Capítulo XXII

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À noite naquele mesmo dia...

Acordo até mais disposto, já são quase 19:00 e eu preciso me ocupar com alguma atividade para não me entediar, esperando  o dia de amanhã. Claro que nos meus planos estão inclusos o Peter e a Kim, penso em algo que possamos fazer estando juntos para então, ligar para ambos. Convido eles para uma ligação simultânea, para então convidá-los para a minha casa, mas antes mando uma mensagem e assim eles atendem, respondendo também no privado.

- Quando vai ser o reencontro do "quarteto fantástico"? - a Kim diz diretamente, pulando os cumprimentos e todo tradicional ínicio de conversa.

- Morrendo de saudades de vocês também. Eu quero essa reunião para hoje. - o Peter parece digitar com empolgação pelo total de exclamações ao finalizar.

- Eu também estou. Nós... na verdade. E vai ser hoje mesmo, se quiserem. Precisamos esclarecer algumas coisinhas... - perco a animação ao lembrar da minha solitude e da notícia da qual eles ainda não sabem mas tento parecer convincente para que eles aceitem.

- Ui, adorei. Algo para melhorar minha programação tediosa. - o Peter assente, todo animado.

- É claro que topamos. Tudo para deixar um pouquinho de lado essa rotina tão monótona. - a Kim também assente empolgada mas não sei se esse é o tom para o assunto que eu vou discutir com eles. Poderia até introduzir aqui mas prefiro não comentar ainda por aparentemente não saberem a seriedade dos fatos e pensarem que se trata apenas de uma roda de fofocas e de intriga alheia.

- Então, estão todos convidados para minha mini festa de pijama.  Vão se preparando bonequinhas de luxo, que logo vou buscar vocês. - mantenho o meu tom entusiasmante, sem perder a esperança de que a noite nos reserva muitas emoções mas que possam se equilibrar para que não se perca a essência de estarmos juntos. Anseio mentalmente, especulando como eles vão reagir à notícia do acidente e ainda por cima, da "internação", como vai ser daqui para frente de toda forma mas espero receber apoio e compreensão e que possamos debater durante todo o decorrer do noite. Vou logo me aprontar ao nos despedimos na ligação, tomo meu banho me apressando pelos 45 minutos de prazo que dei a eles e foi mais que o suficiente por me desafiar com um prazo que eu mesmo propus. Com 8 minutos restantes, termino o restante que não faz parte da minha arrumação e aviso que estou saindo, com antecedência e ansiosamente adiantado. Estou à porta do Peter, nem preciso chamá-lo, buzinando ou gritando, pois ele sai logo no portão, com algo globular reluzente nas mãos e com uma mochila aparentemente cheia nas costas, por conta do seu volume. Nos cumprimentamos ao entrar e ele se senta no banco de trás, parece não sentir a ausência do Calvin e permanece assim, quieto até chegarmos a casa da Kim. Ela também já estava à nossa espera, ela nos cumprimenta pela janela com um beijo, com algo retangular nas mãos e com sua fragrância doce que logo impregna no ar. Chegamos finalmente e eu abro a porta porque eles possam passar primeiro, a trancando em seguida, para que a nossa social não seja interrompida por nada e nem ninguém. O Peter põe a sua mochila no sofá e então, nos sentamos nas almofadas jogadas no chão e formamos um círculo, juntos não pelas mãos, e sim, pelo toque de nossos joelhos. Respiro fundo antes de meu depoimento, procurando as palavras e a seriedade para não parecer uma pegadinha, mas nem tanto para não parecer uma catástrofe irreversível.

- Galera, essa nossa reunião hoje, foi por um propósito muito maior do que futricar, fazer graça e gargalhar até nossos pulmões se cansarem. É pelo Calvin, sei que vocês devem ter estranhado a ausência dele no carro e aqui entre nós e eu nem sei como dizer isso, porque tem uma carga tão grande e pode custar a nossa amizade e até a vida do Calvin. - eles parecem perceber agora e continuam atento pelo meu rodeio nada direto e misterioso. - Acontece que ocorreu um acidente com o Calvin e ele está agora no hospital, sob cuidados especiais e esperamos pela sua recuperação com sucesso. Sei que essa notícia e esse climão podem estragar toda o encanto e a magia dessa noite mas me senti na obrigação de contar a vocês, sendo a maior causador de tudo isso. - todos estamos estáticos, com o tensão no ar, paralisados recapitulando o fato em nossas mentes, até eu e não consigo erguer para olhá-los pelas críticas justas. Sou surpreendido por braços que me rodeiam carinhosamente, diferentemente do que eu esperava e com palavras de conforto e acolhimento, com seus semblantes esperançosos pelo melhor.

- Vai ficar tudo bem Nathan, principalmente com o Calvin. Nós estranhamos, acredito eu, a falta do Calvin no carro, porém imaginei que fosse pelo fato dele ser muito sonolento e estar apenas descansando para madrugar junto com a gente. Mas já que ele está lá, esperamos que não seja tão grave e vamos nos ajudar, mandando energias positivas para o Calvin, e você vai cuidar bem dele. - o Peter me aconselha, levantando meu queixo para que eu encare seus olhos e essa situação com a coragem necessária e a Kim assente enquanto ele fala, segurando a minha mão.

- Eu só queria me livrar de tudo isso, desse sentimento de culpa quase inevitável e o peso da responsabilidade que eu não tive pelo seu cuidado mas sim, pelo seu acidente, para estar lá segurando a sua mão e dizer que está tudo bem mas nem isso posso fazer. Eu só queria poder trazer um pouco de felicidade para ele e que podemos passar pelas dificuldades sem tropeços e que nem tudo precisa ser visto da pior maneira, e ser seu apoio, sem motivo de sorrir, de ter boas recordações, de ser sua alegria e nunca, o motivo de seu choro e da sua tristeza. Mas eu não passo de um fracassado sonhador, que só sei fazer e trazer mal às pessoas e afastá-las de mim com minha síndrome de super-herói. Eu só queria tê-lo aqui conosco, para ele ver o quão suficiente ele é por ele mesmo e para nós e que não é mais um na multidão, muito pelo contrário, que com sua coragem, sua perseverança e sua determinação, me fez me apaixonar por ele. Mostrar a ele que alguém pode amá-lo de verdade, sem limites, sem que seja fruto de pena ou compaixão, mas não fui capaz e espero não ter o decepcionado das esperanças do amor e de suas consequências. Talvez ele desista de mim e das minhas promessas, das minhas tentativas vazias e de toda bagunça sem solução que eu causo mas que ele nunca desacredite do amor que um dia ele me fez sentir. - se até aqui eu queria esconder algo e parecer superficial, o desabafo é inevitável e me desmorono na frente deles, sem me suportar o peso que seguro dentro de mim.

- Não diga isso Nathan. O Calvin te ama, nós sabemos, e ele ficaria arrasado se você fosse ou desistisse. Você mostra estar arrependido e ele vai te perdoar, basta mostrar isso em atitudes para ele e garantir que nada disso se repita novamente. - a Kim também me consola, comovida mas sorria, querendo me desfazer de toda a dor e angústia.

- Verdade Kim, deixar o Calvin em paz, só nos deixaria em pedaços... - eu digo, aderindo à confiança dela e um pouco mais esperançoso e aliviado.

- Vamos nos divertir um pouco, temos uma noite maravilhosa para aproveitarmos, com muito festejo, reboco e gritaria. E Calvin, seja lá onde você estiver, fique bem logo porque não vamos aceitar você entre nós como uma presença espiritual. - o Peter se levanta para nos agitarmos, liga o seu globo de luzes giratório, sendo essa a única fonte de luz presente e estendemos as mãos, estando uma sobre a outra para celebrar a noite pré-recuperação do Calvin.

A noite se resumiu em tudo o que o Peter definiu e estamos roucos, com os corpos moídos e gastos e as pernas atadas como um nó de sapato. Ríamos muito quando nós dançávamos ou tentássemos ir a outro lugar com a pouca luz que o globo fornecia e tropeçávamos ou caíamos ao som das músicas que tocavam sem moderação. A roleta aleatória de emoções nos fazia saltitar, chorar, descer até o chão , criar coreografias improvisadas e não podia faltar o clássico karaokê, de objetos como microfone e com vocais, no mínimo, exoticamente desafinados, soavam semelhantes a um abate de porcos em um matadouro. Depois comemos e bebemos, agradecendo mentalmente por ter comprado umas besteiras a mais, o Peter trouxe a sua paleta de sombras escondida na sua mochila, com cores fortes, e depois fizemos um desfile digno de ballroom, proposto pelo próprio Peter, com muitos passos de voguing orientados pelo mesmo, com direito a júri e categorias. Jogamos uno que a Kim trouxe, era a profissional das cartas, me fazia roubar horrores do monte de cartas e o Peter sempre queria bisbilhotar nosso jogo e fazia cena quando pegávamos ele em flagrante. Jogamos diversas partidas, a Kim era a recordista em vitórias em disparada, eu fingia aceitar perder mas o espírito competitivo do Peter não concordava tão fácil e sempre queria revanche mas não dava muito certo. Nos rendemos ao cansaço e estamos aqui, prostrados no chão, recuperando o fôlego e a noção do tempo, a Kim e o Peter já tinham um plano para passarem a noite fora e nos deitamos aqui mesmo, nos escorando uns nos outros, sem nos preocuparmos com o conforto e a modormia naquele tapete felpudo da sala.

Apenas Segure A Minha MãoOnde histórias criam vida. Descubra agora