Ela se mantinha sorridente à minha hostil e deplorável situação enquanto eu me sentia vão e condenado a viver tudo o que um dia ela me desejou por ser quem eu sou, mas não vou me culpar ou me menosprezar pelo baixo astral dela ou pelas maldições dela, vou encarar isso, seja lá o que for, como uma terapia intensiva para testar a minha sanidade ou exterminá-la de uma vez por todas. O tempo é duvidoso mas posso concluir que estamos a, mais ou menos, 50 minutos em estrada por estarmos entrando em NorthSide City, aquela placa de boas vindas pichada e levemente destruída me parabeniza pelo meu novo destino e pela minha chegada ali, pela minha improvável estadia e subjugado futuro.Ela estaciona em frente a uma casa aparentemente abandonada e destroçada completamente, se eu não morrer nas mãos dessa louca, vai ser pelo desabamento dessa casa velha. Ela arranca do bolso um bolo pequeno de chaves e parece encontrar a que abre essa porta, que seria facilmente derrubada por um assopro. Não me lembro de nenhum momento da minha vida ter ciência desse cativeiro como minha herança mas agora é irrelevante pensar nisso, mesmo ela tendo em mãos a chave que abre essa porta e ter acesso à toda a casa e logo em outra cidade. Ela abre a porta para mim num ato de educação farsante e eu agarro a maçaneta antes de desfilar porta adentro, para não parecer que eu estou atendendo a mais uma ordem sua e entro com semblante de desprezo e nojo, por ela e por esse cativeiro mobiliado. Todo o interior da casa faz jus ao exterior, a aparência e a atmosfera aqui é assombrosa e completamente sem vida, os móveis quase inexistentes estão cobertos de poeira e assim, como todo o resto, sujo e sem cuidado e mesmo que pareça estranho, eu só tenho que explorar aquela casa. Pelo menos é grande e parece ter vários quartos, ao menos não vou precisar dividir espaço com a fugitiva do hospício, encontro um deles e analiso tudo ali presente.
- Não se incomode com a casa, amanhã mesmo vamos para outro lugar com tanto luxo que você nem merece. Aproveite a mordomia enquanto ela existe. - ela se aproxima e diz, mais perto do que deveria, eu nem me movo, apenas observo o horizonte daquele quarto que mal me abriga e já terei que dizer adeus. Ali havia uma cama, um pequeno guarda-roupas e uma janela tão pequena que eu nem sabia se ela abria, e com esse quarto digno de presidiário, abro o guarda-roupas e encontro lençóis dobrados e alguns travesseiros aparentemente limpos, as únicas coisas meramente conservadas dessa casa. Arranco tudo que está na cama já usado e a forro com tudo novo, me deito e aquele teto é a minha distração mais atraente naquele momento. Meu corpo está relaxado ao inspirar e expirar em seguida mas minha mente está inquieta e a minha alma, mais ainda, querendo sair desse corpo a qualquer custo e me sentindo um brinquedo frágil nas mãos de uma criança doentia e pretensiosa que fere, deixa de lado mas nunca larga porque nunca perde a função de entretê-la. Minha bexiga aperta tanto quanto meu coração, levanto para procurar um banheiro e pelo que ando, até encontrá-lo, a "minha dona doentia e pretensiosa" parece não estar mais por aqui. Naquele minúsculo banheiro havia apenas uma pia, um armário suspenso que apoiava um rádio que funcionava alternadamente a pilhas, um vaso e uma enorme banheira, que ocupava maior parte daquele cômodo, que mais parecia um mictório gigante. Volto para o quarto e percebo com mais atenção que as portas e as janelas foram fechadas e trancadas com cadeados aparentemente resistentes a sabotagens mas sem conferí-los mais de perto, como se fossem feitos de titânio. Envolto aos meus pensamentos novamente deitado, penso no quão é difícil lutar e sempre querer a liberdade, mas no fim, na vitória e na celebração, é só você por você mesmo e te faz repensar se era isso realmente que você queria, livre porém sozinho, mas não vou duvidar, eu preciso de mim antes da companhia de alguém e não vou deixar que me façam revisar cada decisão e cada sentença que passei. Ter a liberdade é um sinônimo de conquista, é um mérito já adquirido para uns e um processo em andamento para outros, mas lutem por ela, por um direito que é seu, seja se livrando de uma amizade tóxica, um relacionamento abusivo, um convívio problemático, um laço familiar conflituoso, enfim: seja livre. Olhar aquele céu tão extenso, apesar de estar o vendo por uma janela quadriculada e tão minúscula quanto um olho mágico, fortalece ainda mais essa pauta e ver aqueles pássaros livres e tão cheios de propósito me faz invejá-los por terem a liberdade de que tanto desejo. À minha frente, tenho a limitada visão do céu azul, da grama de textura única que poderia se igualar às nuvens mas ao me virar, sou obrigado a encarar a dura realidade, acompanhada de objetos inanimados, animais que me rondam, desde as aves libertas no céu até às baratas que rastejam por aqui, talvez atraídas pela imundície atrativa, e por uma criatura sórdida que faz do meu futuro, uma incerteza, que é a minha mãe. Enfim, sobreviver aqui por conta própria como um selvagem na floresta não será nada fácil e eu espero que o Nathan venha logo pois passado alguns dias, será impossível estabelecer qualquer tipo de diálogo.
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Apenas Segure A Minha Mão
RomanceCalvin Minsky é um garoto de 17 anos, promissor mas que ainda não enxerga em si potencial e está afundando em seus próprios dilemas emocionais. Sendo filho único e sem uma figura paterna presente dentro de casa, tem de conviver com sua mãe autoritár...