12. Perguntas difíceis

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POV GIZELLY

Passamos mais de uma hora conversando. Confesso que meu coração se apertava no peito toda vez que Rafa demonstrava o quão desesperadora era aquela situação para ela. Eu já havia visto isso várias vezes na minha profissão, mesmo que em situações diferentes, mas no fim acabava circulando para a mesma coisa: medo de não ter controle da própria vida.

Claro que no caso de Rafaella, ela não estava enfrentando cadeia ou algo pior, - como ameaças de morte -, mas ainda assim, o que a mulher mais temia era isso, perder o controle da própria vida. Ou continuar perdendo, já que pelo o que ela me contou, fazia anos que as escolhas do marido prevaleciam sobre as suas.

Rafa me contou tudo o que eu perguntei. Contou como se conheceram, como eram os anos de namoro, noivado, casados. Eu tentava ser discreta com minhas perguntas, porque afinal, estava caminhando em território sensível. Era claro pela postura da mulher, como a qualquer momento aquilo tudo poderia ser demais. Ela olhava constantemente para o corredor onde Manoela e Larissa haviam sumido mais cedo, toda vez que tinha que constar histórias sobre o marido. Claramente não querendo que a filha escutasse nada daquilo.

Fazia alguns minutos que eu estava me preparando para perguntar algo que eu sabia que podia ser um pouco demais para Rafaella. Eu estava planejando qual seria a melhor maneira de abordar aquele tópico, decidi que a mulher a minha frente ia preferir que eu a tratasse diretamente, sem rodeios. Pelo pouco que eu conhecia de Rafaella, ela parecia ser prática, preferia falar o necessário do que dar voltas e não chegar a lugar a nenhum.

"Rafa, eu vou fazer uma pergunta agora que pode ser um pouco difícil," eu falei e observei o rosto dela se contorcer rapidamente em uma expressão de angústia, mas rapidamente a expressão foi substituída por uma máscara de tranquilidade. Rafaella fazia muito isso, percebi com tristeza. "As brigas de você e de Pedro já se tornaram... Hã..." hesitei brevemente e ela me interrompeu.

"Física? Por Deus, não!" falou com um tom um pouco alto e os olhos arregalados. Levou seus olhos mais uma vez para o corredor vazio e fechou os olhos, pressionando as pálpebras fechadas com as pontas dos dedos, claramente estressada.

"Tudo bem. Me desculpa perguntar, mas é importante," usei minha voz mais calma e pensei em tocar sua mão mais uma vez para conforto, mas ela estava fora do meu alcance.

"Não, eu entendo," respondeu enfim, com a máscara de calmaria novamente em seu rosto. Pela enésima vez durante aquela conversa, me vi pensando em como tínhamos isso em comum. Viver sob máscaras.

A próxima pergunta era pior e eu demorei um pouco para falar. Eu estava nervosa. Era um tópico difícil e julgando pela reação da mulher, eu tinha medo de machucá-la ainda mais.

"Eu peço desculpas novamente, Rafa," falei e ela suspirou.

"Você não precisa se desculpar sempre que for fazer uma pergunta desconfortável, Gi," ela falou com seus olhos verdes brilhando colados nos meus e o seu tom de voz havia mudado.

Durante toda a nossa conversa profissional hoje, depois do momento inicial, Rafa havia se portado como numa entrevista. Distante na maior parte do tempo e só mostrando vulnerabilidade nós pequenos gestos, que eu percebia apenas por ter convivido, mesmo que brevemente, com ela. Naquele momento, no entanto, era Rafaella que falava comigo, não só a minha cliente. Poderia parecer loucura separar a mulher assim, mas na minha cabeça fazia total sentido.

"Eu sei, mas eu não quero te deixar desconfortável, " respondi.

Ela sorriu de canto, não era um sorriso amargo, mas estava longe de ser um verdadeiro. Relaxou seu corpo na cadeira enquanto olhava para a parede a sua frente, antes de voltar a me encarar.

"Essa conversa inteira me deixa desconfortável," falou. Seu olhar era sério, mas não duro.

"Eu sei," respondi sinceramente.

"Essa pode ser sua última pergunta por hoje?"

Observei seu semblante cansado. Eu sabia que ela já havia chego assim, eu pude ver desde a hora do café que a mulher aparentava exausta. Mas parecia que nossa conversa havia colocado mais peso sobre os ombros dela. Eu fui tomada por um sentimento que me preocupou profundamente. Ali, naquele momento, eu queria pôr meus braços ao redor dela e proteger ela de tudo.

Engoli em seco.

"Pode," falei, colocando aqueles pensamentos no fundo da minha mente.

"Ok," disse se apoiando com os braços sobre a mesa.

"Como é a relação dele com Larissa?"

"Eu já respondi isso, quer dizer... Pera," ela me encarou com o rosto em choque. "Você quer saber se ele já foi violento com a mina filha?" ela "gritou" em sussurro, olhando desesperadamente na direção do corredor. "Eu nunca deixaria isso acontecer!" me falou com uma raiva que eu desconhecia e eu acabei me retraindo na cadeira.

Acho que ela percebeu minha reação e tentou se acalmar. Claro que eu entendia, por isso estava apreensiva com a pergunta, mas a reação dela tinha me pego de surpresa.

"Desculpa, eu..."

"Não, eu entendo," eu a interrompi. "Eu não quis te ofender, eu só precisava perguntar," falei lhe oferecendo um sorriso calmo e ela retribuiu. "Acho que por hoje a gente pode encerrar," disse arrumando os papéis a minha frente.

"E onde isso deixa a gente?" perguntou.

"Eu vou montar a documentação do pedido de divórcio, com suas exigências e quando você estiver pronta, você decide se prefere primeiro conversar com ele com a presença de advogados ou não. Ou se você prefere que tudo seja feito em frente a um juíz. Você tem opções, Rafa, eu vou fazer o que você decidir e vou dar meu melhor para você conseguir o que quer..."

Antes que ela pudesse me responder, ouvimos as vozes de Manoela e Larissa se aproximando e Rafa apenas concordou com a cabeça para mim, antes de se virar para a direção da filha.

"Desculpa interromper, mas baixinha está com fome, que tal pedirmos algo?" falou Manoela.

"Já acabamos por hoje, então não tem problema," falei me levantando. "E comida é sempre bem vinda," falei levando as mãos a barriga.

"Você é uma esfomeada, Gizelly," falou Manu rindo da maneira que eu pegava na minha barriga.

"Essa beleza inteira precisa ser cultivada com muitos nutrientes, Manoela," falei brincando. "E então o que vão querer comer?" falei olhando para as duas outras ocupantes da sala.

Larissa estava no colo de Rafa e as duas pareciam observar a minha interação com Manu.

"Bolo?" respondeu Larissa do nada, fazendo nós três rirmos.

"Bolo não é almoço, bebê," Rafa respondeu, deixando um beijo no topo da cabeça da filha e eu sorri para a cena. Rafaella era linda normalmente, mas nesse momento ela conseguia ser ainda mais. O amor, carinho, cuidado e etc estavam estampados e aflorados na mulher esse momento, e pra mim, ela nunca foi tão bonita.

"Gizelly, acorda, mulher!" me espantei com uma almofada sendo jogada em mim.

"Manoela!" falei constrangida. Claramente as duas mulheres haviam me visto encarando Rafaella por mais tempo que o normal. Manu me olhava divertida e Rafa me olhava de um jeito que eu não sabia decifrar. "Hum... Por que vocês não escolhem? Eu como qualquer coisa..." falei rapidamente e fui em direção ao banheiro sem falar mais nada.

Entrei no cômodo e me encarei no espelho.

"Você tem que ser mais profissional, Gizelly," falei para mim mesma em tom de reprovação.

Nota da autora:

Oi gentê!

Voltei hahahaha

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