Caminhos Cruzados Part. 3

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Não importa o que houvesse eu precisava manter a sanidade. Quando ele me encarou senti a estática percorrer todo o meu corpo, por uns segundos esqueci da nossa pequena guerra fria... eu ainda lembrava do seu cheiro e do seu toque, meu coração estava acelerado não mais pelo medo e sim por outra coisa... mas, chega disso. Preciso me concentrar em manter a máscara de indiferença, só assim eu posso me manter protegida. Ele me ofereceu uma carona, mas é óbvio que eu não podia aceitar, isso significava uma abertura... eu não ia deixá-lo brincar com meu coração. Aliás, que merda ele está fazendo aqui? Não devia estar com a namoradinha dele? Por que está me seguindo? Na escola ele nem me olha e do nada aparece na minha frente e quer que eu aja normalmente? Ah meu querido, comigo não funciona assim não.

Conferi o relógio, faltavam poucos minutos para as 18 hrs, o ponto de ônibus estava bem agitado. Do outro lado da rua um carro estava parado, os vidros fechados, minha visão foi atraída como um imã e mesmo sem poder focalizar por causa do revestimento dos vidros meu olhar estava preso em um rosto por trás daquilo. Fui despertada por um senhor de idade avançada que estava esperando eu sair dos batentes e entrar no veículo para que ele também pudesse fazer isso. O motorista fez sinal para que tentássemos nos espremer ainda mais para que uma senhora com algumas sacolas de compras pudesse entrar, a última passageira desse ponto. Mais à frente uns desceriam mas não ficaríamos mais tranquilos porque outras pessoas subiriam... sempre era assim, o sonho de se mover livremente nos corredores era algo muito distante para nós. Nunca presenciei um dia em que este ônibus não estivesse lotado na ida e na volta.

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Algo me forçava a ficar e me certificar de que ela estava fora de perigo. Fiquei ali do outro lado da rua estacionado... obviamente com os vidros fechados. Esperando o ônibus chegar, me sentindo um verdadeiro idiota. Eu não tinha porquê ficar pagando de anjo protetor, não depois do modo como ela me tratou. Odeio tudo isso, esses sentimentos confusos na minha cabeça. Peguei a garrafa jogada aos meus pés e dei um gole, o líquido amarelo desceu rasgando. Quando enfim o transporte chegou, afundei no banco do motorista... minha cota da responsabilidade acabava ali. Antes de subir ela olhou exatamente em minha direção, mesmo sob a proteção do fumê tenho certeza que sabia da minha presença, seu olhar veio de encontro ao meu e fiquei me sentindo uma droga. Ao mesmo tempo em que eu queria ir até lá eu desejava simplesmente girar o volante e deixá-la para trás.

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Eu a avistei assim que ela dobrou a esquina, trazia duas sacolas em cada mão, aposto que era para repor o seu estoque de doces. Seu andar era gracioso, o vento empurrava suas madeixas contra sua face. Ajustei minha blusa, passei a mão no cabelo, respirei fundo e atravessei a rua. 

- Desse jeito vai ficar com cáries...

Me aproximei dela, no momento em que meus lábios tocaram seu rosto senti seus músculos relaxando e formando um sorriso.

- Ah meu caro, não temos casos de cáries, nem diabetes na família, estou segura.

- Sei, sei. Demorou hein, já tava quase ligando para a SWAT...

- Hahaha, exagerado... foi só o ônibus... que demorou, rs.

Não sei se foi impressão minha, mas a expressão dela tornou-se sombria por alguns instantes. Ela percebeu a dúvida em meu olhar e logo mudou a direção da conversa. 

- Bom, por algum motivo desconhecido a mim... minha mãe tá bolando um jantar "em família" caprichado... nem preciso dizer que você está convidada né?

 - O que vocês estão tramando hein?

- ...Hmmmm, nada de mais...

Ela me olhou desconfiada.

- Oxe, o que foi? A gente não pode variar de vez enquanto?

- Sei...sei...

Nos encaramos e ela abriu um sorriso tímido, senti vontade de beijá-la.

- Vamos!!! vamos!!! ... antes que meu sorvete derreta.

Peguei uma de suas sacolas e com a mão livre segurei a dela. Caminhamos em direção ao prédio, quem nos visse de longe acharia que moramos juntos. A rua estava bem movimentada, pessoas iam e vinham do trabalho, carros, motos, bicicletas, tudo bem normal...porém o olhar dela outra vez estava perdido em algum lugar, segui-o e vi um carro bem diferente dos que costumam passar por aqui... mas enfim. Quando nos aproximamos do local onde ele estava, o motorista simplesmente saiu com tudo deixando para trás um rastro de poeira.

- Parece que alguém está tendo um péssimo dia...rs

- Né, rs.

Finalmente chegamos ao nosso condomínio, no saguão algumas crianças corriam. É normal essa cena, de vez em quando alguns inquilinos recebem outros membros de suas famílias, principalmente no fim do ano. Pegamos o elevador, eu não conseguia me controlar de curiosidade para ver qual seria a reação dela.

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- Sim, sim... já estou me sentindo melhor... é... tô sabendo... eu sei o quanto faço falta haha... mas fique tranquila, segunda-feira estarei aí dando a vocês a honra da minha maravilhosa presença... haha... o quê???? Sou muito humilde, querida... haha...

Do outro lado da linha Regina ria descontroladamente.

- E então amiga? Alguma novidade? Algum plano para o fim de semana? Sério, por favor me salva... não aguento mais ficar em casa...  Festa???! Opa, claro que tô afim... que horas você passa aqui? Perfeito. Ah... tenho um babado monstro pra te contar... ok.  Até mais.

Encerrei a chamada e joguei o aparelho celular em cima da cama. Caminhei alguns passos e parei em frente ao espelho, anexado a ele havia uma foto de quando eu tinha 9 anos... fiquei ali comparando as imagens, vendo o quanto eu mudei. Por dentro e por fora. Me senti nostálgica lembrando da ocasião em que aquele momento foi registrado, um pic nic durante as férias. Meu pai ainda não apresentava sinais de calvície e minha mãe iluminava o ambiente com seu sorriso.

Fui trazida de volta para a realidade por um estalo vindo do lado de fora do jardim. Imediatamente meu coração acelerou e eu corri para a janela. Meus olhos investigaram toda a área e tudo parecia normal... e frustrante. Arrastei meus pés de volta para a cama, peguei novamente o celular. Não havia nenhuma chamada ou sms... Senti uma pontada de decepção, o que será que ele está fazendo que ainda não falou comigo?

 Conferi as horas...18 hrs... Nossa... ainda?! Eu tinha tempo de sobra para me vestir. Respirei pesadamente.. rolei de um lado para o outro... eu estava sofrendo de uma crise aguda de tédio.


Convergindo (Em Construção)Onde histórias criam vida. Descubra agora