VULNERÁVEL

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MARAÍSA

Eu não quis ficar em silêncio sentindo seu corpo ao meu, nem mesmo sentar e tomar a porra de um vinho tinto.

Vesti uma roupa limpa e sai. O quarto do hotel estava em meu nome, mas não me importei. Greeicy podia ficar lá se assim quisesse, havia vindo de longe pra me encontrar e isso era o mínino que eu poderia lhe dar.

Enquanto estava dentro do carro dirigindo em uma direção aleatória só conseguia pensar no quanto Marília me colocava em um pedestal, me erguendo aos céus e me mostrando que era possível confiar outra vez.

Eu estava sobre aquele pedestal e conseguia sentir no seu olhar meigo que eu não era a melhor pessoa do mundo, mas que era suficiente para si.

E talvez o meu olhar vazio pedia espaço pra se preencher um pouco com aquela doçura...

E se eu errar? E se eu pecar? E se eu cair na minha própria onda de fúria e ódio?

Eu seria seu monstro?

Eu não queria ser seu monstro. Queria ser confiável, aos seus olhos.

Como me viam não me importava, nunca me importou. Mas agora eu dependia de como me via...

(...)

BOGOTÁ-COLÔMBIA

Eu me sentia sensível, e isso nunca havia acontecido antes. Busquei motivos irrelevantes e mentirosos como TPM para enganar a mim mesma... mas no fundo eu sabia que era a consequência dos sentimentos inoportunos e inesperados.

Deixei que Marco cuidasse de tudo, o informei sobre o que precisaria ser feito e quais os quesitos para a contratação de novos mercenários e então o pedi que saísse. Fiquei apenas com Henrique, que aparentemente repudiava meu silêncio.

HENRIQUE

Na manhã seguinte encontrei Maraísa em um dos bunkers principais em Bogotá. Ela estava irritada, estressante e insuportável. Tudo lhe tirava do sério e seu olhar era fuzilante.

Dentro daquela sala o que se era ouvido era apenas nossas respirações. A morena serviu-nos uma dose de Bourbon enquanto aguardávamos um e-mail. Ela evitava me olhar nos olhos e sempre demonstrava querer silêncio.

Não recuei, a provoquei.

Maraísa era assim, questionamentos não a faziam dizer a verdade. Provocação sim. Fiz o papel protetor durante sua infância e sua adolescência, continuei ao seu lado mesmo depois da morte do seu pai e abandono de sua mãe. Eu conhecia todos os seus mínimos detalhes.

-Tem algo te tirando do controle, e ficar fora do controle te irrita. - eu disse ainda de pé, enquanto ela que brincava em deslizar o dedo indicador na borda do copo, sentada, ergueu o olhar com seriedade. - Quer sempre ter tudo na palma da mão, mas algo me diz que tem uma coisa em específica que você não tem.

-Nao quero falar disso.

-Mas precisa, e sabe que sim. - eu ressaltei e ela me olhou com tranquilidade. - É ela, não é?

Maraísa se manteve em silêncio e eu notei seu maxilar travar e ela engolir em seco.

-Você a trata com gentileza e educação, mas não faz isso nem pela própria família. - eu conclui.

-Isso não importa... - ela disse gélida. - E o que eu senti foi irrelevante, não deveria ser perceptível. - ela disse antes de levar um gole da bebida a boca.

-Importa muito. - Eu me aproximei, agachando ao seu lado e podendo ter sua atenção. - Você pode estar tendo a chance da felicidade em mãos, outra vez.

-Pessoas que importam pra mim tendem a morrer. - soou singelo e paciente. - Não quero que ela pare em um caixão.

Ela se levantou passando por mim, mostrando que sua ação a seguir seria sair da sala e esconder dentro de si os sentimentos outra vez.

-Ela pode ficar e você pode fazer isso. Pode dar a ela algo melhor... - eu disse segurando seu punho.

E quando ela virou pra mim pude ver sua vulnerabilidade através daqueles olhos marejados.

-Como pode dizer isso? - ela disse falho.

Eu respirei fundo e ela se aproximou me empurrando pelo peito.

-Minha família desistiu de mim, e a sua te deu as costas. Olha pra gente agora Henrique! Somos iguais! - ela dizia alto enquanto me empurrava. - Ela merece uma vida melhor que a nossa. Era tudo que eu queria dar a ela! Algo melhor!

Eu podia sentir a dor em sua fala e a descrença de suficiência em si mesma.

- Luta de volta, me bate de volta! - ela gritou quando notou que eu já não me defendia dos seus empurrões ou desviava dos seus tapas.

Aquela mulher forte e fria me mostrava agora sua insegurança. Eu podia ver todos os seus mais íntimos e inseguros sentimentos através do olhar, podia sentir seu medo na fala falha.

Eu estava vendo a verdadeira Maraísa... desaparecida em anos naquele alguém sombrio.

A abracei e ela afundou o rosto em meu pescoço deixando que as lágrimas caíssem.

-Perdi isso... - ela disse rouca e chorosa. - Perdi a essência de dar a alguém algo de mim, perdi tudo isso.

Eu entendia a mulher em meus braços. Tinha a felicidade em sua frente mais não podia almejar toca-la, já estava quebrada o suficiente e era insuficiente e incapaz de querer sentir amor outra vez.

-Estou vazia, Henrique, deveria saber disso. - ela ressaltou chorosa.

Senti seu corpo amolecer e o abraço apertar, ela disse coisas que nunca havia confessado a ninguém. Falar em alto e bom tom era confessar a si mesma, estava fazendo isso, e doía.

-Minha mãe estava certa, estou morta por dentro e é horrível admitir isso. - ela disse rouca ainda abraçada a mim. - "Apagar as luzes", e me negar a sentir novamente aqui dentro foi como começar do início, mas agora eu tomei um choque de realidade... - ela suspirou pesado tentando cessar o choro. - Tem vozes tão reais insistido que eu a deixe entrar...

-Então faça isso. - eu apoiei, lhe mostrando meu lado protetor.

-Ela ficou ao meu lado quando discuti com minha mãe, acreditou em mim mesmo depois de assistir-me tirar vidas, confiou em mim mesmo nem tendo motivos para isso... e noite após noite dentro daquela casa eu posso sentir que estou a um passo de voltar a vida... e me assusta. - ela se agarrou mais a mim. - Quando estou ao lado dela as vozes calam, e é como se eu tivesse a responsabilidade de estar ali... pareço me encaixar ali.

Ela dizia com sinceridade e eu a escutava. Não era comum ouvir lamentação de Maraísa, muito menos sentimental. A última vez que a ouvi falar de sentimentos foi depois do enterro de Lauana.

Eu disse que... ainda que não tentasse, acabaria encontrando alguém que te amasse ao ponto de trazer-te de volta à vida. - sussurrei ao seu ouvido. - Acho que ela chegou... precisa deixá-la entrar...

Maraísa não permitia ninguém entrar no seu coração e fazer morada, era imutável sua decisão quanto a isso... mas nem sempre temos o que queremos, e Maraísa estava longe de ter tudo que almejava como costumavam dizer.

-Ela está me consumindo aos poucos e não consigo mais controlar...

-Permita que aconteça. - eu disse afagando seus cabelos e sentindo sua respiração descompassada em meio ao choro bater em meu pescoço. - Permita-se sentir.

LÁ MARFIA -MALILAOnde histórias criam vida. Descubra agora