Uma silhueta magra, grotesca, escala o edifício Norte. Sem se expor à luz, deixando apenas as garras vermelhas aparecerem na janela, ela diz:
_ Senhorita Ayla... O alvo caiu...
_ Perfeito. _ A Bruxa de olhos verdes responde, enquanto finaliza um selo na porta de saída do salão do baile _ Seria ideal para nosso plano se ele morresse. Mas, por enquanto, isso é suficiente.
A porta não se move por mais que as pessoas tentassem abri-la. A mulher não tem qualquer expressão ao se aproxima da janela para contemplar o incêndio vizinho.
Em um dos corredores internos do prédio, Amadeo está sentado no chão, abraçando os joelhos. Ele se sente doente, como se sua vida tivesse sido sugada por um Amanojaku*, sem certeza do motivo por trás disso. "Devo ter sobrecarregado por causa da Aristourgima, eu acho", ele pensa, mas até isso é doloroso. Suas memórias estão confusas e ele não consegue sequer se lembrar do final da apresentação.
Subitamente, o som da explosão o impede de continuar definhando. A vertigem dificulta sua marcha, mas ele deixa o prédio e depara-se com a outra construção em chamas. Várias pessoas tentam segurar o fogo e os bombeiros lutam para manter a estrutura em pé. Ele se aproxima de um homem e oferece ajuda.
_ Precisamos que chame as pessoas que estão na festa!
Amadeo tenta obedecer, porém, ele escuta uma voz familiar vinda dos escombros. "Johan?!", ele se aproxima do local. Um dos bombeiros diz:
_ Tem pessoas lá dentro, mas não conseguimos apagar o fogo...!
Lutando contra a própria fraqueza, o rapaz aproxima as mãos do fogo e o puxa para si, absorvendo o máximo do calor que pode. Sua temperatura sobe e ele sente a consciência oscilar. A passagem é liberada e ele entra com a bombeira. Não longe da entrada, eles identificam uma figura com os braços para cima, segurando uma coluna que insiste ruir. A seus pés dois Fabulares feridos, um par de Alkosnot**, jazem inconscientes.
_ Johan?!
A voz de Amadeo ecoa e a figura, refém do pilar, grunhe em resposta. O loiro tenta ajudar, mas falha. A bombeira gera suportes para as paredes ao redor, estabilizando o desmoronamento. Johan cai de joelhos, com o corpo revestido por enormes lesões negras. O bombeiro abraça os Fabulares e Amadeo apoia o colega.
Todos saem do caos de fumaça. Amadeo desmaia instantes depois.
Reforços chegam e o fogo é debelado. Além do grande número de feridos, houveram três vítimas fatais; todas Alium Genus. Os bombeiros identificaram sinais de incêndio criminoso. Porém, antes que fosse necessário sequer investigar, a mulher de olho verdes, disfarçando sua pele cinzenta de Bruxa com um impecável disfarce, surge, gritando:
_ A Ecclesia está infestada de monstros!! Eu fiz o que eu devia para limpa-la dessa praga!
Um Ranger acerta um tapa no rosto dela e a imobiliza. Sem demora, ela é levada pela polícia civil... com um sorriso. Seu plano funcionou. Simultaneamente, foi elucidado que ela não era membro da instituição, mas sim uma "terrorista" infiltrada. Um comunicado internacional foi emitido, afirmando que a Ecclesia aumentará a segurança nos próximos eventos e também investirá mais nas campanhas de pacificação e tolerância social.
Amadeo acorda em um quarto cinzento. Está frio. Sua cabeça pesa, no mínimo, 300 toneladas e ele mal consegue se mover. Pelo canto dos olhos, ele vê Keisha, lendo. Ele murmura um som ininteligível para chamar sua atenção. Ela diz:
_ Bem-vindo de volta ao mundo dos vivos, Alscher. Você tá consciente o suficiente pra conversarmos agora? Eu tenho que ir daqui a pouco...
_ C-Claro... Eu tô bem.
_ Sim, bem. Dá pra guardar uma enciclopédia nas bolsas debaixo dos seus olhos, cara. _ Ela esconde o riso _ Bom, indo direto ao ponto: Você quer entrar na equipe da tia Shina ou ficar com nosso amigo miolo mole em Meigdan? Tia Eve disse que você tem decidir sozinho.
_ Talvez... eu não esteja... consciente suficiente pra essa conversa, na verdade... Heh.
Ele faz um esforço para se levantar e fita Keisha nos olhos. Ela continua:
_ Tia Eve me falou a opinião dela, se quer saber: "Ele é muito jovem para começar a carreira nessa equipe. Não quero que ele morra tão cedo". Mesmo assim, a tia Shina disse que vai deixar uma "vaga" pra você de qualquer jeito.
Amadeo ainda hesita. Keisha insiste:
_ Sei que não é a melhor hora pra falarmos disso, mas amanhã de manhã é nossa última chance de falar direto com a Fortescue. _ Ela aperta os lábios _ Desculpa pela situação...
_ Heh, não se preocupe, Tôoru. Tô feliz que tenha vindo falar comigo... Estou me sentindo tão mal que... definitivamente não quero me envolver com coisas tão perigosas, por enquanto. Preciso ficar mais forte primeiro. E isso eu preciso fazer em Meigdan. _ Ele faz uma pausa _ Vou viver um pouco mais e seguir em frente com minhas próprias pernas.
_ Cara, é muito indelicado falar "seguir com minhas próprias pernas" na frente de uma CADEIRANTE, viu! _ Ela faz um minuto de silêncio _ É brincadeira! _ E gargalha em seguida _ Então, eu vou falar com a tia Eve. E você se prepare pra retaliação por parte da sua Paragon-mommy.
Amadeo ri ao ouvi-la dizer isso, mesmo sabendo que é verdade.
Na manhã seguinte, as carruagens começam a partir para os quatro cantos do mundo. Johan se despede de Keisha com um sorriso legítimo e ela pergunta se ele aprenderá a ler direito para eles trocarem cartas. Johan responde com um peteleco em seu nariz. O comitê de Artes se despede de Dijana com abraços e beijos. Nayla troca acenos com várias pessoas. Como de costume, Amadeo não tem ninguém para quem dizer adeus.
Eles partem para Meigdan, em uma carruagem lotada.
Keisha suspira e espera com Fayola pelos demais que viajarão com ela. Shina é a primeira a chegar. Ela sorri para a pequena, mas esta responde:
_ Tia Shina, por que você tá mentindo?
A mulher não responde. Depois de vasculhar os pensamento, replica:
_ Todos são um livro aberto na sua frente, Keisha.
Meigdan está ensolarada e linda, como sempre.
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Notas da autora:
*Amanojaku: Criatura maligna oriunda do folclore japonês. Trata-se de entidade espiritual, rara, observada em Flavi. Geralmente é categorizado como Ameaça grau 2, por alimentar-se da energia vital de um indivíduo a cada mês. Possuem a forma de típicos demônios japoneses, mas geralmente não assumem forma material. Comumente associam-se a crimes hediondos, por manipularem os desejos obscuros de humanos.
**Alkosnot: Criatura da mitologia eslava. Tratam-se de mulheres com corpo de pássaro (geralmente martim-pescador), racionais e inseridas na sociedade. Associam-se fortemente aos mares e tempestades, famosas pela benevolência e beleza.
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Três Esferas
FantasyAmadeo é um jovem de 20 anos, com uma espada presa à cintura e um insaciável desejo de liberdade... O fardo de seu título e o peso de sua capa não o deixam esquecer desse destino que ele jamais escolheu. Porém, o que ele não sabe é que seu mundo de...