Capítulo 53 - Solidão

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A respiração de Amadeo é pesada, como se ele estivesse sufocando. Com os cotovelos apoiados nos joelhos, ele lê, mais uma vez:

"Relatório Oficial 6571FV – Unidade Distrital da Cidade da Meia-Noite, Rep. Albam

Relator: Melissa Hyde Parmont – Secundus-Ordinis Major Ranger

Tema: Relatório final de atividades dos membros de Unidade de Combate Avançado – Mooya Musonda e Gamila Kissa, Prima-Ordinis Majores Paladino e Ranger, respectivamente – em missão na Cidade da Meia-Noite, por pedido emitido pela Unidade Distrital correspondente.

Histórico: Missão original referente à aparição de Fabulares Ameaça grau 3. Situação fora adequadamente controlada, sem casualidades fatais em atividades descritas em relatórios prévios. Após expansão de período permanência de referidos membros, as atividades de investigação tiveram continuidade.

Evolução: Durante missão de reconhecimento das regiões adjacentes à Cidade, ambos os Majores foram mortos. Na missão de resgate, dois membros da Unidade Distrital morreram em combate. Por orientação de superiores da Unidade Executiva, após tais baixas, as atividades da Unidade de Combate Avançado foram suspensas indefinidamente na Cidade da Meia-Noite e a Sacerdotisa-chefe da Unidade Distrital foi afastada de seu cargo e substituída.

Conclusão: Nenhuma informação relevante foi identificada com relação ao caso, o qual foi considerado encerrado, pois, no período descrito, não ocorreram novos ataques espontâneos ou qualquer manifestação civil. A Cidade da Meia-Noite segue com estabilidade e aguarda intervenção da Unidade de Relações Internacionais."

Amadeo ignora o resto do texto.

"Mal fez uma semana que voltamos...", ele pensa, nauseado. Suas lágrimas são feitas de tristeza, medo e raiva. Uma raiva ardente e dolorosa. Não há detalhes sobre a causa de morte. Aquele documento maldito nem sequer informa quem foram os demais que morreram! Será que Phil...? Amadeo range os dentes e esfrega os cabelos vigorosamente para afastar o pensamento de uma criança órfã.

"Tem alguma coisa errada aqui...!" ele pensa. Na verdade, está tudo errado. Não há sequer justificativas para a interrupção da missão. Mooya e Gamila morreram à toa? Por quê?!

Ele se lembra do que Arthur disse, antes de ele roubar o relatório e fugir para o quarto:

_ Eu entendo como você se sente, Amadeo, mas é melhor não se envolver mais nisso. Ionani também. Por bem ou por mal, vocês ainda são Parvus. Seria péssimo se envolverem em uma confusão por causa de um relatório malfeito. _ Ele suspirou _ Vou fazer o que eu puder para obtermos mais detalhes. Eu... realmente sinto muito.

Ele fecha o punho. O papel quase rasga.


O dia amanhece ensolarado como de costume e Katia recebe uma lista de tarefas assim que deixa o quarto. Naquela semana, ela estava responsável pelas compras e inventário; um grande alívio, já que ela detesta as tarefas de limpeza. "Será que eu consigo convencer Johan a trocar comigo na semana que vem?", ela pensa, enquanto leva caixas de um lado para o outro. Seus pés leves não fazem qualquer ruído.

Ela avança pelos corredores, distraída com os próprios pensamentos. Porém, é interrompida por vozes em calorosa discussão. Ela hesita. É uma grosseria muito grande ouvir a conversa de outras pessoas, mas aquele é o único corredor que leva até a cozinha! Reconsiderando suas várias possibilidades, ela se surpreende com a voz de Arthur Savill:

_ O que quer dizer? Demitido...?

"Como assim...?", ela pensa, avançando inconscientemente na direção das vozes. Entretanto, ela não consegue distinguir a réplica.

_ Eu não posso aceitar isso! _ Novamente Arthur exclama.

Katia sente um arrepio e foge, levando a caixa na direção oposta a seu destino. Ela se remói de culpa por ter espionado o próprio chefe e de remorso pela informação terrível que recebeu. Sua mente hiperativa busca explicações e ela conclui que provavelmente foi decisão de Eloah Fortescue que visitou há pouco tempo.

Ela para em um dos corredores vazios e recosta na parede. Com a caixa pesada escorregando lentamente de seus dedos delgados, ela encolhe os ombros. "Todos estão passando por coisas tão difíceis, o tempo todo. Eu só consigo imaginar", ela pensa, voltando os olhos para baixo. "Eu deveria ser menos egoísta e ser... mais forte... pra ajudar os outros. Todos estão sofrendo tanto... Eu queria poder fazer alguma coisa", ela sente um peso empático no peito. Não é à toa que seu traço mais poderoso como Venificus é a capacidade de se conectar aos outros. "Eu só fico reclamando do Joshue... como se fosse culpa dele", conclui.

_ Heh, que besteira.

Ela suspira.


Na capital do Império Nigrum, Sarauniya, a sede da Unidade Executiva da Ecclesia divide o edifício antigo com a prefeitura. O castelo dourado e branco mistura elementos cônicos e cúbicos, com torres que se unem para formar grandes muralhas. Ao lado da construção, um grande terreno vazio destoa do restante da cidade, com seu chão de terra batida e queimada.

Em uma das salas de reunião, em cuja porta lê-se "Coordenação – Minori", uma mulher olha através da janela, como se seus olhos presenciassem cenas infinitamente distantes. Ela apoia o queixo no braço direito.

De repente, sua mão esquerda percute a mesa e ela se sobressalta. Ela volta os olhos aos papéis espalhados: Várias fichas de inscrição de jovens com não mais de 16 anos que desejam se tornar Minoris. Tantos futuros reunidos em um amontoado de papel. Ela morde os lábios marrons rosados. Sua pele negra contrasta com a madeira amarelada da mesa, enquanto ela fita a mão envolva por ataduras...

Sua expressão revela uma mistura de dor e saudades.

Ela não escuta o ranger da porta, pois seus pensamentos estão tomados por memórias.

_ Shina? _ Uma voz feminina ecoa, enquanto a pessoa entra na sala _ Shina Busia!

Finalmente, Shina recobra os sentidos. Ela esconde ambas as mãos embaixo da mesa e se volta à visitante, dizendo em tom suspiroso:

_ Eloah...

_ Shina, boa tarde.

Eloah se aproxima, com um vestido completamente branco e o cabelo razoavelmente desalinhado. É possível ver as marcas vermelhas das tiras de sua armadura nos ombros dela. Eloah se senta ao lado da outra e diz:

_ Precisamos conversar, Shina. _ Ela baixa o tom de voz _ Sobre nosso combinado...

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