Introdução (prefácio)

169 14 2
                                    

Acho que o sonho de todo mundo que se entende por gente é nascer numa família rica, ser herdeiro de uma herança inestimável e pouco se esforçar para alcançar o mérito do sucesso, desfrutando da suposta meritocracia que lhe foi concebida. Cercado de luxos e receber tudo aquilo que se era desejado, carregado em um pedestal pelos súditos para todos os cantos como um paralítico e nada ser um empecilho pelo simples fato de possuir o dom da beleza, nada que te proporcione uma carreira promissora ou uma profissionalização digna, apenas o fato de ser uma pessoa bonita lhe traria tudo que se era estimado.
  Mas eu não tive o apreço por essa ideologia mesquinha e esse complexo de superioridade, sempre acreditei que a equidade e a empatia eram o elo básico para comportamentos sociais e não compactuava muito com esse tipo de pessoa que se tornaria um provável pessoa cuzona e babaca futuramente. Cresci e fui ensinado desde cedo com base na educação e instrução de minha mãe, seu amor e seu zelo por mim já me preenchiam, sem a necessidade de bens materiais e de abundância financeira. Mas, quem me dera, se esse sentimento de gratidão e reconhecimento materno fosse carregado comigo por toda a minha vida, mais especificamente no início da minha adolescência; não que eu tivesse me desconstruído desse conceito e virado um pivete rebelde que detesta a mãe por modinha e acredita profundamente que sua mãe foi a razão de sua vida estar mergulhado em chorume e enxofre. Acho que fiz de toda essa merda, a minha canja que cura todo o meu resfriado, o meu mantra para me manter forte e nunca me insistir arduamente no fracasso para conquistar o êxito (o mais tradicional seria "faça do limão, uma limonada mas a minha mania de trocadilhos é incontrolável, não me julguem).
  
  Devido as constantes cobranças de minha mãe de ser alguém e as  tormentas de ainda não ter decidido um futuro profissional no auge dos meus 11 anos, eu me perguntava se eu merecia realmente ocupar o espaço de uma vida de alguém que ainda nem existe mas faria e cooperaria muito mais para o mundo do que eu, de ocupar o espaço da vida de um Martin Luther King contemporâneo ou de uma Marsha P. Johnson dos tempos modernos e com toda a toda a tortura massacrante, eu não me sentia, cada vez mais, em posição de agregar não só no âmbito profissional, mas em sociedade: um filho que não traria luto a sua família, um amigo que seria facilmente substituído por alguém mais cativante e um namorado que não despertaria culpa em seu parceiro quando cometesse o ato de adultério.
  Diante de toda a cobrança de ser alguém, minha mãe, por sua vez, não poupava as reclamações e nem demonstrava compaixão por ferir uma criança ainda imatura, sem nenhum conceito de mundo, seu filho que se esforçava em ser o protagonista das notas altas na escola, que trazia conhecimentos diários da escola e que se destacava pelas provas todas corretas e pelos trabalhos concluídos dentro do devido prazo.

- Você quer ser engenheiro ou médico? Ou advogado? - ela me dizia, conversas que ouvi por centenas de vezes e opções que nem estavam dentro do meu desejado eram me exigidas para um futuro quase todo idealizado.

- Tenho certeza que se um dia fosse presa ou acusada e intimidada por algum delito, eu não estaria em dispor para depor ao seu favor. - imaginava em murmuro e a encarava com a feição estática, que era lido como deboche ou indiferença, muitas das vezes.

- Ou você quer ser diarista? Viver de trabalhar de favor alheio? De atender a ordem de seu dono ao ouvir um sino badalar como um cão adestrado? - como eu disse, se ela não poupava nas atitudes, quem diria nas palavras. Ouvir esses absurdos de minha mãe era de se envergonhar da mulher que me gerou e me criou, a figura mais respeitada e mais valorizada que tem o amor e o respeito infinito de qualquer um. Minha mãe, a mulher cuja semeou inconscientemente em mim, insegurança e auto sabotagem e fez dessa árvore, frutificar com direito a reprodução. Só me mantia calado durante essas imposições para que ela se sentisse farta e cansada dessa merda de ladainha que me atormentava como um alarme escandaloso que é programado para ser tocado a todo momento e gratuitamente tinha a minha masculinidade questionada: tudo que eu fazia, me tornaria menos homem, como um quebra- cabeça de homem incompleto e não tinha vontade alguma de mudar para que ela parasse com as contestações. Eu só queria que ela calasse a boca para que, pelo menos uma vez, eu pudesse me comprometer com o que eu realmente me importava, com o que eu queria e as escolhas pelas quais eu mesmo tomaria.

Apenas Segure A Minha MãoOnde histórias criam vida. Descubra agora