41. Maneira certa

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POV RAFAELLA

A cada dia que se aproximava, eu ficava mais nervosa e ansiosa com a chegada da audiência. Reduzi minhas horas de trabalho naquela semana, pois queria aproveitar mais o meu tempo com Larissa. Não havia falado com ninguém sobre isso, mas estava apavorada de perdê-la.

Gizelly — Meu deus, como eu era agradecida por ela, — passou a semana tentando me tranquilizar. Algumas vezes me assegurando no papel de advogada, outras como amiga. Sim, amiga. Mesmo que eu já estivesse entendendo melhor meus sentimentos por ela, eu ainda não tinha coragem de agir neles.

A cada dia que passava, mais difícil ficava não notar as nossas trocas. E eu não falo apenas dos flertes — ainda leves  —, falo da cumplicidade que conquistamos. Além dos encontros da tarde para conversar amenidades, havíamos construído um hábito de trocar mensagens durante o dia. Isso tinha começado desde que eu me mudara para a casa da minha mãe, mas havia se intensificado na última semana.

Não havíamos ainda passado de nenhum limite entre amizade e algo mais — tirando o beijo, é claro —, mas eu sabia que isso era mais por minha conta que dela. Eu que percebia seus olhares desde o início, agora me via trocando os mesmos com ela quando estávamos a sós. Foi uma evolução natural e difícil de controlar da minha parte.

Algumas noites eu me pegava pensando se teria coragem de encarar o significado daquilo tudo. Era confuso para mim. Eu não me sentia estranha em me atrair por ela — sim, alguma hora durante aquelas semanas, eu tive coragem de assumir para mim mesma que aquele sentimento era atração —, mas aquilo era novo para mim. Pensar em uma mulher daquele jeito era novo para mim. E se a minha vida, nesse momento, não estivesse borbulhando de tantas coisas novas, talvez fosse mais simples me jogar de cabeça nessa em particular.

Naquela quarta-feira, dois dias antes da audiência de conciliação, eu me vi mais uma vez no sofá da sala de Manoela, observando Gizelly trabalhar. Dessa vez havíamos começado uma conversa leve e nosso habitual café quando seu celular tocou. Ela havia se desculpado profundamente e dito que precisava mesmo atender aquela ligação e eu havia dito que não tinha problema, que eu podia esperar.

Era Letícia mais uma vez e era algo sobre o caso de Carlinhos. Gizelly não gostava de tocar muito naquele assunto, mas eu sempre me preocupava com isso. Tinha medo de que esse caso prejudicasse a transformação que eu via diariamente nela.

Dessa vez, não me incomodei em passar o tempo inteiro da conversa a observando. Eu estava presa na curva da sua nuca e em como ela suavemente se estendia até suas costas. Eu percebi que o que me causava interesse nela fisicamente, era completamente diferentes das coisas que eu reparava nos homens, mas a reação era a mesma.

Eu nunca fui uma pessoa muito física. Claro que aproveitei bem minha juventude, mas eu sempre gostei de me apaixonar. O que geralmente me atraía em alguém era a personalidade e a forma que a pessoa me tratava, o físico ficava em segundo plano.

Sim, eu percebo a ironia em relação ao Pedro, mas naquela época ele era diferente. Ou eu que era, não sei bem dizer.

Gizelly havia primeiramente me cativado com sua personalidade e, mesmo tendo sido linda desde que nos conhecemos, o meu olhar apenas mudou sobre ela quando ela me permitiu ver pedaços seus que eram impossíveis de não se encantar.

"Encarar é feio," ela falou de repente. Senti meu rosto corar na hora. Pega no flagra.

Ela veio em minha direção e se sentou ao meu lado, só que de lado, com o seu corpo de frente ao meu. Ela colocou o seu braço sobre o encosto do sofá e tinha  um sorriso de vitória no rosto — com certeza por me deixar sem graça. Ignorei o sorriso e me virei em sua direção também.

"Deu tudo certo na ligação?" perguntei.

"Sim, ela só estava me atualizando," Gizelly disse perdendo o sorriso e suspirando.

"Quer falar sobre?" ofereci, tocando levemente seu braço.

"Não," respondeu, sorrindo fraco. "Preferia voltar a nossa conversa leve de antes."

Concordei com a cabeça, apertando sem força o local onde minha mão estava em seu braço e a retirando dali.

"Eu também. Acho que cansei de só pensar em assuntos pesados essa semana. Um dia sem ter que pensar em divórcio, trabalho e até o futuro seria ótimo!" confessei.

"Depois da audiência você podia fazer isso. Uns dias totalmente seus. Pegava o final de semana e ia fazer uma viagem. Com Larissa ou quem sabe, só com você mesma," Gizelly disse e a ideia me fez sorrir, pensativa.

Seria incrível. Fazia um tempo que eu não viajava apenas para me divertir e relaxar. Não seria uma solução, afinal quando eu voltasse, tudo estaria a minha espera. Mas um escape seria reconfortante.

"Acho que seria uma boa ideia," respondi. "Se você estivesse planejando algo assim, o que faria?" perguntei lhe encarando.

Ela soltou uma risada baixa e eu observei com o canto do meu olho a sua mão se aproximar da minha. Ela não me respondeu, apenas tocou com as pontas dos dedos sobre as costas da minha mão. Seus olhos acompanhavam o movimento de seus dedos e os meus variavam entre fazer o mesmo e buscar seu rosto. Queria saber o que ela estava pensando.

"Por incrível que pareça, essa acabou sendo a minha viagem de escape," falou finalmente, levando seus olhos até meu rosto.

Os olhos castanhos brilhavam intensamente, como se mergulhando nos meus. Senti uma sensação estranha indo como um sopro do meu estômago até o meu peito. Meus olhos desceram automaticamente para a sua boca e eu me vi pensando se o gosto dela ainda seria o mesmo.

Quando meus olhos voltaram a fixar nós de Gizelly, ela tinha um sorriso no rosto, mas não era um sorriso feliz. Parecia mais resignação. Como se ela estivesse se perguntando o mesmo que eu, mas tivesse pensado por nós duas e decidido que ainda não era o momento.

E mais tarde, enquanto dividia a cama com a minha filha, pensando no que viria apenas dois dias depois, eu a entendi. Alguns dias certamente não eram tempo demais para fazer as coisas da maneira certa.

E sim, pensar que tinha um jeito correto de fazer as coisas, queria dizer que eu realmente estava disposta a descobrir aonde iríamos daqui.

Notas da autora:

Por Deus, de onde veio esse capítulo???
Vocês sabem???
Porque eu não sei! Hahahahahahaha

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