Capítulo 118 - Lili

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Cerca de 200 anos antes da Grande Caçada, uma Bruxa nasceu. Nesse tempo, existiam cerca de 10 poços onde novas criaturas brotavam a cada 30-50 anos. O Coven era imenso, dividido em castas, casas e hierarquias múltiplas. As grandes Bruxas dessa época tinham mais de 2.000 anos. A Matriarca ainda era viva com mais de 5.000 anos em suas costas decrépitas. Fora ela, em seus anos áureos, que instituiu as guerras contra a humanidade, temendo o potencial latente de Esferas em franca evolução.

As três tentativas, porém, fracassaram. O mal das Bruxas e suas vidas longas é procrastinar demais suas ações. Tudo pela arrogância travestida de meticulosidade das Bruxas que eram incapazes de dar um golpe fatal, e pelo regozijo que o caos reinante lhes fornecia.

A Bruxa que nasceu nessa época, tinha a pele cinza escura, cabelos negros e olhos azuis. Ela nasceu sem fazer ruído, com as orbes escancaradas. Ela foi levada como serva de uma jovem Bruxa, como presente por sua "graduação" dos ensinamentos de uma anciã.

Porém, a Mestra era cruel, ríspida, mandona. Tal como uma boa Bruxa. Ela dizia, dia após dia: "Estude, Lili, pois a guerra está logo aí! Não quero vê-la morrer nas mãos imundas de um humano qualquer". Lili obedecia, sempre quieta, sempre atenta. Como uma boa Bruxa, ela dedicou suas duas primeiras centenas de anos aos serviços de outra mulher maldita.

Ao fim desse período, porém, outro tipo de mulher ergueu-se em meio ao caos: A primeira Paragon; uma guerreira com sede de sangue e desejo de vitória, trajando o manto da justiça e da paz. A Mestra de Lili ruiu diante das Esferas Evolutivas que dominavam extremamente rápido os nuances da magia, do mistério, e da morte.

Lili compreendeu, ao assistir sua Mestra, suas companheiras servis, suas colegas do Coven serem mortas por vias brutais, que a guerra das Bruxas contra os humanos estava fadada ao fracasso, enquanto as Bruxas insistissem em não engolir seu orgulho e desviar-se da própria honra.

Lili compreendeu que o inimigo, diferente de tudo que lhe fora dito, é formidável. Avassalador. Terrível. Infinitamente pior do que uma boa Bruxa.

Ela sobreviveu ao ataque fingindo-se de criança humana. Um Paladino a carregou até a segurança de uma tenda, onde curandeiros se esforçavam para tratar uns aos outros. Ela viu lágrimas rolando de olhos escuros, agradecendo pelos cuidados não para si mesmo, mas para um companheiro que acabava de falecer, sem dor; em paz.

Lili fugiu logo que teve a chance, ponderando e ponderando, pois esse era seu maior poder. Ela se escondeu e se manteve oculta, seguindo à risca as orientações de sua Mestra: "Estude, pois a guerra está logo aí". Porém, Lili embrenhou-se em estudar temas que eram pouco quistos pelas Bruxas: A história da fé dos humanos que por centenas de anos idolatram os deuses errados; a teoria que eles inventaram sobre as Esferas e seu funcionamento; os princípios constitucionais que regeriam a Ecclesia alguns anos no futuro; as magias mais queridas pelos bárbaros não pela praticidade, mas pela beleza.

E Lili aprendeu o que era uma "família", algo que ela nunca teve antes, mas que era capaz de explicar as lágrimas de alguém grato pela morte serena de outrem... Capaz de explicar os beijos e abraços que ela via os humanos trocarem entre si, gerando uma alegria tão pura e pueril. A conclusão foi simples:

_ Terei minha própria família, assim, poderei me vingar da humanidade e salvar o Coven e ser reconhecida... Terei minha própria família e destruirei a deles.

Como uma boa Bruxa, ela foi paciente, paciente, paciente. Enquanto as demais se esforçavam para sobreviver sob feitiços de distorção do espaço-tempo, remoendo seus remorsos, amedrontadas, Lili se empenhava para compreender o triunfo da criatura humana:

_ Seu poder são seus números e seus aliados.

Depois, ela buscou formas de prever e se preparar: O futuro predestinado foi capturado por suas hábeis mãos. Não foi fácil, porém, dominar a clarividência ao ter um talento natural para artes mais sombrias... Foi assim que ela conjurou seu Gato, primeiro de muitos servos de consciência duvidosa.

A partir desse pensamento, ela buscou um arsenal indomado pela humanidade e encontrou os Demônios. Ela foi a primeira, em todas as eras, a criar técnicas, a aperfeiçoar métodos para abrir fendas entre os planos. Ela tornou a si própria um experimento triunfante. A magia demoníaca tornou-se arma, ferramenta e meio de dominação.

Quando completou seus 500 anos, aproximadamente 200 anos após a fundação da Ecclesia, Lili pediu seu nome de Bruxa maior. O nome foi-lhe concedido, como uma exceção fundamentada na promessa de que ela carregaria, sozinha, o Coven à vitória. Além do nome honroso que combinava com seus feitiços mestrais, Daemon Cordis, a Lili foi garantida uma cadeira de honra e a servidão de todo o Coven caso fosse capaz de retomar o domínio das Bruxas sobre o mundo, sem arriscar o bem estar das poucas remanescentes.

Lili levou cerca de 900 anos para completar seu plano de vingança. Após tanto tempo, ela já não se lembrava do ódio visceral que sentia. Agora, altiva e madura, ela agia através de um senso de justiça enviesado. Seu objetivo, tal como o da primeira Paragon, era salvar seu povo de tiranos conquistadores.

Nesse caminho, ela formou a família que sempre quis: Miriam (300 anos), Ayla (260 anos) Leah (190 anos), Edisia (100 anos), um Gatinho preto, vários bonecos-servos, um monte de monstros-amigos.

Lili entendia a humanidade melhor do que qualquer ser humano jamais foi capaz de fazê-lo. Por isso, ela escolheu um Paragon, não uma Bruxa, para guiar seu exército à vitória. Ela escolheu um homem perfeito e não uma mulher maldita para morrer em combate; para lutar em seu nome. 

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