Capítulo 55 - Garota

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Com o envelope dourado em mãos, Johan espera alguém busca-lo no local de encontro descrito na carta. A multidão conversa alegremente ao seu redor, enquanto ele tenta se lembrar se trancou a porta do quarto, depois de ter organizado suas coisas.

De repente, seus pensamentos confusos são interrompidos por uma mulher de olhos afilados com um vestido branco. Ela o cumprimenta, séria, e diz:

_ Sra. Busia me enviou para busca-lo. Por favor, venha comigo.

Johan não questiona e acompanha o mulher. Enquanto seguem pelos corredores do edifício Norte, ele sente o peso avassalador dos olhares que pendem sobre seus ombros. Na feira, todos fitavam apenas Amadeo, mas, ali, o centro das atenções era ele. O desconforto se acumula progressivamente.

Após uma longa caminhada, eles chegam a uma sala de reuniões com portas corrediças. Ela bate e espera alguns instantes. "Entre", uma voz feminina responde com um tom imponente. A porta desliza revelando o interior da sala...

"Ah", Johan e Amadeo pensam simultaneamente quando seus olhares colidem.

Entretanto, a expressão amedrontadora de Eloah o faz vacilar. Lentamente, uma linda mulher, de vestes tão negras quanto sua pele, se levanta sorrindo. A moça do vestido branco se curva diante das autoridades, mas Johan permanece congelado pela mira estoica da loira. "ELE É DISFUNCIONAL!!", Amadeo pensa ao mesmo tempo que lança um pequeno feitiço: Um minúsculo anzol translúcido, ligado a um fio quase invisível. Ele usa a artimanha para puxar o tronco de Johan para baixo, forçando-o a se curvar com uma pessoa decente. Eloah percebe.

_ Bem, creio que esta seja nossa deixa. _ Eloah diz, rompendo o silêncio _ Agradeço novamente pelo seu tempo, Godeve. Como sempre, é uma honra. _ Ela faz a continência dos Paragons e toca o ombro de Amadeo; ele imita o gesto.

_ Digo o mesmo. O prazer é meu, velha amiga. _ Godeve responde, serena.

Eloah e Amadeo seguem em direção à porta, ao mesmo tempo que Johan e a moça de branco entram. Eles não se entreolham. Porém, quando estão prestes a sair, Godeve questiona:

_ Você está confiante, jovem Amadeo?

_ ... Sim. _ Ele responde, com alguma hesitação.

A porta se fecha e a acompanhante oferece uma cadeira ao convidado. Quando Johan se aproxima o suficiente, Godeve diz, com um amplo sorriso:

_ Seja bem-vindo, jovem. Eu sou Godeve Busia, Magnum Paragon. Estou feliz por finalmente conhece-lo. _ Ela estende a mão e ele a cumprimenta.

_ Obrigado... É um prazer. _ Ele baixa os olhos ao ser tomado por um misto de vergonha, ansiedade e tédio.

_ Por favor, fique à vontade. Eu gostaria de conversar um pouco e apresenta-lo a uma pessoa.

Johan se senta, mas é incapaz de relaxar. Godeve faz um gesto e a mulher de branco oferece uma xícara de café e um copo d'água aos dois. Em seguida, ela deixa a sala. Godeve bebe um curto gole de sua bebida perfumada e diz:

_ Acredito que deva estar curioso do porque eu ter te convidado, sim? _ Johan confirma com a cabeça, sem olha-la nos olhos _ Vou tentar me explicar: De todas as coisas mágicas e exóticas deste mundo, você é uma das mais peculiares, Aberração de Corpo. E eu sou uma pessoa bastante curiosa. Não posso deixar oportunidades raras escaparem. _ Ela faz uma pausa _ Gosto de pensar que sou muito abençoada por poder conhecer pessoas tão únicas. Por isso mesmo, conclui que nada mais justo do que também deixar tais pessoas se conhecerem.

Ela volta o rosto à porta que instantes depois desliza. Através dela entra uma garota em uma cadeira de rodas. Ela tem cabelos intensamente cacheados e muito desorganizados, cicatrizes cirúrgicas bem marcadas na face, junto de manchas brancas salpicadas em sua pele parda. Sua mão direita, espástica, abraça um casaco que cobre parcialmente suas pernas.

_ A pequena com cara de brava é Keisha Tôoru. Ela tem 13 anos e é minha afilhada de consideração. Ela é um membro especial da Ecclesia, uma Aberração de Mente...

Johan arregala os olhos; seus lábios se afastam.

_ Oi... _ A garota diz _ Tia Eve me chamou pra te conhecer, mas já vou deixar uma coisa clara, cara: Não sou do tipo de fazer amigos.

Ao mesmo tempo em que ela fala, Johan se aproxima. Assim que ela finaliza, ele se abaixa em sua frente. O contato visual se mantém por não mais que um segundo e Johan diz:

_ Eu também não tenho muitos amigos.

Uma singela faísca atravessa os olhos pretos de Keisha. Porém, não demora até ela recobrar a seriedade:

_ Sabe, cara, eu não preciso da tua piedade. Fala comigo como falaria com qualquer outro.

_ Ah... _ Johan se coloca de cócoras _ Desculpa. É o hábito. _ Ele fita as rodas da cadeira _ É assim que eu falo com minha mãe. Ela usa uma dessas também.

_ Oh... Tendi... _ Keisha hesita; sua petulância não funciona contra aquela honestidade bruta.

Discretamente contrariada, ela se inclina na direção de Godeve:

_ Tia Eve, você não vai dar aquele negócio pra ele?

_ Claro! Não podemos esquecer.

Johan se ergue, conforme a Paragon se aproxima com uma pequena caixa. Keisha começa a explicação:

_ A probabilidade de uma Aberração de Mente que nem eu viver mais que 5 anos é de menos de 3%; viver mais que 10, é menor que 0,5. Então, eu tô fazendo hora extra já e por isso a tia Eve me deixou "entrar" na Ecclesia pra eu poder pesquisar o que eu quiser... Aí ela falou que você existe e eu fiquei, tipo, "Wow mano". A gente tá falando de probabilidades baixas, cara! Na casa do 10-3, se não menos! _ Ela afasta o casaco que segurava, revelando um broche de dois círculos entrelaçados, feito de ouro rosa.

_ Nós achamos que seria "legal" _ Godeve parece tentar usar a gíria _ se você tivesse uma dessas também. Foi a Keisha quem fez.

Ela oferece a caixa entreaberta. Johan a toma em mãos, com uma delicadeza exacerbada. No interior, ele encontra uma insígnia formada por duas elipses brilhantes:

_ São de titânio. _ Keisha diz _ Bem resistente, sacou?

Godeve sorri, enquanto Johan se demora observando o amuleto. Ela tem dificuldade de compreender as pequenas expressões que ele esboça...

_ Estou... muito feliz. _ Ele não desvia os olhos da caixa _ Obrigado.

_ Isso é ótimo, jovem. Que este seja o símbolo da futura amizade dos dois solitários. _ Godeve responde, sorrindo.

_ Eh! Tia Eve...!

_ Tôoru, obrigado. _ Ele se volta para ela, enquanto fixa o broche no peito _ Você disse que pesquisa... Sobre o que?

Godeve e Keisha trocam olhares confusas. "Por que a Aberração de Corpo quer saber da minha pesquisa...?", a garota se pergunta. Tímida, ela responde:

_ Um monte de coisa, na verdade. Eu trouxe umas coisas comigo... Se você quiser, eu até posso te mostrar. Mas você não pode mexer em nada!

_ Sim!

_ Ah, e outra coisa: Me chama de Keisha. Eu odeio essas formalidades inúteis.

_ Certo.

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