequeno mal-estar por conta do abuso da noite anterior. A primeira coisa que notou foi que estava nua e a segunda foi que alguém dormia ao seu lado, virando o rosto e vendo o capitão Faria.

Isso fê-la lembrar-se do resto da noite e sorriu porque foi de fato muito agradável e relaxante. Levantou-se com cuidado para não acordar o capitão e foi tomar um banho rápido.

Quando saiu do sanitário, ele estava desperto, sentado na cama e se vestindo.

– Bom dia – disse para a superiora, com um sorriso. – Acho que abusamos um pouco, ontem.

– É verdade, Capitão, mas até que foi bem-bom. Foi maravilhoso, na verdade, mas não vá ficar convencido.

– Com certeza que foi, Major.

Faria riu, sacudindo a cabeça.

– De qualquer forma – continuou a garota. – Vamos deixar as coisas assim como estão. Foi uma noite ótima para ambos, só que não devemos entrar em relacionamentos.

– Claro, Major – respondeu ele, levantando-se. – Eu entendo e penso o mesmo. Bem, eu vou para o meu quarto trocar de roupa para correr de modo a curar esta pequena ressaca. Quer me acompanhar?

– Eu já estou vestida para isso, Capitão – comentou, apontando para o próprio corpo. – Se apresse.

– Pois é – disse ele levantando-se. – Essas suas roupas não ajudam muito.

Deu uma risada e saiu.

― ☼ ―

Zero G – Gravidade zero. Simular a ausência de gravidade.

Estação Júpiter 80Onde histórias criam vida. Descubra agora