Palhaços Também Choram

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O intervalo finalmente chegou, o melhor momento do dia. Exatamente às 9hrs e 45min. o bonde todo se junta no pátio a fim de descolar umas boas risadas. Há alguns anos atrás essa era minha hora do pesadelo. Entre os 13- 14 anos todo mundo tá ligado que nosso corpo muda, nossa mente muda, tudo o que éramos vai se deformando diante do espelho. Um corpo desproporcional, a face é um campo minado, a voz fica oscilando entre um tenor e um baixo, até que tudo se ajeite é um sofrimento sem fim. As meninas se desenvolvem mais cedo, mas nós instintivamente aprendemos sobre o funcionamento do nosso corpo antes delas. No momento da educação física os caras tiram de tempo. Os que já estão mais adiantados ficavam lá de boas, eram nossos ídolos porque eles já faziam sucesso entre as meninas, porém os que assim como eu ainda estavam nessa transição ficavam lá rindo de qualquer deslize que você viesse a cometer, melhor rir da desgraça alheia do que lembrar que você tá no mesmo barco.

Nessa época eu era meio gordinho e cheio de espinhas, ai já viu o tanto de apelido que era, sempre o último a ser escolhido nos jogos de atletismo, sempre o goleiro no futebol... eu tentava não ligar muito, até ria junto, não queria dar esse gostinho, mas às vezes machucava. Ficava meio paranóico sempre que entrava no vestuário, a gente tem isso de ficar se comparando com os outros e pior, achar que o quê os outros tem é melhor do quê o que temos. Enfim eu reclamava, mas talvez fosse bem pior se eu fosse uma garota...as mulheres de todas as idades tem uma tendência ao perfeccionismo, acho que elas até sofrem mais que a gente na puberdade, e quando digo elas, me refiro à aquelas que por razões desconhecidas demoram a desenvolver um corpo mais curvilíneo.

Toda história, seja um livro, filme ou desenho existe a necessidade de uma força oposta para confrontar o herói e no meu caso meu arquiinimigo era meu irmão mais velho, ele parecia ser melhor em tudo, o mais inteligente, o mais bonito, o grande pegador, era elogiado por todos, ai de mim se tentasse ofuscar seu brilho. Minha mãe sempre dizia que seu amor por nós era a mesma medida, mas não parecia, eu não sentia isso quando eu cometia algum erro e aquela maldita frase ecoava por todos os cômodos da casa..."Seu irmão na sua idade conseguia fazer isso...". É duro viver uma comparação quando sabemos que cada ser é individual.

Na escola ele estava 2 anos à minha frente, tinha sua turma e eu de certa forma também tinha a minha, nessa complexa cadeia social nós eramos a refeição. Ele podia ser mais maduro biologicamente, mas mentalmente.... Por ser o primogênito foi mimado o máximo que humanamente é possível ser, e por isso cresceu com uma alto-estima alta demais. Ele e seus amigos me zoavam, eu zoava de volta e ficávamos nessa batalha de palavras, a platéia rindo litros, porém meu estoque de piadas acabavam bem antes que os deles porque eles sabiam onde pressionar o calo. Saíam vitoriosos e eu com minha voz vacilante me recolhia para a sala de aula. Eu não falava nada pra mãe, ia ser só mais um motivo pra mais uma zoeira.

Minha vida foi indo assim até que descobri que a escola, a vida, o mundo inteiro é uma selva e pra conquistar seu lugar você precisa provar para o que veio e naquele dia dentro de mim toda a mágoa transbordou e eu parti pra cima de um moleque maior que eu, apanhei mas ele também sofreu danos. Conquistei o respeito da galera da minha idade e de alguns caras mais velhos, até as meninas começaram a me dar idéia, e talvez por isso a Sarah, minha melhor amiga e paixão de infância começou a ficar mais distante de mim. O olho roxo doía, mas nunca seria uma dor equivalente a que estava me corroendo por dentro. Não era mais membro do grupo dos fracassados, mesmo sob ameaça de ser linchado na saída eu não me intimidei e uma galera começou a se juntar ao meu redor inclusive uns caras mais velhos meio que da pesada o que fez muito otário desistir de me peitar.

Pra manter a postura de descolado, dei um trato no visual, do dia pra noite o sapo virou um príncipe. Agora com meus 18 anos consegui definir meu corpo, um tanquinho que as minas piram e não é só isso é o pacote completo, é o corpo, o cabelo estiloso, o look e o sorriso. Eu disse pra mim mesmo que aquela fase ruim ficou no passado e meu mano vai ter que aceitar sim eu ofuscando o brilho dele. Quem hoje em dia me ver zoar nem imagina o que eu sentia, minha zoeira é moderada em relação a que eu sofria. Eu só quero sorrir e fazer os outros sorrirem também, ficam com essas obsessões de um corpo perfeito e esquecem que todo mundo mesmo que tente encobrir tem lá seus defeitos e defeito não é uma coisa ruim, são marcas que provam nossa individualidade. Não adianta querer ser o sósia de alguém.

Claro, tem coisas que a gente olha e não gosta e outras que curtimos pra caramba, é essa mistura de percepções que temos do nosso derredor que vamos incluindo ou excluindo do que somos, é nossa identidade e podemos mudá-la a hora que nos for conveniente, desde que não haja extremismos. Impressionante que tudo que é levado ao extremo sempre dá em merda. Veja só essas minas tão lindas morrendo de anorexia ou esse manos que mesmo na academia se entopem de anabolizantes e depois ficam todo fodido por dentro. O negócio é aproveitar e não levar tão a sério, ninguém vai parar o que está fazendo pra ajudar, o máximo que vão fazer é sentir pena e passar de lado como se você estivesse infectado por alguma terrível doença. Isso de que os opostos se atraem aqui não funciona, negatividade vai atrair negatividade e você vai acabar se isolando de todos e querendo se matar. Não condeno quem faz isso, quem sou eu pra julgar...

Todos tem problemas e tem que conviver com isso, mas  você não é obrigado a pensar neles o tempo todo... 

Convergindo (Em Construção)Onde histórias criam vida. Descubra agora