13. Climão

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POV RAFA

Observei Gizelly sair apressada para o banheiro e depois encarei Manoela confusa. Não era a primeira vez que eu pegava a morena me olhando de uma maneira mais intensa que o "normal". Eu entendia aquele tipo de olhar quando vinham de homens, mas vindo de uma mulher eles me confundiam. Não que eu fosse preconceituosa ou algo assim, só que eu realmente não sabia se eles significavam a mesma coisa nos dois casos. Se sim, torcia para Gizelly continuar me tratando com o respeito que ela estava. Eu não ligava para olhares, afinal já era acostumada por conta da minha profissão, mas a nossa relação era profissional, mesmo que amigável. E eu sou hétero e casada, por Deus.

Tentei não focar naquilo. Gizelly tinha sido sempre muito gentil e respeitosa, se não fosse pelos olhares mais longos e minha experiência em estar sempre atenta nos mais mínimos detalhes nesse quesito, eu não teria percebido nada. Então resolvi deixar por estar.

"A gente podia pedir comida mineira daquele restaurante que a gente ama," eu falei para Manu que olhava as opções no aplicativo.

"Ótima idéia. Gizelly ama comida mineira," minha amiga falou rindo baixo, como se tivesse contado uma piada que só ela entendia.

Eu não me incomodava com as brincadeiras de Manu. Ela era assim. Alto astral, brincalhona, fazia a própria luz dela. Simplesmente não tinha como não gostar Manoela.

Fingi, então, não entender a brincadeira.

"Pede o de sempre pra gente e espera a Gizelly voltar pra ver se ela não quer acrescentar alguma coisa," eu disse pegando minha filha no colo e indo em direção ao sofá.

Larissa que havia acordado cedo por conta da animação em passar o dia com Manu, estava sonolenta em meus braços. Quando me levantei, ela ajustou sua cabeça em meu pescoço e eu sorri. Amava tê-la assim comigo.

Me sentei no sofá macio de Manu e me livrei de meus sapatos, me deixando mais confortável para aproveitar aquele momento com minha filha. Manoela olhava sorrindo pra gente com o celular na mão.

"Ela é um anjinho," disse minha amiga em tom baixo para não incomodar o sono de Larissa.

"Sim, ela é," respondi sorrindo.

Gizelly escolheu essa hora para reaparecer na sala. Ela parecia um pouco tímida e retraída.

"A gente vai pedir comida mineira, você quer acrescentar ao nosso pedido?" Manu perguntou oferecendo o celular para Gizelly, que aceitou o aparelho, mal olhando a tela e dizendo que estava tudo bem pra ela.

Manu olhou um tempo para a amiga e elas tiveram uma espécie de conversa silenciosa. Acho que amizade de anos dá esse poder às pessoas. Não quis me intrometer então me destraí afagando os cabelos de Larissa e velando seu sono.

Gizelly se sentou no lado oposto do sofá que eu ocupava e parecia perdida em pensamentos. Manu mexia em seu celular e às vezes ria de alguma coisa ou outra. Eu não queria que o clima ficasse estranho assim, afinal eu gostava da presença de Gizelly e não queria que ela ficasse constrangida, mas não sabia como tocar no assunto sem aumentar o desconforto da mulher. Decidi que eu mesma teria que cortar aquele clima.

"Sua família também mora em Vitória, Gi?" perguntei em tom baixo, iniciando o assunto. Gizelly pareceu se assustar com a minha pergunta repentina e se virou pra mim, sorrindo com as bochechas levemente coradas.

"Só eu mesmo," ela respondeu esfregando as mãos uma na outra. "Minha mãe, meus avós e o restante da minha família moram ainda no interior do Espírito Santo."

"Manu disse que lá tem umas cachorreiras bem bonitas," falei e observei que Manoela apenas fingia não estar prestando atenção na nossa interação, já que seus dedos pouco se moviam sobre a tela. Manoela, Manoela.

"Tem sim, em Iúna tem umas incríveis!" Gizelly falou empolgada e eu vi que havia conseguido tirar ela da bolha que ela mesma havia se enfiado. Começamos uma conversa animada (em tom baixo por conta de Larissa) sobre as paisagens mais bonitas que conhecíamos. Falei para Gizelly do interior de Minas Gerais, de alguns cantos do nordeste, das belezas do norte. A advogada ouvia atenta, me esclarecendo que amava viajar, mas que só agora estava com condições financeiras favoráveis para explorar outros lugares.

Conversamos animadamente apenas as duas, da mesma maneira que havíamos feito quando nos conhecemos e mais uma vez eu me senti confortável na presença da outra mulher. Gizelly era alguém fácil de se aproximar e gostar.

Manu nos interrompeu apenas para anunciar que o entregador havia chego. Quando fui me levantar para pagar, no entanto, Manu disse que como éramos convidados na casa dela, ela que pagava. Eu ia protestar, mas Manu já havia corrido para a porta com a carteira na mão. Gizelly riu da minha expressão de indignação.

"Deixa ela mimar vocês, ela adora fazer isso," Gizelly falou.

"Eu sei, por isso tenho que frear às vezes, senão ela quer pagar tudo sempre," respondi.

Senti Larissa se movimentando nos meus braços e decidi que era a hora certa de a acordar ela.

"Ei, bebê," falei suavemente passando minhas mãos em seus cabelos. "A comida chegou..."

Foi só eu falar isso que os olhos dela se arregalaram e ela praticamente pulou dos meus braços. Manoela que ja estava com a comida na mesa começou a rir da reação de Larissa.

"A Lari é uma esfomeada igual você Gizelly," Manu falou.

Gizelly que ja estava se servindo da comida (como ela chegou lá tão rápido?), ignorou Manu e começou a se servir. Larissa já estava do lado de Gizelly na mesa.

"Posso te ajudar a sentar?" Gizelly perguntou para minha filha que concordou rapidamente. Gizelly a pegou em seu colo com facilidade e a colocou sobre a cadeira, dando uma piscadela pra ela.

"Mãe, fome!" Larissa falou do seu lugar na mesa e Manu estava nesse momento gargalhando.

"Meu Deus, vocês são mesmo duas esfomeadas," falei também rindo e indo servir Larissa que olhava Gizelly comer atentamente.

Coloquei um pouco de feijão tropeiro, arroz e carne cortada em pedaços pequenos no prato de Larissa e lhe ofereci uma colher. Ela pegou rapidamente o utensílio da minha mão, agradecendo e começou a comer.

"Muito bom," Larissa falou com boca cheia. Antes que eu pudesse repreendê-la por isso, Gizelly respondeu com a boca igualmente cheia:

"Muito bom mesmo!"

As duas sorriram uma pra outra e continuaram a devorar seus pratos. Olhei assustada para aquela cena e ouvi no fundo Manoela continuar gargalhando.

Gizelly apontou para seu prato e falou algo que não entendi, Larissa concordou com a cabeça e respondeu algo também inteligível para mim. Elas continuaram com a conversa, ambas ainda falando com as bocas cheias de comida. Quando a indignação passou, acabei sorrindo. Elas pareciam felizes demais pra eu me importar com modos.

Nota da autora:

1. Rafa saca tudo!

2. Larissa é uma Rafaellinha ou uma Gizellinha? Fica a questão!

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