Seu prazo se esgota como previsto e temos que ir até o quarto desse garoto, a menos que ele tenha feito uma barricada contra ela, esperando em preces que ele já esteja pronto. Ao abrir a porta, o Matías já sai quase que simultaneamente e paro, sem conseguir desviar o olhar dele.- Parece que temos o poder de nos encontrar através de portas. - o Matías relembra o episódio do elevador e o Nathan sai logo atrás de mim, agradecendo ironicamente que ele tenha aparecido.
- Não sei se o motorista do ônibus faria a mesma gentileza que fiz por você pelo seu majestoso atraso. - estabelecemos uma conexão de um contexto só nosso e o Nathan deve estar perdido na interpretação mas nos apressamos já que estamos todos juntos. - E pelo visto, todo esse tempo rendeu uma boa montação para você. Mesmo que você aparentemente não tenha usado maquiagem, colado uma peruca, colado cílios, colocado brincos e...
- Tudo bem, ok. Eu já entendi que demorei muito mas engraçado que vocês se adiantaram tanto que não bateram na porta mais cedo... Mas vocês também estão um espetáculo. - ele nota nossas roupas e elogia exclusivamente o cabelo do Nathan, e o Matías também está um comentário a parte. Ele usa uma blusa cropped branca com o dizer MARVELOUS, com a mesma estética da logo da companhia de histórias em quadrinhos, em letras brancas e maiúsculas dentro de um retângulo vermelho, um macacão com estampa bordô, imitando a estampa de camuflagem militar e um tênis branco com tiras vermelhas sem cadarço. Na sua mão esquerda, ele usava sua costumeira pulseira e na direita, sua aliança e no dedo indicador, um anel de coco, que é fofo; uma correntinha presa à calça e seu cabelo tem um penteado com presilhas e grampos que devem ter tomado parte do seu tempo. No caminho, o Matías conta com sua roupa é inspirada em celebridades despregadas de conceitos de gênero quanto a vestimenta, citando ele Harry Styles e Vitão, e digo que também me apetece esse universo de deconstrução no meio da moda, para que pessoas possam ser livres no modo de viverem em geral, e já deixamos o hotel, com todos nossos documentos conferidos na nécessaire do Nathan. Chegamos até o ponto de embarque do ônibus e já ficamos a beira da calçada mas nem tanto, ao ver a aproximação nem tanto lenta do ônibus, como se o motorista esperasse que pulassemos para dentro do ônibus na sorte sem que estacione. Garantimos nossos lugares e o ônibus é um pouco maior do que eu esperava, mas ainda os assentos são disputados e por isso, não conseguimos lugares tão próximos quanto gostaríamos. O Nathan me entrega a sua nécessaire e se senta na fileira oposta a nossa, em sentido diagonal a mim, o Matías senta ao meu lado e estamos tomados e anestesiados pela emoção do momento que nos faz inquietos internamente mas transmitir naturalidade por dentro. Observando melhor os passageiros, alguns grupos de amigos pareciam empolgados, até demais, com suas palmas e gritaria incômodas; outros pareciam incrédulos e ansiosos como nós, mas aproveitando a ida e dispostos a curtir muito e outros, calados e introspectivos, sem conversas com seus colegas de poltrona mas que parecem também expectativos para o grande momento da chegada. Temos mais uma parada a frente e entre licenças e esbarrões, um grupo de garotas se situa perto de nós e uma delas se senta ao lado vazio do Nathan enquanto as outras rodeiam o assento e bloqueiam o nosso contato visual, assim como a garota sentada. Pelo visto, o que nos resta agora é nossa conversa individual, a paisagem que corria depressa pela janela limitada e só alguns pontos de luz eram reconhecidos como vagalumes pela escuridão que já tomara o céu, e a minha feição expressiva o suficiente para o Matías para que ele soubesse o que sentia. Claro que toda a agitação, fosse interna ou externa no meu corpo, não foi embora mas foi um tanto grosseiro da parte dela chegar assim, incluindo suas amigas, impedindo de monitorar o Nathan, mas não no sentido de ciúme ou de que ele fosse uma criancinha. É apenas meu jeitinho de mantê-lo por perto vigiado. Entre tentativas e outras de nos conectar com ele para que não se sentisse deslocado e isolado, mas sem sucesso pelo obstáculo humano, pude perceber uns papos e algumas investidas da parte dela, descaradas e nada ingênuas para o Nathan, que sinceramente, não tem muito um faro especial para esse tipo de assanhamento alheio. Posso estar sendo exagerado também mas eu sinto esse odor de pouca vergonha por estar frequentemente rodeado pela fragrância inconfundível de Sra. Peter Scott e Dona Kendall.- Ai Matías, desculpa. Você conheceu a gente assim, enfiado em briga e confusão e não é agora que isso vai mudar. Vou deixar em dia a carteira de vacinação dessa cadelinha com uma boa dose de realidade. - já emburro a minha cara e cruzo os braços, o Matías até aqui já entendeu os meus sinais e observa ela ainda mantendo uma comunicação ou uma tentativa, assistida por suas amigas, que parecem aprovar isso.
- Eu sei que esse papo de ciúme é barra mas na hora da prática, fica difícil. Bancar o liberal despreocupado e confiante é difícil mas respira para não fazer nenhuma besteira. Pensa no Nathan, como em tudo o que você faz e não deixa ela estragar a nossa noite. - ele enfatiza essa última parte e percebo o peso da responsabilidade que essa noite tem sobre nós, do quanto ela precisa ser incrível do início ao fim para que cada detalhe, assim que lembrado, possa me trazer um sorriso largo, sem que fosse manchada essa lembrança por algum evento importuno. Eu sei da concepção que eu tenho de ciúme, que é algo ruim, como tudo em excesso e que foi algo um pouco desnecessário quando aconteceu naquele dia da piscina por ele, mas agora na inversão dos papéis, as coisas são bem diferentes e não estou muito aberto a praticar empatia.
- Mas meu Deus, as pessoas brasileiras são tão atiradas assim? Se ela continuar assim, ela que vai ser atirada pelos cabelos janela afora. Ou barranco abaixo, se é que você me entende... - o Matías se admira por eu transformar o trágico em cômico mas tem a licença do riso por mim, claro que tenho pontos nessa situação a me incomodar e não é como se ela simplesmente se sentasse ali e quisesse saber como foi o dia dele ou algo parecido. Pode não parecer pela minha postura quieta e fofa para alguns, mas as vezes eu preciso morder minha língua para que ela não chicoteie verdades sem filtro por aí, que não tomo o controle às vezes e por isso não quero que ela veja a luz do dia (ou a luz da lua) tantas vezes assim. O Matías me distrai com um papo qualquer e posso conter meus pensamentos sanguinários por um segundo, contando ovelhas aveludadas e imaginárias não para pegar no sono e sim, para não pegar no pescoço de alguém que flerta ordinariamente, mesmo que seja preciso que eu conte do zero a infinito duas vezes para me conter.- Ai Calvin, supera. Olha aí! Parece que chegamos... Só quero ver você alterado de tanto berrar as letras das músicas... - ele diz pela parada brusca e permanente do ônibus, ele incita que eu possa arrebentar alguém mas não vai acontecer e olhamos através da janela, por onde já podemos observar um movimento grande e um som alto porém abafado que vem do horizonte iluminado por luzes artificiais e coloridas. Assim que todos se levantam, meu olhar vidra na direção do Nathan e observo cada interação vinda dali, ele se levanta com um sorriso meio desconfortável e a garota segue com as amigas, com os lábios sedentos provavelmente sem ter o que queria. Seguro a mão do Matías com tudo muito bem vigiado, incluindo a nécessaire confiada a mim e nos aproximamos do Nathan sem muitos comentários meus ao cessar a fila que seguia em direção a saída. E seguimos assim: o Nathan sem ideia alguma do meu surto nada justificável, o Matías quase me algemando a ele, não só para garantir que me perdesse de vista e eu, respirando fundo mas esboçando naturalidade como se nada tivesse acontecido mas ainda tomado pela emoção inicial que tenho certeza que vai aflorar ainda mais ao sentir toda a experiência externa que vem aí. Espero não sentir o calor corporal tão literalmente como eu imagino mas que tudo possa ser indescritível, que possa faltar palavras, o fôlego, mas nunca, a minha paciência.
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Apenas Segure A Minha Mão
RomanceCalvin Minsky é um garoto de 17 anos, promissor mas que ainda não enxerga em si potencial e está afundando em seus próprios dilemas emocionais. Sendo filho único e sem uma figura paterna presente dentro de casa, tem de conviver com sua mãe autoritár...