Dia de Cão

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4 da manhã, puxo a gola do casaco a fim de me manter aquecido. Enquanto a maioria dos jovens da minha idade estão desfrutando de seu sono de beleza eu estou aqui, sentado num banco de um vagão, o trem desliza rapidamente sobre o trilho, fico imaginando... nós não nos contentamos em conquistar apenas a superfície e tivemos que também dominar o território subterrâneo. Larguei a escola no meio do ano, agora estamos em novembro, 13 de novembro de 2014... muitos pensam que estou só vagabundeando por ai, talvez até na criminalidade ou no mundo das drogas, muito fácil me julgar, mas nenhum deles gostaria de estar na minha pele. 

É a vida... e toda essa babaquice começou quando o trouxa do meu pai se envolveu demais com uma garota lá do trabalho dele... pelo que minha mãe falou, ela devia ser apenas alguns anos mais velha que eu. Nem preciso dizer mais nada, a merda estava feita e o lado mais fraco do elo sempre arrebenta. Família é como um investimento, enquanto está bombando é só sorrisos, mas quando fali, os sócios vazam. Por um bom tempo eu e minha mãe tivemos que fazer das tripas coração pra manter as coisas no lugar, as contas só chegando, ela vivendo de bicos e eu tentando me virar. Na escola minhas notas eram boas, dava pra descolar uns gabaritos para os manos, aulas de reforço e até um trabalho de meio período numa lanchonete, tava indo bem, até minha mãe começar a afogar as mágoas em álcool. Começou frequentando apenas nos fins de semana... de boas, ela precisava de uma folga, esquecer os problemas um pouco. Eu também me dava ao luxo de ir bater uns Flips lá na pista de skate, quem sabe até descolar umas gatas...

Ai depois como uma maldição a grana parecia palha numa fogueira, tive que deixar a escola e trabalhar de verdade, mas uma boa remuneração precisa de uma qualificação top, eu não tinha tempo pra decidir, o futuro era o agora, era tudo ou nada. Um belo dia chego morto e capoto no sofá, ouço a maçaneta girar e vejo minha mãe sendo rebocada por um cara um pouco mais sóbrio que ela, rapidamente fui preparar um banho de água fria e pegar um analgésico. A noite iria ser longa. O cidadão exemplar apresentou-se como Marcos e na hora eu já saquei qualé a dele. Não que eu tenha ciúmes da minha mãe, quero ver ela bem e feliz, ela merece depois de tudo, só que acho que ela tem condições de conquistar alguém um pouco melhor.

Diz-se que o amor entra pelos olhos e foi só isso que bastou para eles dois se juntarem. Aparentemente a camaradagem deles vinham se desenrolando a vários fins de semanas. Nosso apartamento era bem simples, poucos cômodos mas aconchegante. Na sala, um sofá com 3 lugares e umas poltronas, a TV, o rack com um vaso de flores artificiais, logo em seguida vinha o quarto da minha mãe e um pequeno corredor com as paredes sem ornamentos mais um acesso ao segundo andar que é onde durmo, no final dele é a cozinha, o armário, o fogão, a geladeira e a pia sem louça suja, minha mãe é muito rigorosa em relação à limpeza. Não tenho muito o que falar do meu quarto, era como todo quarto de adolescente, uma bagunça organizada com uma janela pela qual vejo meu bairro, o por e o nascer do sol. Viemos de um outro estado tentar a sorte aqui, até agora ainda estamos na parte do TENTAR.

Pois bem, finalmente começamos a pagar as contas em dia e o risco de corte já não era mais um fantasma rotineiro a nos assustar. Com Marcos na casa até pensei em voltar a estudar, quem sabe eu não tivesse tãaaao atrasado assim para recuperar tudo o que perdi, eu mandava até bem quando era um aluno assíduo. Um belo dia ou melhor dizendo um péssimo dia, chego em casa e deparo-me com minha mãe meio diferente, ela não me encarou quando perguntou se eu queria jantar, parecia esconder algo e eu sei disso porque herdei essa característica dela, ela sempre sabia quando eu aprontava. Ante suas disfarçadas e evasivas eu a confrontei e vi a face avermelhada, o olho esquerdo meio roxo, o sangue subiu à cabeça. O desgraçado não estava em casa. Ela relutou muito até concordar em registrar um B.O. e quando o fez foi de forma muito vaga. Os policias se olharam, não podiam fazer muita coisa se ela estava defendendo seu agressor. Por isso acho que a dependência sentimental é como um espinheiro, cresce sorrateiramente ao seu redor e quando você despertar os galhos já estão te sufocando.

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