Finalmente chegamos, desprendo o cinto de segurança e o apanho no colo novamente, ele rapidamente rodeia meu pescoço com o seu braço e comprime o seu rosto contra o meu peito, sem preferir transmitir a dor. Me incomoda a imagem dele de tentar minimizar a dor para que eu pareça inocente ou inculpável ou de parecer inabalável por acreditar que já passou dores suficientes para se preocupar com ferimentos a se comparar com a ferida que ele considera ser mas abrir a porta agora é a minha única preocupação, com dificuldade e por sentir uma dor que, pela primeira vez, eu não podia localizar de onde vinha. Posiciono ele deitado no sofá e uma almofada para apoiar a dia cabeça e corro para pegar o celular que deixei em casa para chamar alguma ajuda especializada e torço para que eu possa ser atentido (em todos os sentidos). Enquanto eu espero na linha, me lembro que na minha cidade só tem três hospitais: um deles sempre tem sua capacidade de leitos disponíveis quase inexistente, o outro sofre de vários problemas para se manter de portas abertas, tanto por escândalos internos e falta de investimentos financeiros, também causados por essa má reputação adquirida e o mais aceitável entre eles, que espero que possa socorrer o Calvin e que possa oferecer o mínimo de hospitalidade (juro que isso não foi um trocadilho). Uma voz masculina me recepciona, questiona o que houve e detalho o que houve com confiança e sem gaguejos para não parecer que cometi um crime e estou tentando encobrir um corpo sem vida em casa. Tudo parece ocorrer bem, ele compreende o ocorrido mas algum detalhe no meu depoimento o causa estranhamento e seu tom compreensivo parece não se manter até o fim. Ele se embaralha nas palavras, diferente de mim mas faz questão de deixar explícito o que quer dizer, se prontificando a me faz acreditar na sua desculpa absurda, quase cômica. Ele dizia que o hospital infelizmente havia sofrido um atentado de vândalos, que danificaram e depredaram todas as ambulâncias, algumas com os pneus furados e outras, até incendiadas e por essa causa, o atendimento não era possível, desligando em seguida, sem fundamento sequer e sem interesse de saber a tamanha gravidade da situação.- É, Calvin... parece que somos só eu e você. Como sempre foi. Acho que eles têm algum problema com homens que têm namorados gravemente feridos. - ele permanece inexpressivo, concentrado no que sente e me apresso para servir a cuidar dele e de seu ferimento para que não se infeccione. Claro que eu compreendo que existe esse tipo de pessoa, que quer destruir o patrimônio alheio, justo o que é destinado ao auxílio das necessidades alheias mas a sua desculpinha era tão miserável que nem ele encontrou argumentos para defendê-la, eu pensava enquanto a agonia estampada na face dele me encorajava e me fazia perceber que se não fosse eu pelo Calvin agora, não seria ninguém. Antes de aplicar algo para cicatrização ou para a assepsia, todo esse sangue seco precisar ser lavado e precisa de toda a higienização neutra, então o conduzo para o banheiro com um banco de madeira baixo, qual ele alcançasse o chão com os pés para se firmar com a minha ajuda também e com a ajuda de uma ducha, removo com jatos calmos aquele acúmulo indesejado, antes tirando sua roupa delicadamente. Peço um sinal dele quando incomodasse e improviso com duas sacolas amarradas na mão ao invés de luvas descartáveis e salão neutro novo para agir como limpador da sujeira e conforme vai se limpando, posso ver o ferimento mais nitidamente, com meus dedos fazendo movimentos circulares ao redor, e nunca diretos, com a reação contida do Calvin que mal reclamava. O sabonete parecia de um banho e assim faço, o secando completamente e com mais cautela na região atingida para então, iniciar a aplicação de algum antisséptico e bandagens necessárias. Fiz o que pude mas tenho muito ao que oferecer ainda, por ser minha responsabilidade, sendo ou não culpa minha mas mesmo assim, eu não posso e não devo seguir supervisionando sem orientação médica o Calvin e por isso, amanhã mesmo, tomarei as providências cabíveis para recorrer aos direitos dele de ser atendido enquanto vou o vestindo de volta com roupas secas e limpas. Depois de seco e vestido, é hora dos cuidados devidos e ao invés de usar algum antisséptico, eu uso um soro fisiológico que por sorte tinha em casa em desuso, após fazer uma pesquisa e descobrir que os produtos antissépticos não devem ser a primeira escolha para higienizar feridas simples e só devem ser usadas até que se forme uma casquinha e já não apresente mais riscos de desenvolver bactérias e se não fosse por isso, eu já estaria fazendo uma mistura de uma boa dose de álcool etílico e iodo. O próximo passo é cobrir a sua ferida e metade da sua cabeça com gaze e a prendo com esparadrapo, apesar da dor que ainda é presente, ele diz se sentir bem melhor, agora que seu ferimento está asseado e menos exposto, ficando feliz por meu trabalho ter tido resultado a ele, me desculpando novamente. Depois de tudo, peço que ele repouse e descanse, nem que leve a noite inteira e cedo a cama a ele, mais do que merecidamente e penso em dormir no sofá da sala mas quanto mais perto, melhor e prefiro dormir ao seu lado, em um colchão no chão porque o meu instinto obsessivo de estar perto como um maníaco é incontrolável e a necessidade de sempre rodeá-lo nunca descansa, diferente de mim, que preciso de descanso físico e mental, sem precisar nem mencionar o Calvin. Apronto toda a minha cama no chão antes de me deitar e respiro fundo ao sentir meus músculos relaxarem mas algo mais dentro de mim se revira e não me deixa são, por reprisar tudo o que houve na minha cabeça sem piedade, admirando o amarelo melancólico e anêmico (como ele mesmo disse) e ouvindo o som calmo do sono dele. O sentimento de culpa ainda me avassala, e corroe como ferrugem e mesmo que eu pudesse reverter a situação com o perdão do Calvin e que ele me confortasse de que tudo estava bem, eu não podia me tranquilizar enquanto isso, chorando silenciosamente mas a magia do amor que ele me causa não me faz querer entregar os pontos mas pena que só retribuo a ele dor e mágoa, sendo uma companhia dispensável e o responsável prejudicial a ele. Tento mudar o rumo desse castigo interno e ainda lutar para me manter a companhia mais adequada ao Calvin, sorrio por fantasiar um futuro saudável com ele mas preciso melhorar minha posição para se equivaler ao que ele merece. Enxugo minhas lágrimas e me inspiro em sua força para me manter, me levantando antes de dormir para cubrí-lo de beijos calorosos, desculpas sinceras e um cobertor aquecido para o envolver com o meu apoio e a minha solidariedade de sempre estar por ele. Me deito de volta e sinto que posso ser torturado pela maldição dos pesadelos mas me encorajo a enfrentá-los ao lembrar da imagem dele em descanso, livre e cheio de vida.
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Apenas Segure A Minha Mão
RomanceCalvin Minsky é um garoto de 17 anos, promissor mas que ainda não enxerga em si potencial e está afundando em seus próprios dilemas emocionais. Sendo filho único e sem uma figura paterna presente dentro de casa, tem de conviver com sua mãe autoritár...