Meu corpo, antes relaxado, agora dói tanto quanto se eu tivesse sido apedrejado e antes mesmo que eu podesse abrir os olhos para ver tudo que não fosse um borrão daquela deprimente vista, eu sentia as dores da depressão afetarem depressa meu humor e meu bem estar. Nesse caso, eu preferiria um milhão de vezes estar naquele quarto do hospital, até a companhia da Ellie não seria tão difícil de lidar quanto lidar com a solidão; ou até nada disso, preferiria não ter passado por nada disso e apenas estar são e salvo com o Nathan. Minha fome aumenta, assim como a sede e as minhas esperanças de escapar daqui, mas as probabilidades não são condizentes, me levanto daqui e sigo para o banheiro para lavar meu rosto. Meus lábios estão rachados e secos, meus olhos estão inchados, meus músculos estão tensos e minha feição está morta diante daquele espelho sujo e manchado, tento me apoiar na beira da pia mas ela não aguentaria todo o meu piso, assim como nem eu mesmo e me encaro tanto no espelho que tenho medo que meu reflexo se mova então, paro de me observar porque não há nada de interessante para ver naquela figura tão moribunda, habitando meu corpo relutante a viver. Dou um grito ao pisar num rato ao sair do banheiro descalço, pior do que isso só se eu tivesse o esmagado mas ele sai apressado e eu sigo para a sala. Aqui, como o quarto, como a copa ou como qualquer outro cômodo dessa casa, é tedioso e para onde quer que eu olhe, só se pode ver paredes terrivelmente neutras e poeira, mas me sinto atraído a olhá-las, mesmo sem haver um sequer detalhe que animasse todo aquele cinza depressivo. Meus pensamentos se interrompem pelos sons tão próximos, vindos de lado de fora da casa, barulhos frequentes e cada vez mais próximos que cortam o silêncio extenso que estava. Posso ouvir sons de correntes, não sei ao certo e destranques na porta, ela abre a porta, desvio o olhar e volto a caminhar, como se eu não tivesse a esperando. Apresso os passos para sair da sala e da sua vista mas falho, ouvindo a sua voz direcionada a mim e apenas paro, permanecendo de costas.- Bom dia, Calvin! Como foi à noite? - ela chega com aquele entusiasmo tóxico e falso, que contagiava doença ao invés de alegria, inspirando o ar pesado desse maldito albergue. - Se se apegou a algo aqui, sinto muito em lhe dizer, mas se despeça daqui porque vamos para outro lugar. - meus olhos reviram tanto ao a ouvir continuar com seu discurso irônico que meus globos oculares ficam totalmente brancos, só sinto pena de ser que concedeu o dom da fala para essa criatura infernal. - Só demorei porque estava resolvendo as pendências da nova casa, com as finanças do seu querido paizin...
- CALA A PORRA DA BOCA, INFELIZ! SÓ - PARA! - eu recupero o fôlego depois de quase explodir minhas cordas vocais e ela paralisa, olhando para mim, como eu agora virado para ela. - Para de fingir que se importa, por que não. Você é uma fodida controladora, sádica, que se satisfaz e se entretém em torturar e explorar das energias dos outros. É isso que você faz e sempre fez.
- Nossa Calvin, quanta ingratidão. Não sei o porquê de você não ter gostado da casa, só está um pouco suja, tenho que admitir. Seu pai não reclamou quando ele morava por aqui, pena que assim como ele, você não vai demorar muito por aqui. - ela sugestiona um olhar e enfatiza a sua frase para que eu percebesse o sentido do seu mistério e eu sei que coisa boa não é.
- Você quer dizer que você matou e está me confessando isso agora? - não sei se era uma confirmação que eu esperava mas é a certeza que eu recebo.
- Hum... sim. Estava entalado e eu resolvi soltar. Até porque eu fiz um favor para ele, estava quase morrendo pelo álcool e não tinha nem onde cair morto. Até fazia uns trabalhos a mais para conseguir beber, se é que você me entende... - ela continua com suas insinuações e confirmando sua confissão, eu percebo o quão ela é doente sem nem perceber e recebe o meu olhar de negação.
- Então, quer dizer, que ele... se prostituía? - ela assente, sem remorso. - E eu posso, pelo menos, saber como isso tudo aconteceu? - já que eu não tenho nada a perder e mereço saber a verdade, me interesso pelo enredo do assassinato do meu pai armado pela minha própria mãe.
- Basicamente, ele morreu por intoxicação, uma inalação fatal de aerossol, para ser mais exata. Eu não queria nada tão visceral ou que deixasse minhas marcas nele, então o esperei dormir e contra o seu ventilador de coluna na beira da cama, gastei todo os dois frascos de aerossóis que haviam no armário, até ele virar uma batata intoxicada. Trágico... - ouço seu depoimento carregado de desrespeito e normalidade, a encarando com o olhar apertado, semblante incrédulo e estático, franzido em decepção. Mesmo que pareça controverso o meu interesse, são as minhas saídas de distração, mesmo que seja sobre assuntos incomuns mas não deixo de ser duro contra suas atrocidades apesar da ameaça sobre mim.
- Deus deve ter orgulho da seguidora que Ele tem, que é uma assassina sem noção mas põe seus joelhos no chão e muda o discurso que Ele perdoa. Olha, julgar as pessoas por pecarem de forma diferente da sua não te faz mais santa.
- Ele se orgulha SIM! Melhor que o filho bicha que vai morrer, assim como o pai dele, que acha que seu namoradinho vai salvar ele, uma bicha esparafatosa que se corta todo para tentar chamar a atenção, mas se passa despercebido. E outra, eu não te trouxe aqui pra te matar, porque você já faz isso desde sempre, se destruindo e se afogando nas próprias ruínas.
- Despercebido?! Será que eu sou tão invisível ou você que sempre foi cega para algo que sempre esteve na sua frente? O problema sempre existiu, você que nunca quis encará-lo por pura conveniência. E o que você sabe sobre o meu pai? Ele bebia mas pelo menos não enchia o saco, eu acredito. Pior que você, que sóbria é mais chata que muito bêbado por aí. - ela parece ressentida e incomodada com a verdade nua e crua, assim como eu, expostas sem que nós quiséssemos, como em todos os nossos embates que eu não me relembro de termos nos comportado como familiares responsáveis para resolver nossas indiferenças e mágoas passadas. Mas estamos aqui, frente a frente, como em uma cena de faroeste, prontos para atirar o que mais fere o outro e destinado a ganhar a qualquer custo sem decência.
- CHEGA! Esse conversa durou demais, vamos para a outra casa em breve e não há nada que você e ninguém pode fazer! - ela usa o seu tom ameaçador de poucas ocasiões e me faz calar, para que ela não se descontrolasse ainda mais, para que ela achasse que tivesse razão e manter minha posição de passivo a sua autoridade. Mas é claro que não, essa só é a minha tentativa de prorrogar qualquer mal que fosse, fazendo a sua vontade birrenta e fingindo obediência para não piorar tudo e estando a dispor a suas ordens.
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Apenas Segure A Minha Mão
RomanceCalvin Minsky é um garoto de 17 anos, promissor mas que ainda não enxerga em si potencial e está afundando em seus próprios dilemas emocionais. Sendo filho único e sem uma figura paterna presente dentro de casa, tem de conviver com sua mãe autoritár...