Tento me concentrar em escolher uma daquelas portas mas sem demora, pois se eu errasse, não haveria volta ou segunda chance, apesar de acreditar na hipótese que só havia o Calvin e sua mãe mas preciso ser ágil pois a qualquer momento, ela poderia retornar e sem contar que ele poderia estar precisando urgentemente do meu socorro. Diante do corredor, posso ver pegadas molhadas de uma das portas fechadas cruzando para outra porta que não estava fechada, um rastro líquido avermelhado escorre por debaixo da porta que estava fechada e nem disfarço meus olhos espantados, só na hipótese de imaginar que aquilo poderia ser o sangue do Calvin. Enquanto eu me aproximo daquela porta, sem sombras de dúvidas, posso ouvir o som de um rádio que toca algo mas nem me importo, levo a mão ao trinco e a abro, dessa vez, sem ranger. Empurro a porta enquanto ela abria devagar, mas sem que ela batesse e me deparo com a cena mais irônica da minha vida: o Calvin dentro de uma banheira, pleno e com os olhos vendados, como se estivesse em um SPA, e não durante um sequestro, com meio mundo do banheiro com água e sangue e chego mais perto com rapidez para verificar se aquele sangue era realmente dele. A água de dentro da banheira está límpida e ele continua imóvel, sinto muito por ele mas vou ter que assustá-lo para nos apressarmos, seja o tocando, o chamando, ou o gritando mas antes que eu pudesse decidir, diante da figura dele, socos violentos podem ser ouvidos na porta da frente, constantes, seguidos de gritos contra a madeira que suportava o impacto bruto. Opto pelo menos pior, o tocar, estando já com medo, não tendo o sentido com tanta intensidade e ele se espanta um pouco e quase grita, seu semblante paralisa seu corpo e nem reage, mesmo que seu instinto e sua vontade interna quisessem. O desespero de quem bate na porta apazigua e esse alguém parece desistir e me acalmo mais ao ver ele aqui, aparentemente bem e sem ferimentos físicos, me fitando sem a sua faixa de pano e me agarra todo encharcado sem que eu desse a mínima e me aperta como se nunca quisesse me perder novamente. Retribuo o seu abraço que eu tanto esperava, mostrando sem palavras que tudo está bem e que podíamos voltar porque tudo acabou.- Me desculpa, Calvin...
- Aqui não é o momento, Murray.
- Então, vamos? - eu estendo a mão a ele para salvá-lo e ele se apoia para sair dali de onde estava imerso. - Esse banheiro está um caos. Em compensação, você parece ótimo. Ao invés dela te amarrar e te fazer de prisioneiro, ela te concede um dia num parque aquático ou num clube?!
- Estou tentando aproveitar o mínimo antes de ir embora para um outro lugar... Antes que você me pergunte, sim, eu iria para outro lugar.
- Então, parece que cheguei a tempo. Tenho tanta coisa para te cont... - sou interrompido por um terrível estrondo de demolição, que abala a estrutura da casa e nossos corpos tão assustados, nos entreolhamos, perdidos mas receosos de querermos ir ver o que houve. Acho que, definitivamente, houve uma colisão por conta do som ter sido muito próximo, como se algum veículo tivesse se chocado contra a parede da casa ou até atravessado e invadido a casa pela violência do choque. Consumido pela curiosidade inquieta, o Calvin sai em disparada para verificar o que havia ocorrido, tento o impedir mas ele já havia atravessado a porta e espiono, apenas com parte do rosto para fora para não atrair tanta atenção. Ele afirma ter fogo, estando ele a poucos metros de mim e confirma o meu pensamento, diz que a parte frontal de um carro está em chamas, em tempo de explosão e atravessado à parede, já demolida. Há fragmentos por toda parte da sala e a fumaça começa a subir ameaçadora e ele diz avistar a sua mãe dentro do veículo, mesmo que a vista estivesse bloqueada por tanta fumaça. Ele volta para cá e pelo fato dele ter narrado todo o acontecimento, ela deve deduzir que ele está acompanhado e não vai tardar a nos procurar e tentamos bolar um plano de fuga que não fosse pela porta da frente. Nós ouvimos outro estrondo e só pode ser de explosão, que soou diferente do som da colisão demolindo a parede, nos agachamos na hora mesmo que tivéssemos fechado a porta e nos levantamos para abri-la, que está parcialmente danificada inevitavelmente pelo incêndio. Caminho até a divisão do corredor para a sala e posso perceber que ela está completamente tomada pelas chamas e não há a mínima chance de escaparmos pela porta da frente, ela surge rastejando pelo chão detrás do sofá, com alguns ferimentos e sangramento pelo corpo e o fogo está quase ao seu alcance. O Calvin vem logo atrás de mim e também vê aquela criatura ensanguentada, ferida pelo impacto da colisão e também da explosão, a fumaça preta predomina e impossibilita a nossa visão e a nossa respiração e a cobre, impossibilitando, agora, de a enxergar. O som da crepitação, do fogo dominando tudo o que toca, é muito alto e eu permaneço no mesmo lugar, encarando o fogo e pensando em algum modo de escaparmos, mas logo, a fumaça sufocante toma conta da atmosfera e também da minha respiração. Sinto meus sentidos desaparecerem aos poucos, minha cabeça está tonta e minha garganta arde de tanto tossir, para tentar expelir aquela fumaça que inalei tanto. Meus olhos fecham quase involuntariamente e não posso fazer nada a respeito, cambaleio e minha cabeça gira antes de eu cair, definitivamente, no chão.
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Apenas Segure A Minha Mão
RomanceCalvin Minsky é um garoto de 17 anos, promissor mas que ainda não enxerga em si potencial e está afundando em seus próprios dilemas emocionais. Sendo filho único e sem uma figura paterna presente dentro de casa, tem de conviver com sua mãe autoritár...