2. Decepção

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Gizelly tinha acabado de perder um caso muito importante pra ela e estava se sentindo um lixo. Não era um caso grande, que mudaria sua carreira, mas era um caso que ela tinha se dedicado muito por conta do carinho que conquistou pelo cliente e sua família.

Carlos, ou Carlinhos como era conhecido, tinha sido preso em uma batida policial em seu bairro e acusado de posse e tráfico de substâncias ilícitas. Era de menor na época, mas os policiais ao descobrirem que faltavam poucos dias para completar 18 anos, esperaram a data certa para prestar as queixas.

Carlinhos não era traficante, Gizelly concluiu depois de muito estudar o caso e conversar com o garoto e a família. Carlos era bom aluno, bom filho. O problema de Carlos era sua cor e classe social. O problema de Carlos era que ele tinha escolhido uma péssima hora para ir na rua comprar cigarro pro tio no bar da esquina. Carlos foi julgado e condenado bandido por sua aparência, sua classe social e por estar no lugar errado na hora errada.

O boteco era uma das bocas do bairro, todo mundo sabia. "Mas o que a gente pode fazer se é lá que vende as coisas, minha filha?", Gizelly lembra de dona Marcele, mãe do menino lamentar para ela.

A história era errada e de cortar o coração da advogada. Por isso ela passou meses se dedicando incansavelmente naquele caso, mesmo sabendo que Marcele não tinha condições de lhe pagar. Ela fazia hora com clientes pagantes, mas o caso de Carlinhos estava sempre em algum lugar da sua cabeça.

Os processos jurídicos foram todos realizados e mesmo com todas as provas que conseguiu recolher e apresentar, mesmo com toda a defesa e testemunhos que preparou, Carlinhos foi julgado culpado e sentenciado a 6 anos de reclusão.

Gizelly não conseguia tirar da cabeça os olhos desolados do menino que a encarava com desespero e angústia.

"Deu tudo errado, tia?" perguntou desesperado. "Eu não fiz nada, eu juro, eu juro!"

O coração de Gizelly se quebrou e ela abraçou Carlinhos pedindo com as mãos para que os policiais aguardassem um pouco antes de levá-lo.

"Eu não vou desistir de você, Carlinhos," disse ela com firmeza. "Eu ainda vou lutar por você, eu prometo. Fica forte, não arruma brigas. Fica na sua e eu vou fazer de tudo pra te tirar daqui."

Eles se afastaram e Carlos tinham algumas lágrimas derramadas que a advogada prontamente limpou com as mãos.

"Sem choro, moleque," ela sorriu tentando passar alguma esperança para aquele momento devastador. "Não desiste de mim que não desisto de ti, tá certo?"

Isso arrancou um sorriso fraco do menino que abaixou o rosto enxugando suas lágrimas e voltou a encarar a advogada.

"Vou dar o meu melhor," respondeu. "Eu sei que já pedi muito da senhora, mas a senhora pode cuidar da minha mãe?"

Gizelly sabia que Carlinhos que levava comida pra dentro de casa. Era uma das únicas preocupações do menino quando eles se conheceram.

"Não se preocupa, tá? Só pensa em se manter bem e não cair na pilha de ninguém lá dentro," falou rapidamente quando o policial veio na direção deles. "Eles vão ter que te levar agora. Força. Eu sei que você tem de sobra. Eu vou cuidar da sua mãe, fica tranquilo," ela foi tentando falar tudo rápido, enquanto o policial já ia levando Carlos.

Antes de entrar na viatura, ele virou pra ela e deu um sorriso singelo.

"Obrigada por me ver, doutora. Eu nunca vou esquecer."

POV GIZELLY

Passaram três semanas desde que Carlos havia sido preso e eu quase não dormi durante todos esses dias. Estava me sentindo péssima. Como pessoa e como profissional. Aquele caso tinha doído em mim como nenhum outro.

Olhei pra minha sala e garrafas de cerveja estavam espalhadas por ali assim como pacotes de comida de delivery. Quando eu estava em casa, ou eu estava trabalhando em alguma alternativa para o caso de Carlos ou estava afogando minhas dores em bebida e comida. Eu sabia que não era o certo, mas era como eu estava conseguindo lidar com aquilo.

Hoje tinha sido um dia particularmente ruim, pois eu havia visitado Marcele e descobri que fazia dias que ela estava sem energia e a comida que eu tinha mandado na semana anterior tinha estragado em boa parte. A mulher não havia me ligado para não "me dar tralho" e eu me senti pior ainda.

Depois de pagar as contas de energia e esperar que a companhia fosse religar a luz, levei Marcele e Cláudia, a filha mais nova de Marcele, para novas compras. Não é que como se eu tivesse dinheiro para esbanjar, mas vivia confortável o suficiente para poder cumprir minha promessa a Carlos de não deixar sua família passar necessidades.

Eu as deixei em casa aquela noite e elas só me deixaram sair depois que compartilhei um jantar caseiro maravilhoso com as duas. Era uma sensação estranha estar junto delas. Um misto de dor, carinho, tristeza, raiva de mim mesma e angústia pelo o que elas e principalmente Carlos estavam passando.

Quando cheguei em casa, aquela sensação ainda me acompanhava, então decidi lavá-la goela abaixo com álcool.

Estava perdida em meus pensamentos sombrios quando meu telefone tocou. Suspirei cansada e me levantei para alcançar a minha bolsa onde ele estava desde a hora que cheguei no meu apartamento. Quando peguei o aparelho em minhas mãos, até me surpreendi com o nome na tela. Não falava com Manoela há meses.

"Ei Manu," falei me jogando de volta no sofá e dando um gole na minha cerveja.

"Bebendo segunda-feira, Gizelly?" foi a resposta que recebi. Revirei meus olhos. Eu amava Manu, mas ela podia ser chata demais quando se tratava de alguns dos meus hábitos.

"Eu não estou num bom humor, Manoela," respondi fechando meus olhos e pressionando a ponta dos meus dedos sobre os mesmos. Uma dor de cabeça começaria em breve.

"Tudo bem," sua voz se acalmou. "Não liguei pra brigar. Na verdade estou precisando de um grande favor seu. Mas é grande mesmo."

Isso me surpreendeu. Apesar de conhecer Manu desde criança, ela nunca havia me pedido favores, ainda mais algo que parecia importar muito para ela se eu fosse julgar por seu tom de voz.

"Pra você, o que você quiser," falei com sinceridade. Ela podia ser uma chata as vezes, mas eu amava demais aquela tampinha. Faria tudo por ela.

"Eu preciso de seus serviços como advogada, mas você vai ter que vir pra Goiânia."

Goiânia? O que diabos Manu estava fazendo em Goiânia?

"O que você tá fazendo em Goiânia que precisa de ajuda minha como advogada, Manoela?" falei preocupada.

"Você vem? Se sim, eu te conto tudo."

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