A Vingança É Um Prato Que Se Come Frio

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- Aliceeee, você viu minha chapinha??

A festa está prevista para começar às 20 hrs. Papai já está conferindo se o carro está ok lá com nosso choffer, já são 19 hrs e 35 min e essa lesada ainda não saiu do banheiro, simplesmente odeio chegar atrasada nos cantos. Bem que podia ter 3 banheiros nesta casa, isso me pouparia muita frustração e linhas de expressão. Soco a porta mais uma vez e depois de 5 min ela abre a porta, uma mistura doce demais de perfumes invade minhas vias respiratórias.

- Pensei que você tivesse morrido aí dentro...

Com uma expressão ácida, Letícia sai desfilando pelo corredor. Dirijo-me ao chuveiro, a água fria eriça todos os meus pêlos, a infeliz desligou a chave que mantêm a temperatura da ducha agradável.

-Aliceee, abre a portaaa!!!! Esqueci meu delineador ....

Aí que infernooooo, ela passou 3 hrs aqui dentro e ainda vem me encher o saco!!! Que desgraça. Preferia mil vezes ter um irmão homem. Não que eles não sejam vaidosos, alguns até são bem mais que a gente... Abri a porta envolta por uma toalha e com um olhar furioso.

- AQUI ESTÁ.

Bati a porta e ela saiu resmungando alguma coisa, rapidamente enxaguei meu cabelo, eu ainda precisava me vestir.

- Meninas, vocês tem 5 min para descer...

Aí meu Deus...

Saí correndo do banheiro, quase deslizei na água que pingava de minhas madeixas. Inda bem que já tinha deixado a roupa pronta... Sequei meu corpo e comecei a me vestir, pus as peças íntimas, o vestido, o cardigã e os sa-pa-to...s?! Cadê o par da minha sandália?

- Letíciaaaaaaaaa!!!!

- Ops...rsrsrs

Ouvi seus risinhos quando saía do quarto dela que infelizmente ao ficava ao lado do meu. E agora? Não tenho tempo para procurar...

- 3 min. Alice, apresse-se ou vamos sem você...

Ante a ameaça, calcei o primeiro par de sapatos que vi, e só mais tarde descobri que não combinava nada com minha roupa.

Quando chegamos ao restaurante os sócios do meu pai já estavam à mesa e se colocaram de pé no momento em que nos aproximamos.

- Boa noite Sr. Richard... senhoritas... por favor, sentem-se...

Os dois homens de terno tinham feições européias. Meu pai era o correspondente de uma empresa alemã de automóveis aqui no Brasil, a renomada Mercedes-Benz. Acredito que ele levou muito a sério essa paixão que os homens tem pelos carros desde criança. Acho muito bacana isso, trabalhar com o que você gosta. Minha excelentíssima madrasta adora ostentar o emprego do meu pai no seu círculo de amigas.

Tipo o livre comércio tem muitas vantagens, mas também desvantagens. Através da economia o intercâmbio cultural e linguístico permite que a gente consiga expandir nossa visão do mundo. Porém, nós brasileiros, temos mania de ficar bestializados com tudo, talvez nós tenhamos nos acostumados a não acreditar em nós mesmos e tentarmos inovar. Nosso país é deveras populoso, não tanto quanto a china... mas tem muita mão de obra disponível, problema é que essa mão de obra também é descartável e em alguns casos não tão "especializada" assim. Um dos motivos primordiais para que uma transnacional se estabeleça aqui é o grande potencial em matéria prima. Isso é bacana, não somos mais tão insignificantes para o resto do mundo... Contudo...

Problema nº 1: Produzem com nossos insumos e depois nos vendem pelos olhos da cara. Problema nº 2: Desvalorização do trabalhador... tem gente que fica se sentindo top só porque trabalha numa empresa de nome, mas nem percebe que ocupando sua mesma função uma pessoa no país de origem da tal empresa ganha o dobro ou o triplo do iludido daqui. Problema nº 3: Migrações internas... o fato dessas empresas tenderem a se aglomerar no centro do país faz com que muita gente saia de seus estados de origem para tentar a sorte e as grandes cidade ficam transbordando de gente, porque todo mundo precisa de emprego.

É... acho que já tá garantido meu 10 em geografia...

- Senhores, espero que apreciem o especial do Chef...

O garçom depositou na mesa 7 pratos com aperitivos. Tinham a consistência e a aparência de um creme... mas como de praxe, as aparências enganam. Quando provei tinha um gosto terrivelmente amargo, era o que eles chamavam de Sour Cream. Ignorei as reações do meu paladar diante do mico que a Letícia pagou. Ela amava chamar atenção, mas não quando isso era de uma forma constrangedora... Na verdade, quem gosta né?

-Aíii meu Deus...

- A senhorita está bem?

O garçom a olhava espantado, assim como todos à mesa. Ela simplesmente não parava de fazer caretas, engolir em seco e piscar os olhos freneticamente, todos tentavam parecer compreensivos, só tentavam mesmo, porque estavam se segurando para não rir. Os que estavam sentados nas mesas próximas à nossa também pararam de comer para apreciar o espetáculo. Papai somente meneou a cabeça como se desaprovasse a inexperiência de minha meia-irmã. Eu permaneci calada, mas secretamente me acabava de rir. 

Sentindo-se constrangida pela cena ela pediu licença e saiu rapidamente da mesa. Nossa "mãe" foi atrás dela a fim de convencê-la a voltar. Fiquei surpresa... nunca tinha ouvido sua voz se manifestar num tom tão baixo.

É... a vingança é realmente um prato que se come frio, ou azedo... Bom que eu nem precisei sujar minhas mãos.

Convergindo (Em Construção)Onde histórias criam vida. Descubra agora