Capítulo LXXIII

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Acordo com a memória lúcida dos meus sonhos, em maioria sobre a noite passada, que nem precisara de que eu fechasse os olhos e adormecesse para que fosse um. Movo a mão o suficiente para não sentir o Calvin do meu lado e apenas abro um dos meus olhos, por a janela já estar aberta, pressionando o outro olho e arqueando a sombrancelha. Direciono minha visão, a forçando, e percebo uma silhueta de pé em frente ao espelho, e só pode ser quem abriu as janelas e pôs essa música suave que toca ao fundo. Abrindo agora os olhos de vez, posso identificar o Calvin apenas de cueca e com uma blusa minha de botões, que não dura muito em seu corpo, e ao jogá-la na cama, percebe meus olhos que o observa quase que secretamente à sua análise a vontade.

- Te acordei?
- Só me fez ter vontade de abrir os olhos, com uma vista dessas. - ele continua silencioso, e o observo melhor, agora com sua ciência. É um pouco mais magro do que o meu, posso perceber a saliência de suas costelas e do seu quadril mas as curvas são bem mais marcadas do que as minhas, que são quase proporcionais umas às outras. Ele admira as suas marcas que abençoam seu corpo, que o fizeram tão forte, como cicatrizes que claream a certeza da vitória.

- Você é maravilhoso, garoto. Para mim, não adianta essa avaliação microscópica quando a beleza está nítida a olho nu. - mesmo que ele perceba agora depois de tanta autonegação, não deixo de frisar a ele, porque a sua autoanálise no espelho mais parece um autojulgamento. - Você é quase uma princesa da Disney, injustiçada.

- Só se for uma junção de infelicidade de Aurora, Cinderela e Rapunzel: proibido de sair de casa pela família conservadora e doméstica, privado de diversão e todo o contato com o mundo externo.

- Para mim, é um conceito tipo da Bela e Tiana: dormir e acordar com o seu monstrengo desprovido de beleza externa e com o poder de um beijo, despertar o príncipe que há em seu interior e se apaixonar sem a necessidade de beleza física.

- Nem vem com essa. Não tô aqui me amando para você vir com essa neura de animal de calabouço.

- Aliás, você acordou animado, hein? Foi o primeiro a dormir e o primeiro a acordar.

- A nostalgia da noite anterior me fez levantar, aí tirei toda a roupa de ontem que dormi e nem tirei e segui para o banheiro para melhorar esse meu semblante de bêbado amanhecido e por algum motivo de força maior, eu desejei impulsadamente me averiguar em frente ao espelho. E falando em bêbado amanhecido, como deve estar o Matías? Ele entrou aqui tão arrastado que parecia um afogado arrancado do mar.

- Espero que bem. Ele também não tardou a dormir, voltou para o quarto e eu também logo depois, caí no sono.

- Será que ele já acordou para descermos para comermos ou será que ele ainda está enfiado nas cobertas? Acho que se demorarmos mais 30 minutos, a única coisa que vamos comer é arroz com fritas pelo horário.

- Ele deve ter dormido o suficiente... - sorrio cínico e me levanto de uma vez, enquanto ele continua com seus lentos rodopios em frente ao espelho, me aproximando preguiçosamente dele e me encaixo atrás dele e apoio meu queixo no seu ombro. Abraçá-lo é sempre uma sensação única e entrelaço a minha mão a sua, de forma que meu braço da tatuagem ficasse a mostra e à altura do seu peito, esperando que ele notasse algo diferente. Ele pára o olhar em um ponto fixo do reflexo mas não sei se para a tatuagem por sua reação porém não movo o braço de posição e então, finalmente agarra o meu braço, em descrença.

- Me diga que isso é só henna... - ele relê e pisca várias vezes como se fosse uma ilusão de ótica e eu logo retruco:

- E qual o problema se fosse permanente? É como eu quero gravar esse momento na minha pele. Para que eu também as minhas marcas...

- Eu adorei mas quem poderia ter feit... - ele paralisa por um momento, incrédulo novamente. - Não acredito!

- Quem mais poderia ser? Achou que eu estava treinando caligrafia a madrugada inteira no meu anti-braço?

- Acho que também vou querer um coraçãozinho, só para retribuir. Um hidrocor permanente já é o bastante.

- Vamos descer antes que o nosso tempo expire e descemos com ele se ele estiver acordado. - vou ao banheiro apenas para lavar meu rosto e nem arrumo o cabelo e saímos em direção a porta do quarto do Matías e batemos, chamando pelo seu nome.

- O rapaz desse quarto já desceu. Eu já passei por aqui mas vocês não responderam. - diz a camareira vindo ao corredor, talvez na tentativa de nos chamar novamente e voltando ao ver que estamos de pé. - agradecemos e nos desculpamos, ela sorri como tipicamente e vamos apressadamente para o nosso café da manhã que está prestes de se encerrar e tentar encontrar o cujo desaparecido.

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