76. Deixa que a gente divide

10.1K 743 414
                                    

POV RAFAELLA

Acompanhei Gizelly até dentro do hospital e ela pediu que eu aguardasse enquanto ela ligava para Dona Marcele para saber onde ela estava. A mulher atendeu e elas falaram alguns minutos antes de Gizelly desligar.

"Antes da gente subir, deixa eu te falar," ela começou. "Ele já está em um quarto e já foi tirado do coma induzido, mas ainda não acordou," Gizelly dizia de uma forma mecanizada. Ela claramente estava se distanciando da situação para poder lidar com tudo. "Os médicos disseram que ele têm grandes chances de acordar, mas é incerto," sua voz vacilou um pouco no final e eu a olhei com o coração apertado enquanto ela se recompunha rapidamente na minha frente. Eu sabia que ela precisava daquela máscara, mas me doída muito lhe ver nessa situação.

"Tá bem, amor," falei baixinho e levando minha mão até o seu braço, em um toque de reconforto.

Ela desviou seus olhos dos meus e suspirou pesado quando o elevador chegou. Entramos e ela pressionou o botão do quarto andar.

"Eu vou te apresentar para Dona Marcele e depois tenho que ir resolver algumas burocracias. Você pode ficar aqui ou me esperar em outro lugar aqui perto, você decide, ok?" ela disse.

Eu não queria que Gizelly se distanciasse emocionalmente de mim, mas era uma situação muito complicada. Eu conseguia ver e entender um pouco mais agora. Eu tinha visto de primeira mão tudo o que aquele caso fazia internamente com Gizelly e como aquela situação a afetava em um nível íntimo. Mas sabia que ao mesmo tempo, ela tinha que manter um certo profissionalismo, e eu acho que isso a consumia mais do que a própria dor com o que tinha acontecido. Mentir para o mundo é exaustivo e eu sabia bem.

Saímos do elevador e eu apenas a seguia em silêncio, me prometendo que iria cuidar dela quando estivéssemos a sós. Estava entendo meu papel nessa viagem mais claramente. Eu teria que ser não apenas um ponto de apoio, mas uma confidente, alguém para quem ela pudesse se desmanchar quando saísse de sua armadura no final do dia.

Quando entramos no corredor dos apartamentos, Gizelly foi lendo os números nas portas na procura do quarto certo. Quando paramos em frente ao 207, ela não fez nenhum movimento para entrar.

Eu olhei para a minha namorada estática em frente a porta marrom e o corredor vazio ao nosso redor e imaginei o que eu poderia fazer por ela naquele instante. Busquei sua mão esquerda a minha frente e a puxei para que nossas mãos juntas tocassem meu peito. Gizelly me olhou curiosa.

"Tô aqui," falei baixo, prendendo nossos olhos. Ela suspirou e concordou com a cabeça.

Ela soltou minha mão delicadamente e levou a sua direita até a maçaneta, enquanto batia levemente na porta com a esquerda.

"Pode entrar," ouvimos uma voz feminina dizer do outro lado.

Gizelly me olhou mais uma vez e eu lhe lancei um sorriso encorajador antes de ela abrir a porta.

Confesso que a cena me abalou profundamente. A visão do jovem imóvel na cama com o rosto coberto de pequenas cicatrizes em processo de cura, as máquinas e cabos ao seu redor me fizeram pensar na fragilidade da vida de uma maneira chocante. As marcas dos dias difíceis — quiçá de toda uma vida difícil — no rosto da mulher sentada ao lado dele me comoveu de um modo particular. Foi impossível como mãe, não me imaginar em seu lugar e não sentir uma pontada aguda em meu peito.

A mulher se levantou rapidamente quando viu de quem se tratava na porta e veio a passos largos cumprimentar Gizelly em um abraço fraternal. Era palpável o carinho mútuo que existiam entre as duas. Aquilo fez eu me alegrar um pouco. Dona Marcele claramente tinha um grande afeto por Gizelly.

ImpasseOnde histórias criam vida. Descubra agora