81. O que vem aí

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POV GIZELLY

A felicidade que se montou no rosto de Carlinhos e dona Marcele quando eu dei a notícia que agora ele estaria em regime domiciliar foi algo que eu não esperava. Eu sabia, é claro, que eles ficariam felizes, mas foi como ver uma chama se acender nos olhos do menino. Esperança é algo mesmo lindo de se ver.

Passamos a tarde conversando o que o futuro reservava a ele e expliquei que havia entrado com um processo contra o estado para buscar as indenizações que ele merecia. O estado era responsável pelo bem estar dele, e como havia falhado, ia ter que pagar. E que mesmo que a burocracia tentasse atrasar aquilo, eu tinha certeza que o nosso caso era sólido o suficiente para conseguirmos.

Depois de falar sobre assuntos mais formais, entramos em uma conversa familiar e tranquila. Carlinhos, como sempre curioso, perguntava sobre Goiânia, dizendo que sempre quis sair do Espírito Santo. O meu coração se apertava um pouco naquelas horas, mesmo que ele falasse como quem espera por um futuro, não como quem já desistiu.

Observá-lo imóvel na cama, enquanto falava seus planos e desejos com brilho nos olhos e esperança no tom de voz, me dava uma lição de força. Aquele era um menino que não seria parado por suas limitações. Eu só pedi a Deus que elas não fossem tantas.

Fazia cinco dias desde que Rafaella havia voltado para Goiânia e eu estava resolvendo apenas algumas coisas em relação a Carlinhos antes de voltar também. Eu precisava assegurar que a casa dele estaria pronta para receber alguém com suas limitações, assim como garantir que seu tratamento continuaria da melhor maneira possível. Era obrigação do estado arcar com aquelas despesas e eu faria questão disso.

Cheguei em casa cansada e nem me preocupei em comer nada — torci em silêncio para que Rafaella não tivesse um sonho maluco e sensitivo e adivinhasse que eu estava pulado uma refeição — e fui diretamente para o banho.

Assim que terminei minha rotina noturna, me deitei na cama e fui checar meu celular pessoal, apenas para encontrar três chamadas de vídeo não atendidas de Rafa. Preocupada, liguei imediatamente.

"Aconteceu alguma coisa, amor?" já fui falando quando a ligação foi atendida, mas acabei me cortando na última palavra, pois o rosto que aparecia na minha tela não era o da minha namorada. Era o da sua versão em miniatura. "Oi, baixinha. Que cê tá aprontando com o celular da sua mãe?" falei rindo, quando vi que Rafaella aparentemente não estava com ela.

"Ela tá tomando banho e eu queria falar com você de novo," Larissa falou, sorrindo de maneira sapeca.

"E como me achou?" perguntei.

"Tem sua foto, né Gi?" a menina disse rindo, me fazendo rir da minha bobice também. "Quando você volta?" Larissa perguntou, se ajeitando em frente a câmera e eu pude ver que ela estava no quarto de Rafaella, deitada na cama.

"Em alguns dias, bebê. Tô com saudades de você," falei. E eu realmente estava.

Às vezes eu me pegava amedrontada com o tanto que eu estava apegada a Larissa e Rafaella. Parte de mim tinha sempre medo de tudo ser um sonho, ou algo passageiro. Mesmo que conscientemente eu soubesse que isso eram apenas as minhas inseguranças falando.

"Você tem que vir logo, ganhei da vovó um quebra-cabeças novos e você vai amar porque é da sua favorita Mulan," Larissa falou animadamente e eu sorri para a menina, aproveitando a sua empolgação para relaxar na minha cama.

"Com quem você está falando, filha?" ouvi de longe a voz de Rafaella e a cara que Larissa fez foi impagável. Cara de quem tinha sido pega com a mão na botija.

"Com a Titchela," ela falou ainda suportando a mesma feição, só que agora encarando além da tela.

"Larissa, eu já disse que você não deve mexer nas coisas dos outros sem permissão," Rafaella falou em um tom de repreensão e eu me forcei a tirar meu sorriso do rosto. Apesar de achar a cena fofa, não queria parecer que não estava do lado da Rafa nessa bronca.

"Desculpa, mamãe," a menina respondeu, fazendo aquela carinha que me derretia todas as vezes. Rafaella era vacinada, no entanto. Ou ao menos se forçava a ser.

"Dessa vez passa, mas promete que não faz mais," ela disse.

"Prometo," Larissa respondeu imediatamente, balançando a cabeça em confirmação.

Apesar de Rafa ser bastante aberta e carinhosa, ela era firme em certos aspectos e isso era perceptível nos bons modos da menina. Claro que às vezes ela tinha seus momentos de mal criação, como toda criança, mas na maior parte do tempo, era uma criança muito obediente e tranquila.

"Posso continuar falando com ela?" Larissa perguntou e eu só fiquei em silêncio, ouvindo toda a interação e não me metendo.

"Só para desejar boa noite," Rafa respondeu, fazendo o bico voltar aos lábios de Larissa e ela finalmente voltar a me encarar na tela.

"Boa noite, Titchela," ela disse em sua voz triste e juro que meu coração apertou um pouquinho.

"Boa noite, mini Rafa. Amanhã eu ligo mais cedo pra gente conversar bastante, tá?" prometi, tentando fazer ela ficar mais felizinha.

"Ta bom, mas volta logo," ela finalizou e antes mesmo que eu pudesse responder, a tela ficou preta, mas a ligação ainda estava ativa. Eu ri baixo. Ela simplesmente deve ter deixado o celular na cama.

Eu ouvi alguns passos e imaginei que Rafa tenha ido colocar Larissa para dormir. Pensei se deveria desligar, mas acabei me distraindo com os poucos sons que ainda conseguia ouvir do outro lado da linha e me imaginei ali. Não estava apenas com saudade das minhas interações com Larissa ou da presença física de Rafaella, eu sentia falta do sentimento de pertencimento que eu tinha naquela minha nova vida que havia criado em Goiânia. Era estranho demais pensar assim, mas a vida em Goiânia era onde eu me via no futuro.

Acabei me distraindo em meus próprios pensamentos, que me assustei quando ouvi a voz de Rafaella me chamar, assustada, e seu rosto aparecer na tela do meu celular.

"Ei, amor. Desculpa, a Lari não desligou e eu acabei não desligando também," falei rapidamente.

Rafaella me olhava sorrindo do outro lado da linha, com seus cabelos presos no topo da cabeça e seu rosto branco por algum tipo de creme.

"Não era o jeito que eu queria que você me visse, mas tá tudo certo," ela disse rindo enquanto se movimentava pelo quarto.

"Como se tivesse algum jeito de eu achar você feia, Rafaella," respondi, revirando os olhos.

Ela posicionou o celular de modo que eu pudesse observá-la, imagino que algum tipo de suporte, e continuou a fazer o que provavelmente estava fazendo quando descobriu que Larissa estava mexendo em seu celular.

"Eu vou acreditar nas suas palavras e vou conversar com você durante meu skin care," ela disse, me lançando um sorriso aberto que me fez sorrir também.

"To com saudades," falei enquanto a observava passar produtos no rosto.

"Eu também, meu amor. Você volta quando?"

"Provavelmente em alguns dias," respondi. "Mas ei," chamei para que ela me encarasse. "Quando eu voltar, a gente tem que conversar..."

Notas da autora:

E aí, boiolinhas? Como estamos?

O que será? Hehehehehh

Até o próximo!

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