INSEGURANÇAS E CERTEZAS

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MARÍLIA

Eu fiquei ali até vê-la pegar no sono. Guardando em memória cada detalhe angelical presente em seu corpo, e enquanto tocava seu rosto de maneira carinhosa... tendo certeza de que aquela mulher havia sido feita pra mim.

Depois de um tempo, eu busquei outra posição. Me virei de costas pra ela, e enquanto olhava a vista ao lado, dividida pela "parede" de vidro, minha mente era preenchida por pensamentos inacabáveis. Senti seu movimento sobre a cama e uma de suas mãos repousarem sobre a minha cintura, seu rosto encaixar-se próximo ao meu pescoço e sua respiração fraca ser sentida por mim.

Peguei o celular sobre o móvel ao lado da cama, e notei que haviam mensagens de um número não salvo, era o maldito do jornalista. Deslizei o dedo pela tela fria daquele aparelho, toquei sobre a mensagem e ao abri-la foi como levar uma facada no peito.

"Ela não ama você... pare de se enganar com essas palavras."

Havia uma foto minha com ela, naquele maldito evento, e pela posição da imagem, a foto foi tirada da mesa que Henrique estava. E... na sequência fotos suas com algumas das muitas mulheres qual de alguma forma mesmos que tentasse se esconder, havia sido flagrada, ao longo do tempo.

"Não se esqueça, elas também foram um passatempo..."

Aquilo foi como alimento para os pensamentos inseguros qual eu estava começando a ter. Apaguei tudo rapidamente, antes que ela acordasse e visse o que havia me deixado mal.

Mas eu havia sido feita pra ela? eu conseguiria ser suficiente pra ela, por muito tempo?

Talvez meu apelido pejorativo na internet, "passatempo", estivessem começando a soar bem na minha cabeça. Trazendo uma insegurança átona, e um medo do passado... Eu queria ser sua, mas não queria quebrar meu coração. Minhas lágrimas já haviam sido esgotadas em um outro amor...

Eu tinha medo de um dia passar a amá-la sozinha. E acabar outra vez em um apartamento mórbido em qualquer lugar do mundo, com uma rotina carregada e um emocional abalado.

MARAÍSA

Eu nem se quer podia me recordar de quando peguei no sono, mas ao acordar no meio da madrugada, me dei conta de que Marília já não estava mais ao meu lado. Me reergui sobre a cama e busquei por ela com o olhar, mas não pude encontrá-la no cômodo. Insatisfeita, me levantei, peguei o robe preto sobre a poltrona e o coloquei, sequencialmente saindo do quarto.

Os corredores estavam escuros e estava frio, o barulho da chuva era forte, assustador. Desci as escadas, e pude senti-las geladas por estar descalço.

-Amor? - chamei em um tom mediano, esperando que ela respondesse.

Ao terminar de descer as escadas, a notei parada de frente para a vidraça que separava a área interna da área externa. Se manteve silenciosa, enquanto abraçava o próprio corpo e olhava lá pra fora.

-Ei.. meu bem. - chamei outra vez, me aproximando e a abraçando por trás. - O que faz aqui?

-Eu só não consegui dormir... - ela respondeu baixo. - E não quis te acordar.

Sua mão tocou minha nuca assim que eu abaixei a cabeça beijando seu pescoço.

-Se quiser, pode voltar pra cama. - ela disse ainda baixo, parecia um pouco insegura.

-Não consigo dormir sem você. - respondi. - E talvez eu tenha perdido o sono...

-Me desculpa. - soou culpada.

-Está tudo bem. - a isentei da culpa.

A virei pra mim, e rapidamente sua cabeça deitou em meu peito. Eu a envolvi em meus braços, e deixei um beijo demorado em sua cabeça.

-Esta chovendo... não está com frio? - questionei e ela negou, em um sussurro.

Ela parecia um pouco mal, e eu não sabia a causa ou ao menos se era parte dela. Eu mal podia entender o motivo de estar assim agora...

-Não quer me contar nada? - mencionei sugestiva. - Podemos tentar resolver o que está sentindo.

-Não é nada, ok? - ela praticamente me interrompeu. - Eu só... quero que fique aqui.

Toquei seu rosto, fazendo com que olhasse pra mim. Já que ela evitava fazer isso, acariciei sua pele e deixei um beijo demorado em seus lábios. Coloquei alguns fios de cabelo insistentes atrás da sua orelha e um sorriso fraco, aos poucos foi surgindo em seus lábios.

-Eu não faço ideia do que tenha acontecido, mas eu não quero que o brilho entre a gente se apague aos poucos. - escapou em sussurro. - Podemos conversar quando as coisas derem errado. Sabe disso, não sabe?

Ela permaneceu em silêncio por um tempo, e moveu a cabeça milimetricamente assentindo afirmativamente. Eu podia ver a insegurança em seus olhos, e... aquela resposta me soou tão mentirosa. E ela havia percebido...

-Eu só tenho medo... de que tudo volte outra vez. - ela disse meio vago.

-O que seria esse..."outra vez"?- questionei, buscando uma finalidade em seus motivos.

Ela apenas escondeu o rosto na curva do meu pescoço, e enquanto eu acariciava suas costas, pude me dar conta.

-Eu não sou a melhor pessoa do mundo, e talvez eu nem te mereça tanto assim. - respirei fundo. - Eu vi vida nos seus olhos, enquanto tudo que eu podia carregar era a morte. O peso da culpa, a violência, transgressões e frieza.

Ela me olhou nos olhos, ao erguer a cabeça.

-Marilia, eu não sou uma boa pessoa, eu nunca fui uma boa pessoa... e talvez eu nunca seja uma boa pessoa. - ressaltei. - Mas eu sempre estarei aqui... pra você e por você, sempre que precisar.

Eu a amaria mesmo se um dia não quisesse, porque no fim... o monstro em mim só podia ser morto pela paz que existia nela. Aquela melancolia deixava de existir, o mundo preto e branco ficava colorido, e aquele medo de perder tudo deixava de ser tão intenso. Já houve um tempo em que eu me sentia incapaz de ser amada...

-Nem se quer por um segundo, eu me arrependo de nada que tenha feito por você. Eu faria tudo outra vez, de novo, e de novo.... repetidamente, todas as vezes que fossem necessárias.

MARÍLIA

Talvez eu estivesse sendo idiota ou boba demais. Mas não dava pra controlar aqueles pensamentos imparáveis, eles vinham e iam sem ao menos terem dó de mim.

Eu não queria passar por todo aquele sentimento outra vez...

-Eu não sou ele. - ela mencionou convicta. - E eu também não culpo você por carregar as cicatrizes que ele deixou... mas peço que me deixe cura-las, que me entregue seu amor.

(...)

Ela ficou ali comigo por um longo tempo, até que eu pudesse sentir sono. Abraçada a mim e persistente quanto a ficar do meu lado até que eu me sentisse bem outra vez, os pensamentos ruins passassem e a insônia fosse perdendo seu efeito. Suas mãos seguraram meu rosto e beijos foram deixados em mim antes que retornássemos a cama, antes que me abraçasse encaixando-se a mim perfeitamente e me ajudasse a dormir.

Eu podia sentir o cheiro marcante do perfume forte impregnado em todo seu corpo, seus toques tranquilos e sutis, respiração compassada e a segurança que me transmitia. Ouvir sua voz doce sussurrar "Eu te amo" repetidamente em meu ouvido, enquanto me tinha em seus braços... era como chegar ao céu sem mesmo sair da cama. Era um ato de carinho, e demonstração de afeto inigualável. Eu me sentia segura com ela, só não me sentia comigo mesma.

Eu não podia continuar com aquele medo em mim... eu arruinaria tudo.

(...)

Levantamos um pouco tarde pela manhã, o que era incomum. Ficamos na cama mais um tempo, enquanto ela me fazia cafuné e assistíamos um episódio da série que havíamos começado juntas a algum tempo. Tomamos banho juntas em sequência, e ela me fez sorrir durante todo aquele momento. Eu sequei seus cabelos e depois comemos juntas, e sozinhas por termos acordado tarde. Brincamos com o cachorro, ajudamos as gêmeas com as atividades escolares de francês pós aula online particular e então Maiara as levou consigo pro aeroporto, onde antes de embarcar pra Califórnia por alguns dias, deixaria as crianças na casa da avó em Madrid.

Por fim arrumamos nossas malas, e foi ali que eu tive certeza de que estava disposta a ter tudo aquilo até o fim dos meus dias.

LÁ MARFIA -MALILAOnde histórias criam vida. Descubra agora