Capítulo XX (parte 2/2)

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Respiro fundo ao pisar fora do hospital e caminho até o carro como se o chão embaixo dos meus pés perdesse sua forma fragilmente conforme eu caminhava, sento no banco e tento esvaziar a minha turbulência sufocante que está a minha mente para garantir que não irei dirigir imprudentemente e que minha única preocupação no volante fosse atropelar alguém ou derrubar uma árvore. Mesmo que eu não tivesse planejado, eu resolvo passar no mercado para fazer algumas compras porque já havia algumas coisas faltando e usar o meu dom da memorização nada confiável. Depois de estacionar, eu desço do carro e apanho um carrinho de compras do lado de fora do mercado, caminho até a porta principal, ela se abre automaticamente para mim e logo começo a desbravar todos os corredores. Caminhando, conduzindo habilidosamente o carrinho a minha frente, percebo que não foi apenas por coincidência ter vindo no mercado hoje, por me causar uma nostalgia proposital e me maravilho ao olhar aquelas promoções imperdíveis em alguns setores e vou para o de limpeza. Me perco nas fragrâncias de desinfetantes até aromatizantes de ar, meu instinto geminiano que pertence ao Calvin na verdade, desperta em mim mas não preciso decidir entre eles por levar os que uso habitualmente. Depois da guerra de aromas, vou para o setor de frios e de tudo o que fica no freezer, passo a mão no vidro embaçado e vejo tudo o que posso levar e depois sigo para o setor de cuidados pessoais. A indecisão prevalece novamente e ter que confiar naquelas embalagens persuasivas e convincentes e nas listas de ingredientes tão benéficos é o suficiente para me dificultar a escolher algum mas ponho no carrinho alguns itens que estão em falta e outros, para fazer uma hidratação no cabelo com babosa para um dia digno de cuidados e relaxamento. Assim, vou para o setor de alimentos, pego o básico e outras besteiras, me certifico de não ter esquecido nada e sigo para o caixa. À caminho de lá, que já posso ver ao longe, mas quase em borrão por conta da longa distância, eu sigo pelo setor de utensílios de casa e só consigo olhar para o meu carrinho, lembrando de como tudo me lembra o Calvin, até o simples fato de pisar nesse supermercado pois foi esse o mesmo que eu vim com ele pela primeira vez, que era o que me causava aquela nostalgia proposital. Até olhar aqueles potes de uvas-passas em promoção, tão organizados e baratos, já nem fazia sentido para mim, sem a companhia do Calvin enquanto o moço calcula o total da minha compra com aquele scanner vermelho. Todo o pessoal atrás de mim na fila parece aborrecido e não são só eles, inclusive eu por sua paciente demora, uma moça ensacola tudo enquanto eu pago e recebo meu troco, ela as estende gentilmente, e eu as ponho no carrinho, a agradecendo. Caminho até a porta automática, vou até o carro e abro o porta-malas para pôr todas as compras e antes de partir, devolvo o carrinho junto aos outros, cruzando o estacionamento. Largo todas as sacolas encima da mesa ao chegar em casa e organizo todos os produtos para não colocar tudo no armário de forma bagunçada e depois disso, da rigorosa organização, deixo separado o óleo vegetal de coco e  minha máscara hidratante para cabelos e nada como uma babosa para complementar uma hidratação de respeito. Vou até o jardim e como uma pessoa bem preparada, arranco apenas uma folha do meu pé de babosa e assim, com tudo em mãos, começo o preparo da hidratação e misturo até que tudo se dissolva homogeneamente. Finalmente, aplico a mistura em cada mecha do cabelo depois do cabelo lavado apenas com shampoo e vou da raiz até as pontas, deslizando com as pontas dos dedos desembaraçando os fios. Após o processo, utilizo uma touca laminada para potencializar o efeito e aguardar 40 minutos para poder enxaguar mas procuro uma tarefa que leve esse tempo ou bem mais, como assistir um filme. Então, quebrando totalmente a tradição, sem o meu acompanhante e sem ter almoçado ainda, vou em busca de um filme com uma almofada agarrada em mim para fantasiar aquele calor corporal ao meu lado mas a Netflix, que nunca me abandona, já me prontifica uma recomendação e não posso recusar àquele bom gosto refinado que só ela tem para espantar o meu desânimo e a minha impaciência. A recomendação da vez é Moonlight: Sob A Luz Do Luar que aparentemente, narra as três etapas da vida de Chiron, um jovem negro morador de uma comunidade pobre, rodeado pela tentação do mundo do crime e das drogas e sofre pela crise de identidade e pela taxação de um adjetivo imposto sobre ele pelo qual ele nem sabe o significado. Na primeira fase do filme, acompanhamos a relação de Juan com o pequeno garoto, um narcotraficante cubano, também morador de Liberty City, que abriga Chiron em sua casa, que constantemente foge de casa por conta da sua mãe viciada e abusiva. Na segunda parte do filme, acompanhamos o crescimento dele, uma análise mais detalhada e mais profunda de suas angústias e o bullying constante na adolescência e me faz refletir como na cena em que o Chiron é agredido pela única pessoa que ele teve contato sexual, que é incitado pelos amigos dele, sendo agredido por eles também em seguida. Uma assistente social até que o oferece ajuda psicológica para que ele revelou a identidade dos agressores mas ele se recusa, dizendo que isso não faria diferença e se sentiu obrigado por si mesmo a revidar ao ato com as próprias mãos, estraçalhando uma cadeira nas costas do seu agressor no dia seguinte. Infelizmente, Chiron é levado pela polícia, na saída da escola e seu amor/agressor o transmite um olhar de desamparo e arrependimento, talvez. Depois de tudo, acompanhamos agora o Black (Chiron adulto), que trafica drogas em Atlanta e em uma noite, recebe um telefonema de Kevin (seu amor/agressor), que se desculpa sinceramente pelo seu ato no passado e o convida para o visitar em Miami. Ele aceita o convite mas se põe relutante em questão de beber casualmente ou conversar com ele despretensiosamente no restaurante que trabalha atualmente, mas depois de conversarem sobre todo o passado caótico e aparentemente, se acertarem, eles se dirigem para a casa dele e o filme se encerra com uma declaração íntima de Black enquanto mostra uma bela recordação sua quando criança na praia. O filme me abala positivamente, me faz sentir, refletir, me causar discussões internas pelas questões de etnia, debates raciais e estigmas relacionados, romance e debates sociais gerais discutidos e por abordar o amor de forma sincera a realidade e modesta. Percebo como vou me afundar se não parar de assistir esses filmes em momentos muito pontuais de vulnerabilidade e dou a minha classificação no fim, até me lembrar da minha hidratação e partir para finalizar. Tiro a minha touca, desprendo meu cabelo e enxáguo, penteando as mechas e apertando o cabelo para que a água escorresse, finalizo com meu creme de pentear com definição e deixo com que ele seque por conta própria, me deitando no sofá e colocando ele para fora do braço do sofá, espairecendo toda a minha agitação interna com um solene descanso.

P.S. : bom pessoal, se encerra aqui o pov do Nathan, o próximo já será do Calvin, sem repartições, e assim intercalando as duas realidades conforme as suas perspectivas e como todo o drama afeta as suas emoções. Continuem ligades e opinando sobre o que vocês estão achando da minha história ❤️

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