Capítulo II

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O balançar das palmeiras lá fora me confundem e fazem distorcer a minha audição para me atentar ao cair da chuva, atrapalhando em saber se já cessou ou se permanece a cair então pareço mais tendo e disperso do que estou mas levo o assunto em frente como se eu não tivesse focado em outras coisas. Entre um assunto e outro, minha mãe e a minha infelicidade em conviver com ela era a pauta que eu levantava, enquanto eu desabafava inevitavelmente sobre a minha vida para que ele ouvisse com mero interesse; para não fitá-lo desconfortavelmente e por sentir timidez em manter uma conversa com contato visual fixo, eu observo a sua casa com olhares discretos: a sua decoração, a sua mobília e tudo que constituem aquele espaço em estética. Nada parece destoar do tom escuro proposto: móveis em madeira brilhante, cortinas cor verde-musgo e cerâmicas em mosaico harmonizam uma boa vista e me prendem a atenção, sem desviar o foco dos seus conselhos e da minha guerra em distinguir gotas de chuva do balançar constante das palmeiras. Sua toalha enrolada ao meu redor exala o seu provável perfume e inspiro a fragrância por alcançar as minhas narinas, e não me virando para sentí-la para não parecer estranho e por estar sob a sua constante vigia, um cheiro que me agrada mas não o meu preferido para uso.

- Agora você parece acomodado... Como você se chama? - ele me interroga, percebendo meu bem-estar agora e o meu desconforto que não deixo escapar pelo olhar ou pelo gestual por achar estar sendo incoveniente ou incômodo ao seu compromisso cotidiano.

- Eu me chamo Calvin. E o seu nome?

- Meu nome é Nathan, Nathan Murray. - sinto a sua ênfase enorme ao pronunciar seu sobrenome, como se pertencesse a um rei ou a um grande imperador que viveu no passado.

- Prazer, sr. Murray. - ironizo, arrancando um sorriso dele e descontraindo a conversa com um humor duvidoso. Mais um sorriso, aliás. Posso perceber que ele sorri bastante, assim como se atenta a tudo o que eu digo, não sei se é a carência em conversar com alguém e ter que ouvir minhas baboseiras para socializar ou tentando disfarçar o desprazer de me receber com naturalidade e muita atuação (acredito nas duas mas acho que a segunda é a menos falsa).

- E o que você fazia lá fora, nesse temporal? Ia a algum lugar, Sr. ... - ele me devolve a ironia e pausa por eu não ter dito o meu sobrenome por não pertencer a uma dinastia.

- Calvin Minsky.
-Minsky... Hum, gostei. - ele pronuncia como se eu também fizesse parte da sua realeza imperial e sorrio fraco.
- Enfim, eu estava indo ao supermercado mas fui surpreendido por esse terrível temporal. O tipo de surpresa que realmente te pega desprevenido. - ele assente e permanece a me olhar sem incômodo, me fazendo corar e sem retribuir o seu olhar por mim, posso me atentar aos ruídos e perceber que já não há mais nenhum do lado externo e não prolongo a partir daqui, o nosso assunto.

- Bom... Parece que a chuva parou um pouco. Não quero te atrapalhar, já posso seguir daqui. - essa é a minha deixa, levantando e dobrando desajeitadamente a sua toalha, deixando no sofá e imóvel, sem saber como me despedir ou agradecer: um aperto de mão para não parecer íntimo ou um abraço para não parecer ingrato?

- Mas já? - ele paralisa por parecer precipitado mas não exprimo estranheza e quebro o clima de tensão com descontração.

- Sei que você desejaria nem ter levantado da cama hoje, assim como eu, por conta do tempo. Mas fomos incomodados por cujos indesejáveis. - me cito em terceira pessoa para saber o que ele tem a dizer para concluir se ele está sendo verdadeiro ou mentindo com muita lábia, espero verdade em qualquer circunstância.

- Você parece o mais infeliz aqui mas eu entendo. Quem sabe se eu o acompanhasse ao supermercado poderia te fazer melhor e me confortar de que você vai chegar bem em casa, e não engolido por um boeiro, arrastado pela "correnteza de chuva". - ele espera uma resposta sem pressionar, de forma subliminar mas compreendo a sua mensagem expectativa pela minha afirmação. Dou uma resposta simples, que faz um semblante incrédulo e surpreso, confesso que também sinto isso mas a inocência me faz seguir a minha intuição e não me faz poder voltar atrás.

- Se você não se importa, por quê não? - eu não queria ser assim tão abusado mas se ele ofereceu, eu que não vou dispensar mas eu que me sinto precipitado agora, de confiar em algo que parece recente e convincente e ele segue em frente, indicando para que o siga também, o que eu espero que seja a garagem.
  Me deparo com um carro preto-fosco ali e não hesito em elogiar, ele destranca com a chave, que logo aciona as suas luzes e atende a todos os comandos como boa tecnologia moderna.

- Sua mãe não se importa que você use o carro? Espero que você não tenha problemas com ela por toda a lama impregnada que vai sujar toda essa borracha tão limpa e vistosa. - quase me embaraço para falar e sinto pena dessa limpeza tão árdua e ele me encara, com uma mão apoiada no carro, cruzando as pernas e suas expressões soam indecifráveis.
  Eu não pude entender o que ele queria dizer e uma enxurrada de dúvidas me invadem: 'será que falei besteira?', 'será que estou falando demais?', 'será que eu não estou falando o suficiente?' e ele parece prender o riso, como quem está prestes a pregar uma peça enquanto eu estou aqui, internamente, me convencendo de que ele é confiável e que posso ir sem remorso e sem o sentimento de ter tomado a decisão errada.

- Calvin... Eu moro sozinho. - não sei se isso me tranquiliza ou me dá aval para me desesperar mas acredito na minha boa intuição, sorrindo e sentido que minhas bochechas coram e percebo que nada do que ele diz parece vazio, mesmo que pareça o enigma da Esfinge. - Relaxa! Fale o quanto quiser e o quanto achar que deve, gosto do seu jeito cauteloso.
- Obrigado por ser tão gentil e compreensivo até aqui. - é o meu momento de agradecê-lo e ele avança dois passos a minha frente e me faz encará- lo com o semblante erguido por ele ser maior que eu. Abre a porta do carro para mim e dá de ombros, me esperando entrar para que ele possa então, fechar.

- Não faça isso. Assim me sinto uma mulher submissa ao seu marido e que é facilmente subornada por um buquê de flores e chocolates como arrependimento por um recúo agressivo contra ela.

- E por que não? - ele diz e abafa a sua voz com um tossido forçado mas, para o azar dele, eu ouvi isso. Olho para ele em descrendice e ele faz cara de cinismo, sinto ódio por ele apoiar um comentário machista mas espero que ele tenha se referido ao ato de abrir a porta para mim como forma de educação mas reprimo a graça por não ter certeza, descartando a hipótese de me relacionar com um cara opressor, invasivo e indiferente a mim. Me dou conta de que estou fantasiando com um cara que acabei de conhecer e que não está tentando se declarar para mim e sim, é descontraído e bem- humorado o suficiente para me arrancar um riso.

- Eu não disse nada, moço! - ele diz em sua própria defesa e repete a sua fala e expressão cínica por estar preso em meus pensamentos novamente e entro no carro de uma vez por todas, fechando a porta e deixando do lado de fora toda a insegurança e o medo da rapidez dos acontecimentos e do que ainda pode acontecer...

Apenas Segure A Minha MãoOnde histórias criam vida. Descubra agora