Capítulo 110 - Tormenta

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A sinfonia de desespero é composta pelos uivos da ventania, os guinchos da chuva e o rugido dos trovões, sobrepostos aos pensamentos de negação: "Não, não, não".

Johan retorna à cidade, ensanguentado e mancando, na calada da noite. A estação de transporte local felizmente tem uma máquina de Distorção Espacial que ele invade, sem hesitar. O funcionário da cabine é ameaçado por garras e caninos enormes. Temendo por sua vida, ele cumpre a exigência: Uma viagem imediata o mais próximo possível de Maidowa, Ruber.

A travessia é terrível como sempre, nauseante e hipotensora, mas, dessa vez, Johan não tem tempo para se recuperar... As lesões da "luta" contra Amadeo também ainda não se fecharam completamente. Ele nem sabe quanto tempo dura o feitiço de sangramento...

_ Pra que lado é Maidowa?!

Ele pergunta, erguendo a moça uniformizada em seu posto de trabalho. Em prantos, ela explica que a cidade fica 40 e poucos Km ao sul, seguindo a estrada principal. Johan a atira para trás e invade o estábulo em seguida. Um guarda com um porrete o ameaça e diz que chamará a polícia civil. Johan o derruba com um empurrão enquanto leva uma Quimera como montaria.

O Fabulare ruge quando eles iniciam o caminho penumbroso adiante. Johan treme. Ele não gosta de estar desarmado, mas depois de ter fugido de Amadeo, não conseguiu... "Não, aquele não era Amadeo... Não pode ser...", pensa. As batidas de seu coração doem. Ele tem em mente o sorriso de sua mãe o acolhendo em um abraço ao voltar para casa depois de alguns meses na Ecclesia. O que ele vai fazer se... se...

Ele aperta os dentes. Pensar nisso, conceber essa possibilidade é terrível demais. É pior do que qualquer coisa que ele já tenha passado. Ciente de ser ele próprio excepcional, ele sabe que a morte é um evento irreversível... Então, se a Bruxa ou Fortescue chegarem antes dele...

A Bruxa ou Fortescue? Quem estava falando através de Amadeo? Quem o odeia tão profundamente a ponto de ameaçar a única família que tem? Ele lembra do olhar fuzilante da Paragon durante seu julgamento... Ele lembra do abraço frio o envolvendo na caverna antes do Bicorn o empalar... Ah, pelas Deusas, Johan! De que adianta pensar nisso agora?! Ele bate uma das mãos no próprio rosto. A Quimera segue firme em seu ritmo veloz. Ele se curva sobre a criatura para impedir mais um vômito sanguinolento. Como é possível seu corpo todo doer dessa forma? Ter sido esmagado pelo Grootslang foi infinitamente menos doloroso.

Uma gargalhada súbita o arranca de seus pensamentos. A escuridão da noite sem luar esconde as silhuetas que o assombram. Os risos se aproximam. Ele se volta para trás; nada. Um corte se abre em sua bochecha, depois no braço, nas pernas. A Quimera pula e se sacode para afastar o que quer que estivesse ali. Johan não vê o inimigo. A conclusão é óbvia: É algo espiritual que ele não sabe combater. Com firmeza, ele tenta se manter no caminho, enquanto sacode o braço esquerdo para repelir as criaturas invisíveis. Os cortes não param e ardem.


_ Vejamos... Talvez seja este aqui.

Keisha diz para si mesma, pegando um livro em mãos e levando-o até sua bancada. A lareira está acesa e vários candeeiros mantém o quarto quente e iluminado. Ela veste seus pijamas coloridos, com desenhos de animais, enquanto vasculha páginas que, de tão antigas, parecem prestes a esfarelar. Diz para si mesma, em voz baixa:

_ A-ha!! Fabulares de classe δ, neutros ou desconhecidos... Algumas edições novas nem tem essa sessão. _ Ela vira as páginas com cuidado _ Por favor, esteja aqui... Por favor, esteja aqui!!

Seus olhos colidem com o título procurado, "TAUH". O parágrafo que segue é curto:

_ "Tauh", "Taú" ou "Táu"... "Encarnação viciosa de um "Espírito do Mal", id est, entidade metafísica de origem obscura, cuja condução moral é considerada aquém aos princípios éticos da sociedade"... Ué, que estranho... "Espírito do Mal" aparece na descrição de um monte de Fabulare ruim tipo o "Ladrão de Faces", o "Bicho papão"... _ Ela esboça dúvida _ "Acredita-se que essa entidade, provavelmente nativa de Ruber, tenha a capacidade de assumir um corpo material, demonstrando afinidade insólita à Esfera do Corpo; raro em "Espíritos do Mal" por definição. Seu funcionamento como entidade paranormal também é pouco compreendido"... Caramba, isso é muito esquisito! _ Ela relê o mesmo trecho algumas vezes _ Tá bom... Vou engolir essa... "O único relato descrito sobre sua aparição refere-se ao estupro e sequestro de uma mulher humana, com o intuito de gerar, através de meios desconhecidos, criaturas híbridas malignas, cujo intuito seria levar o mundo ao desastre. A descrição de tais seres foi perdida, assim como seu impacto e relevância, ainda na Era Pré-Apocalíptica. Hoje, estudiosos questionam a veracidade desse "mito de criação" que pode ter se tratado de uma reinterpretação de contos de fantasia"...

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