78. Fantasmas

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POV RAFAELLA

Passei o dia observando Gizelly de perto. Estava atenta a todos os seus gestos e feições. Sabia que ela estava prendendo muita coisa dentro de si e estava cuidando dela, mesmo que ainda mantendo minha distância, como ela tinha pedido mais cedo.

Quando já era noite, nos despedimos de Carlinhos e Dona Marcele e fomos até o apartamento de Gizelly em silêncio. Dessa vez eu deixaria que ela falasse quando estivesse bem. Eu sabia que Carlinhos acordar era uma benção, mas sabia que Gizelly estava ainda muito mal com o fato do menino estar paralisado, mesmo que o médico tenha dito que era contornável. Gizelly era muito apegada àquela família de uma maneira que eu não entendia completamente, mesmo que agora estivesse entendendo melhor.

Entramos no apartamento e ela já foi diretamente para o quarto.

"Preciso de um banho," anunciou.

Eu sabia que ela queria um tempo a sós e torci para que ela conseguisse extravasar um pouco do que estava sentindo e não guardasse tudo para si. Gizelly tinha um coração imenso, mas isso fazia com que ela acabesse tomando dores e responsabilidades que não cabiam a ela. Era difícil vê-la tentando carregar o mundo nas costas e não poder dizer nada. Não dizia porque não era o momento certo. Ainda.

Fui até o quarto dela que estávamos dividindo, e tirei meus sapatos, sentando na cama ao mesmo tempo que ouvi o chuveiro ligar. Soltei um suspiro cansado e fui até o armário, escolhendo uma roupa confortável para ela dormir. Essa noite eu cuidaria dela mais uma vez, só que agora com ainda mais carinho, pois sabia que ela ia precisar.

Quando deixei a roupa que havia selecionado sobre a cama, andei até a porta do banheiro e bati de leve na mesma.

"Amor, vou pedir comida hoje, tá? O que cê quer comer?" perguntei. Não estava no clima de cozinhar e nem queria que ela fosse para a cozinha também. Estava pensando em um filme bobo e cafuné, caso ela não quisesse conversar. "Amor?" insisti quando ela não respondeu.

Eu não queria entrar no banheiro para não invadir a sua privacidade, mas não aguentei quando a resposta não veio depois de mais algumas tentativas de chamá-la. Entrei no banheiro e meu coração se despedaçou no peito, Gizelly estava sentada no chão do box, com a cabeça entre os joelhos, em um choro copioso, doído.

"Oh, meu amor," falei indo em sua direção e abrindo a porta do box.

Ela continuou naquela posição, ainda chorando e eu fiquei alguns segundos sem saber o que fazer. Me ajoelhei ao seu lado, então, sem me importar em molhar minhas próprias roupa.

"Amor, olha pra mim," pedi com uma das minhas mãos em seus cabelos.

Eu nunca tinha visto ela tão vunerável. A sua nudez física era uma metáfora perfeita.

Quando eu percebi que ela não pararia de chorar tão cedo, eu apenas me sentei no chão molhado mesmo e a puxei para os meus braços. Se ela não podia se mexer, eu ficaria ali com ela até ela ter forças para aquilo. Isso também era uma metáfora perfeita para a nossa situação.

Eu dizia palavras doces em seus ouvidos e torcia para que ela me ouvisse. Manu havia me falado sobre a outra crise que Gizelly tinha tido e que ela só se acalmou quando finalmente dormiu, mas ela não podia dormir nesse chão molhado e eu não teria forças para carregá-la sozinha para a cama.

"Amor, a gente precisa levantar," tentei mais uma vez. "Deixa eu te pôr na cama, por favor," falei já me sentindo um pouco desesperada. Não sabia o que fazer, ela parecia não responder às minhas tentativas.

Minha cabeça estava a mil quando ela finalmente levantou o rosto do lugar que estava em meu peito. Seus olhos estavam inchados do choro intenso e o cabelo molhado estava preso por todo o seu rosto.

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