Capítulo LXXVI (Parte 2/2)

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Estamos do lado de fora, com as mochilas nas costas e bagagens no chão, contando trocados economizados para o táxi e juntos arrecadamos a quantia exata por não termos condição de arrastar tudo isso a pé para o aeroporto como se estivéssemos pagando promessa. Esperamos pela chegada do motorista, o frio aqui não incomoda tanto mas se a espera for longa demais, talvez comece a ser e logo começo a andar de um lado para o outro, para aliviar a ansiedade e produzir o mínimo de calor que fosse, assim como o Calvin que insistiu em ouvir música e o Matías que está encostado na parede e de braços cruzados, notoriamente impaciente. Me atento distraidamente ao balançar das árvores, os carros e todo o exercício de som urbano é a trilha sonora para esse momento, conciliando com o clima triste, chuvoso, depressivo, que me faz lembrar uma situação. Um certo dia, chuvoso como esse, mas que ainda não castiga tudo aqui embaixo as nuvens carregadas, eu no conforto da minha casa, sendo incomodado pelo o que eu pensava ser, fiéis de alguma igreja cristã ou vendedores oferecendo inutilidades. Mal sabia eu que o que eu estaria prestes a ser presenteado era com um amor terno, sereno, com seus embates mas que se consolidou no fim o maior de todos os amores que já amei. Me encaminho para a porta para atender às três desaforadas batidas a porta e encontro alguém, que queria fugir do dilúvio que se formava lá fora e escolheu o meu seio como a sua salvação, talvez sem muita saída para criteriosas escolhas. O acolho antes que ele pudesse se justificar mas não adentramos completamente a casa, ele só está a um passo porta adentro e parecia agoniado, trêmulo, talvez inseguro, calculando mentalmente se ter aceitado o meu convite teria sido uma boa ideia, um convite que durou uma permanência inteira. Ele se sentou retraído, talvez sem esperar essa minha recepção que só bastava que eu o deixasse escapar da chuva, enrolado na toalha que eu entreguei, tímido e grato ao mesmo tempo. Tomou meu coração e meu sofá de primeira, sabia que aquele sentimento de solidariedade e empatia que me confundiu por algum tempo podia ser algo mais, sempre prestativo a ouvir e sua educação e cuidado ao tratar, algo que me lisongiei ao receber de um desconhecido por não ser familiarizado com esse tipo de apreço. Ele era inteligente, com seu jeito fofo e interativo com o tempo, encarava como se fosse uma promissora entrevista de emprego e sem intenção de conquistar, assim fez e aos poucos, sua postura contida e envergonhada se desprendia e eu amava quando suas bochechas rubravam e seu sorriso de canto que significava o mundo. Foi aqui, foi bem aqui que eu percebi que aquela sensação dr nervosismo e ao mesmo tempo de estar entregue à conversa desenvolto era o sentimento de querer ele aqui, por mais algumas horas, que por mim chovesse mais algumas horas, que ele pudesse ficar aqui e ser sua nova morada. Acho que ele nunca soube desse meu lado mais emocionado mas eu transmitia bem a naturalidade nas frases para que ele não se sentisse em perigo, no fim das contas, ali e comigo foram nossos pontos de reforma de toda nossa ruins emocional, do tanto que desmoronávamos em mágoa e anseios passados mas que ainda reverberavam acesos em nós. Nessa conversa, ele contou a sua situação com a sua mãe, suas questões quanto a si mesmo e eu nunca poderia imaginar que alguém como ele lidaria com esse tipo de problema, alguém com uma aura tão alegre e pura. Aparentemente, as aparências enganam, largos sorrisos escondem feridas profundas que não somos capazes de enxergar. Lembro de ter dito algo como amparo a ele e só recebi seu sorriso agradecido que foi o suficiente, como quase para todas as minhas outras afirmações e um olhar confortável se mantinha como um reflexo de mim mais novo, esperançoso e um pouco introvertido. Me dando conta do presente, mal posso acreditar que estou com ele aqui agora, nessas circunstâncias e com o quanto que suportamos juntos, provando àquele que eu mais amo nunca a desistência desse sentimento que provo sentir. Me viro para ele, o admiro por algum tempo, ele nem percebe mas é assim que eu prefiro, sem que eu precise me justificar pelo olhar apaixonado e sorriso bobo, a expressão que não se pode renegar e que nunca vou me cansar de exprimir ao estar na presença de Calvin Minsky. Você realmente não sabe o quanto você me provoca, mas talvez um dia você saiba o meu segredo, o meu amor inefável por ti.

O carro estaciona aos poucos, a felicidade é indescritível e ainda estamos 20 minutos adiantados da chegada do voo, acomodamos nossas bagagens no porta-malas, aos cumprimentos e sorridentes durante o trajeto, não em tom fúnebre ou deprimido como eu esperava que fosse. Acho que cada coisa tem o seu momento, agora é a hora de voltar às nossas raízes, dizer que amamos e sentimos saudades aos nossos e aproveitar o aconchego do nosso lar que não se substitui por luxo em canto nenhum do mundo. O silêncio segue mas não desconforta, todos parecem reflexivos e observadores, e ao chegarmos, despachamos tudo à porta de entrada e paramos um minuto.

- Foi um prazer trabalhar com vocês. Isso aqui é muito mais que um serviço para mim, é uma paixão que eu me encarrego de exercer.

- Só não posso dizer que volto sempre mas agradecemos a prestação de serviço com tanta excelência e que a disposição dure por muitas viagens. - nos agradecemos mutuamente e acenamos ao vermos ele partir, adentramos o aeroporto para esperar como o mínimo de comodidade, caminhando para o momento mais esperado por todos nós que nos separa por oceanos e fusos horários.

Apenas Segure A Minha MãoOnde histórias criam vida. Descubra agora