Capítulo XXXVIII

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Processar a informação de que meu pai morreu, não de forma natural e sim, morto pelas mãos daquela maluca descompensada, suga ainda mais minhas energias vitais, ainda mais preocupações para o meu processamento mas não que eu não me compadecesse com a morte dele, pelo contrário. Talvez, se ele estivesse sido mais presente, seja lá qual for a razão pela sua ausência, nós podemos fortalecer nesse elo familiar e nos entender com nossas dificuldades pessoais, pois dividir nosso fardo, o peso não se torna tanto, apesar das adversidades dos nossos corpos, mas que ameaçaram diretamente a nossa vida. Pelos vislumbres e memórias insuficientes que tenho dele da infância, ele era uma pessoa boa, não me lembro da sua aparência, da sua fisionomia, da sua personalidade e não me lembro de ele ser problemático ou agressivo quanto minha mãe relata que ele era, mas não vou me precipitar, terei empatia pelos maus tratos que ela possa ter sofrido dele, sob efeito de álcool por que não a desejava merecer mesmo ela tendo feito para mim sem nem pensar. Mas nada justifica ambas as ações, apesar dele ter sido atacado covardemente, sem direito a sua defesa, antes mesmo que o álcool pudesse corroer seu fígado como ferrugem se alastrando por lataria velha e só me resta aceitar essa notícia repentina e com um luto inevitável de sentir porém inesperado. É uma luta permanecer no meu estado normal, e literalmente, no mesmo estado, já que ela está planejando mais uma fuga para sei lá onde e evitar mais desses afrontes para contê-la com seus surtos repentinos. Respirar fundo se torna cada vez mais difícil, o oxigênio parece inexistente à minha inalação, como se eu respirasse dentro de uma tempestade de areia, ou submerso na água, ou até em meio a fumaça negra de um incêndio...

Meu nariz escorre, assim como meus olhos um pouco menos, minha garganta fecha e meus lábios tremem na tentativa de suportar aquela rachadura dolorosa que se extendia por todo o interior do meu corpo e aquela vontade de usar as minhas lâminas novamente só aumenta, apesar delas não serem nenhum motivo de orgulho ou dignas de saudade. Mesmo sem estar com elas, a vontade de substituí-las é grande e eu preciso me controlar para que eu não me mate, antes mesmo que, realmente, a morte chegue para mim, ocupar minha cabeça com algo produtivo e demorado no momento é a melhor a se fazer mas não vejo tantas opções. Passando de volta para o quarto, enquanto a outra está por qualquer outro inaudível, me recordo da banheira implorando por uma limpeza e que pode me fazer relaxar depois, então começo com o pouco que tenho em mãos para repaginar aquela cerâmica tão maltratada. Apesar de requerir um pouco mais do que tenho de potencial braçal, isso está ajudando apenas a matar o meu tédio mas meu corpo ainda está do mesmo jeito mas pelo menos vou me recompensar com um banho frio e espumado de banheira. Enquanto esfrego toda aquela sujeira impregnada das laterais de dentro e do fundo dela com a única coisa abrasiva que eu tenho, posso vê-la parada na porta ao me virar, de braços cruzados e me encarando com cinismo.

- E eu achando que você era um imprestável... O resto da casa não vai demorar muito. - eu viro o rosto lentamente para ela em descrença, apertando os olhos, desentendido.

- Seria um prazer, mas o que eu ganho em troca? O benefício de poder me alimentar?

- Bem... nada. Quanto a isso, posso te conseguir um agrado.

- Com toda justiça. Só vejo vantagem. - eu disse que eu não me impor ao invés de apenas ignorá-la mas é difícil controlar a minha indignação quando algo me incomoda, não posso disfarçar ou normalizar a minha insatisfação.

- Aliás, acho que você até consegue acabar sua faxina antes de irmos definitivamente e terá bastante tempo para aprender a não retrucar para mim. Melhor ir se acostumando...

- Sim, já tenho anos de experiência. Preparo psicológico é o que não falta, com a melhor instrutora.

- Aproveita, Calvin... Aproveite. Quando você viver em um quarto onde mal poderá ficar de pé e sem ter as regalias que você tem aqui, você repensará em tudo. - se isso aqui é ter privilégios, mal posso esperar o baú de tesouros que me aguarda, ela finalmente some mas suas ameaças lançadas sempre me estremecem e apresso o meu trabalho, focando em quando eu estiver aqui dentro e me isentar dessa realidade espiritualmente. Após mais alguns esfregões e lavagens, termino aqui e gasto toda a minha carga enérgica possível, o meu tempo pode ter passado mas minha dor parece sem fim, principalmente minhas mãos vermelhas e meus braços com aqueles movimentos repetitivos, e se não bastasse tamanho tormento, ela parece novamente. Mas, dessa vez, ela só recebe a minha recusa à ouvi-la, fazendo um som mais alto para abafar a sua voz mas com certeza, era algo sobre a nova casa, que ela possivelmente matou o residente e tomou posse dela, porque só pode. Não a respondo como prometi a mim, apesar de querer soltar o verbo, mas não me imponho para que o meu plano de tentar, pelo menos, continuar aqui e viver essa realidade a qual eu já me adaptei, não desse errado. Pelo menos, até que eu perdesse o meu sentido de esperança, que esperar pelo Nathan fosse uma grande ilusão e me dar conta de que posso encarar o meu novo recomeço como pude lidar com tanta merda na minha vida. Apesar da esperança ser a última a morrer, fantasiar um milagre e inevitável, estando destinado a um novo lugar, além desse plano e não há nada que eu possa fazer a não ser esperar e estar rendido ao meu destino injustamente já decidido.

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