Capítulo XL

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Depois de muitos baldes de água e bastante trabalho braçal, eu posso descansar na banheira e a água levemente fria relaxa meus músculos e respiro fundo pelo relaxamento do meu cansaço. Eu fecho meus olhos e vejo toda a minha vida passar diante da minha consciência, como se eu estivesse der frente para o telão do juízo final, sendo julgado por todos os meus erros, meus pecados, minha benevolência e minhas cooperações na Terra. Não sinto vergonha ao relembrar, nem arrependimentos, um pouco de dor apenas me incomodo lá no fundo por ter arcado com esse ônus sozinho, mas não há mais tempo para lamentos ou investigar um culpado; eu também poderia ter feito algo para mim, ter me entendido um pouco mais e ter filtrado bastante os comentários positivos dos meninos que sempre me apoiaram e me deram sempre um sustento espiritual de paz e calmaria. Poderia ter me amado um pouco mais, cada parte do meu corpo, ao invés de me marginalizar tanto aquela imagem na frente do espelho e eu poderia ter me proporcionar um pouco mais de alegria para mim, ao invés de desgosto e reprovação ao me olhar. Acho que pude enxergar um pouco mais de mim através das lentes do Nathan, que eu não deveria me tratar assim e perceber que o amor próprio e a autoconfiança eram os bens valiosos com os quais eu poderia me apresentar, além de bens materiais. Por que ao lado deles, eu poderia sentir a felicidade, porque eu não tinha, porque eu não sou feliz, eu me sinto feliz, em específicas ocasiões mas ainda me sinto. Minhas mágoas do passado parecem não me assombrar o suficiente e para complementar o combo da minha infelicidade, ela me aparece de novo na porta, não bastado a última vez e é curta com as palavras.

- Estou indo de vez verificar as últimas coisas para irmos. Espero que quando eu voltar, você já esteja preparado, aliás, você não tem o quê levar daqui ou do que se despedir, apenas a sua carcaça. - ela deixa o banheiro após dizer o que só ela acha que é conveniente ser dito e aperto mais meus olhos mas nem as gotas da água no meu rosto não podem esconder a minha lágrima na bochecha, a palavra final me amedronta e eu preciso aproveitar o pouco de silêncio e paz que me resta. Sinto um pouco de alívio por ela ter confiado em mim, pensei que ela poderia me amarrar ou me manter preso imóvel, mas em compensação, trancou e bloqueou toda a possibilidade de passagem para fora daqui mas pelo menos estou livre parcialmente, se é que isso é motivo para se agradecer. Só queria poder dizer ao Nathan que eu não pude, tentei resistir mas esse foi o meu limite, ela logo voltará e me levará e agora, não há mais nada que possamos fazer, apenas aceitar o triste fim que se concretizou. Onde quer que você esteja, não chore por mim, lembre de mim como o seu impulso e como sua vontade de viver, já que eu não pude ser a minha própria e logo serei recolhido daqui, destinado a meu ponto de repouso. Me levanto daqui apenas para pegar o lençol que estava na minha cama, que me serviria de toalha e rasgo uma parte dele, cubro meus olhos e amarro as pontas na nuca, voltando calmamente com os pés molhados, e consequentemente, também deixando o chão assim. Minhas ilusões permanecem ocupando a minha cabeça e movimentando o meu cérebro para que ele não pensasse apenas em desistir de tudo e só espero que só tenha se passado alguns minutos pois nunca desejei tanto que o tempo passasse tão devagar em toda a minha vida, para que ela não voltasse cedo ou até, que nem voltasse nunca mais. Meus pensamentos de angústia são interrompidos por guinchos de rato, deduzo por já ter me deparado com alguns aqui e logo arranco a faixa improvisada para verificar, receoso que o tal rato pudesse, de alguma forma, conseguir subir aqui. Percebo que eles não desistem fácil e estão em toda parte, na minha tentativa de enxotá-los com fortes punhados de água arremessados contra eles, consigo espantar alguns mas ainda resta dois, que começam um combate corpo a corpo entre os dois. Aprecio aquela luta por território, imóvel, após ter desistido de inundar ainda mais o banheiro tentando expulsá-los, sem contar que quando entrei, a água expeliu para fora pela grande quantidade e depois de tanto guincharem e se atacarem, um deles abocanha o pescoço do outro rato e parece perfurá-lo, fazendo o sangue escorrer logo e se misturar com a água empoçada, alcançando a beira da porta, agora fechada, quando me levantei para que eu não fosse inconvenientemente incomodado. O ratinho canibalista permanece ali a saborear o sangue do seu rival como vinho seco e não consigo continuar vendo aquilo, continuo a espantá-lo com mais água e mais mira e ele finalmente, foge dali com a presa agarrada em sua boca para o ralo destampado próximo à pia e à porta, deixando mais rastro de sangue diluído em água, que agora, atravessa o limite por debaixo da porta. Depois de todo o tumulto, resolvo pôr de volta a minha faixa amarrada mas o chiado prolongado do rádio acima do armário suspenso, inusitado e quase impossível, toca alguma música de repente mas não o culpo pelos meus sentidos vitais comprometidos pelas horas sem alimentação e sem hidratação.

It ain't the gun

(Não é a arma)

It's the man behind the gun

(É o homem por trás do gatilho)

Gets blood on his fingers and runs

(Que suja seus dedos de sangue e corre)

It ain't the lie

(Não é a mentira)

It's the way that the truth is denied

(É o jeito que a verdade é negada)

... Call it suicide

(... Chame de suicídio)

Don't fabricate, just tell them, baby

(Não invente, apenas diga a eles, amor)

It was suicide

(Foi suicídio)

Don't sugarcoat, just tell them know

(Não adoce as coisas, apenas deixe que eles saibam)

It ain't the knife

(Não é a faca)

It's the way that use it

(É a maneira com qual a usa)

... It was suicide

(... Foi suicídio)

Don't sugarcoat

(Não adoce as coisas)

Just let them know

(Apenas deixe que eles saibam)

Os versos repentinos de Suicide parecem me encorajar a cometer o ato pensado por mim, ludibriando meu sensorial para me aliciar a aceitar a realidade que eu estou tentando adocicar e me render à saída. Sinto muito por ter fomentado esse mal, de ter o alimentado com o meu medo e com a minha insegurança, para que no fim, ele quisesse me devorar mas ele não pode o fazer, a menos que eu dê o poder a ele de fazê-lo. Vendo novamente os olhos, à procura de descanso mental, depois de tantas perturbações irreais e alucinógenas e de tanto tumulto de pensamentos e recordações pessimistas, apoio calmamente meu pescoço na borda da banheira, buscando me sentir são para não delirar e não enxergar figuras e sinais inexistentes diante dos meus olhos.

Apenas Segure A Minha MãoOnde histórias criam vida. Descubra agora