Capítulo LXVII (Parte 2/2)

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Já posso ver, mesmo que distante, um círculo de pessoas amontoado em uma calçada, algumas fotografavam e outras só bloqueavam a visão, observando algo que elas centralizavam.

- Parem de fotografar e fazer vídeos, por favor. Não tem nenhuma atração turística ou exposição de arte aqui. - não sou ouvido por muitos ao me aproximar por ser mais um deles que querem ver um entretenimento trágico, mas outros parecem atender ao meu educado pedido. Reluto para olhar mas preciso confirmar quem e o que eu penso que é mas eu me culparia se eu voltasse para casa sem saber do que se trata. Com a vista parcial, o sangue era claramente nítido no chão e em alguns pontos, já fazia parte do concreto da calçada e uma mão estirada com os dedos entreabertos, e já era o suficiente para identificar a Josephine pelo adereço que ela usava sem sequer ter visto o resto. A Josephine sempre se destacou por tudo o que usava, a autenticidade era sua marca e seguir padrões em toda a aplicação em sua vida nunca foi seu requisito maior. Não sei se tenho estabilidade para prosseguir com a observação e sinto meus olhos marejarem e meus lábios tremerem, minha face se contrai como se quisesse esquecer tudo o que viu e minha garganta dói, típico de quando tentamos segurar o choro.

- O que aconteceu aqui? - pergunto a uma das pessoas que estava ali que mostrava completa compaixão e empatia pela Josephine e também não havia registrado aquilo em seu celular como se aquela cena merecesse lembranças.

- Parece que a moça foi agredida por todo o corpo com um cone de trânsito que interditava a passagem na calçada. Eu passava aqui no momento que alguém a parou e disse que ela não poderia passar aqui, ela deu de ombros e seguiu, com xingamentos atingindo suas costas, e não o seu coração. Não satisfeito em tê-la atingido com suas palavras, resolveu atingi-la com o primeiro objeto que viu a sua frente. Ninguém tentou impedir mas todos se atentavam, por sorte uma caminhão de coleta de lixo passou por aqui e perceberam a agressão, prontamente vieram e imobilizaram o agressor e o colocaram no seu devido lugar. Ele foi encaminhado para a delegacia, mesmo que eu já tivesse ligado para a polícia, dentro da caçamba do lixo, devidamente transportado. Que por mim fosse encaminhado para o lixão, e não para a prisão. - ela me dá todo o depoimento, enquanto pisco os olhos e respiro fundo, sem poder acreditar que essa era a minha irmã.

- E-ela... está m-morta? Não pode ser isso... MEU DEUS, NÃO PODE SER!!! - algo tão absurdo não pode estar acontecendo, ainda mais com ela. Até aqui não seguro o que está preso em mim, toda minha indignação e toda a minha tristeza são expostos no meu momento mais frágil e não me conforta saber que levaram o agressor, já que ele primeiramente levou a minha Josephine de mim.

- Creio que sim, não há sinal de pulsação e pela imobilidade enquanto ele ainda a acertava, ela já parecia no mínimo, inconsciente. O sangue já pôde evidenciar o seu fim, antes mesmo que ele viesse. Você parece bem comovido... O que você era dela?

- Eu era irmão dela... Josephine era o seu nome. - as lágrimas saem em disparada, metade de mim parece ter sido levado com ela, e meus olhos parecem vermelhos pelo motivo mais triste que poderia ser. - E você a conhecia? Parece bem tocada também, apesar de uma morte ser tocante de se presenciar e ter se compadecido tanto.

- Mais uma de nós perde a vida, a oportunidade de viver sendo interrompida pela violência, pela negligência do governo atual e por termos falhado como sociedade em matéria de ética, preenchendo uma estatística onde ela não deveria estar, tendo sua vida mais uma vez ignorada por números que mais parecem catalogar objetos, do que vidas. - sou capaz de olhar pela última vez o corpo para captar todos os detalhes, não era assim que eu gostaria de a ver pela primeira e última vez depois de muito tempo mas infelizmente fui acostumado a ver o corpo da minha irmã nas mais deploráveis e desumanas situações. Seu corpo repousa por tempos no chão, como resultado de toda a rejeição e descarte da sociedade, sei que era assim que muitos a desejavam ver, principalmente o filho da puta causador disso, o corpo humilhado e desnudo em certas partes, certamente defendendo bravamente a sua vida por ela e por todas as suas irmãs e irmãos que iam além da conexão sanguínea. Sou impedido de tocá-la mas não há quem me impeça, seu sangue fresco mancha minha mão e minha roupa sem qualquer repulsa enquanto esperamos pelo socorro e pela assistência que chega depois, e todos se afastam para que ela seja recolhida e ter acesso ao pouco de privilégio que ela merecia em vida. - estou inconsolável, uma dor descomunal me consumia e me despeço do seu corpo indiretamente para que ela vá em paz ao destino que fosse. A moça ao meu lado e logo depois, a moça do abrigo onde a Josephine vivia, oferecem suas condolências e se dispõem para qualquer serviço, seu corpo moribundo é finalmente levado, após minutos de espera, e a arma do crime é deixada para trás, com as marcas que não vão se apagar da injustiça, e dificilmente, da minha mente. Todos antes presentes se vão aos poucos, já presenciaram o trágico espetáculo e vão em busca de algo mais interessante para ocuparem suas vidas tão mediocremente vazias. Espero que tudo se encaminhe conforme a justiça divina queira, mesmo que eu tenha perdido a minha Josephine, que ela possa ocupar um lugar decente que ela tanto buscou aqui na terra mas que tiraram dela covardemente e que o culpado disso tenha o mesmo destino de ocupar o lugar que ele tanto merece.

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Passada uma semana de todo o fatídico ocorrido, a imagem da Josephine me causava ainda alguns arrepios mas as boas lembranças ainda me restavam, o que me livrava um pouco do assombro que era o luto recente. Ter a Carolina nesse momento ainda mais difícil da minha vida, que atingiu o ápice total da desilusão na minha vida e a fez mudar para sempre , foi essencial para que eu tivesse alguém com quem aliviar minhas dores e desabafar quando tudo tivesse prestes a desmoronar dentro de mim. Inclusive, ela se solidarizou em voltar e me ajudar a administrar e acompanhar de perto o velório da Josephine, um momento que com certeza, marca sem a intenção de machucar mas sim, de fazer viva a imagem eterna dela enquanto descansa. Agora, temos a obrigação de viver com a responsabilidade de vivermos por mais uma vida, sem a intenção de perturbar seu descanso ou que a inquietasse de alguma forma, tenho certeza que ela gostaria que vivêssemos cada minuto e seguissemos nossas vidas da forma mais incrível e despreocupada possível. Com certeza, algum evento futuro deve marcar para sempre a memória eterna da Josephine onde possamos viver muitas emoções e que cada sentimento vivido será em sua homenagem. Depois de mais algum tempo, por ter me responsabilizado por todos os compromissos relacionados ao seu funeral, sou contemplado a assumir todos seus pertences e pretendo conservar todas as suas conquistas como ela gostaria que elas fossem mantidas com todo seu suor e esforço dedicados. Mas nem tudo é tão superável e facilmente esquecido assim, lembranças doloridas ainda me fazem perder o sono e ocupam minha cabeça prolongadamente, nossos pais nem devem saber da notícia e nem quero, pois eles decidiram que ela fosse mesmo antes dela partir daqui. Lembro de nossos momentos mais jovens, do tanto que ela gostava dos nossos momentos de histórias e aquela com qual ela tanto se identificava, sonhava conforme queria mas os destinos improváveis dessas histórias, de uma pequena jovem e de uma pequena criatura que foram abandonadas, rejeitadas e excluídas, buscaram suas liberdades mas que assim que conseguiram, tanto incomodaram, que as fizeram partir daqui sem se despedir do que poderiam e de quem amavam.

                                        Flashback: OFF.

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