65. Semente da desconfiança

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POV RAFAELLA

Os dias estavam passando exageradamente lentos. As coisas ainda se mantinham complicadas na minha vida profissional. Eu acabei perdendo aquele grande patrocínio e isso havia bagunçado um pouco com a minha cabeça. Eu tentava o tempo inteiro me manter positiva, mas eu sentia como se a vida estivesse me sabotando. Era difícil.

Todas as noites eu só conseguia dormir com a presença de Larissa ao meu lado. Sei que não era saudável, mas eu estava mais uma vez dependendo da minha filha para passar por dias ruins.

Manoela estava sendo minha base como sempre, assim como minha mãe. Marcella estava trabalhando mais do que nunca para arrumar as coisas no trabalho e eu havia tido uma reunião com meu novo advogado. Ele parecia ser competente, mas não me passava a tranquilidade que Gizelly fazia, mesmo no início. Mas eu aceitei que precisaria ser assim.

Hoje tinha sido um dia particularmente difícil, mas Gizelly havia acabado de me ligar e eu sentia meu corpo relaxar, enquanto a ouvia falar — de olhos fechados e deitada na minha cama. Não falávamos de nada sério, como estava virando costume depois daquela última ligação e mensagens. Ela, imagino que por ser difícil demais e eu, por medo. Então eu aproveitava os poucos minutos que tinha com ela para matar — mesmo que minimamente — a minha saudade.

"Você está me escutando, Rafaella?" ela falou se fingindo de brava quando eu não a respondi.

Soltei uma risada baixa, imaginando seu rosto bravo. Que saudades daquela carinha.

"Desculpa, eu tava relaxando ouvindo sua voz," falei em seguida.

"Isso é você dizendo que está com saudades?" sua voz suavizou e eu senti meu peito esquentar.

"Mais do que eu posso dizer," confessei em tom baixo.

Ela soltou um suspiro e eu ouvi ruídos, como se ela estivesse se ajeitando na cama.

"Me desculpa," ela disse enfim.

"Não precisa se desculpar, Gi. Já falamos sobre isso. Eu só sinto sua falta mesmo," falei tentando tranquilizá-la.

"Eu consigo ouvir na sua voz que você não está tão bem quanto está tentando parecer, sabia?" ela disse fazendo meu coração acelerar um pouco. Por que diabos ela me conhecia tão bem?

"É só saudades," menti.

"Mesmo?" perguntou, preocupada. "Eu não quero nunca que você pense que seus problemas não são prioridades para mim," ela disse de forma direta e suave ao mesmo tempo. Eu quase chorei.

Não era como se eu quisesse esconder as coisas dela. Eu só me preocupava tanto com seu estado emocional. Talvez ela ficasse com raiva de mim quando descobrisse, mas eu não conseguia me convencer a mudar de idéia.

"Só resolve tudo o que você precisa aí e volta para mim," pedi, respirando fundo para evitar o choro.

"Quando eu voltar eu te conto tudo o que está acontecendo, ok?" ela prometeu. "Vai ser mais fácil quando tudo já tiver passado e eu puder te abraçar."

Sorri em meio aos meus sentimentos confusos. Gizelly era incrível.

"Eu sei que está tarde e você deveria estar dormindo, mas você se importa em ficar comigo no telefone até eu dormir?" ela pediu, mostrando pela primeira vez, fragilidade em sua voz aquela noite.

"Você quer que eu te ligue por vídeo?" perguntei. Queria muito ver seu rosto. E agora que ela estava com uma operadora que funcionava bem na cidade, talvez fosse possível.

"Penso que isso só vai preocupar você," ela murmurou tão baixo que se eu não estivesse presa em cada palavra, eu não teria ouvido.

"Por quê?" perguntei obviamente preocupada. Ela soltou mais um suspiro pesado.

"Eu deixo você ligar, se me prometer que não vai fazer mais perguntas do que eu posso responder..."

Eu queria dizer não, afinal o que eu poderia ver que faria eu ter perguntas?

"Imensamente insatisfeita, mas tudo bem," falei já desligando a ligação e fazendo outra, só que de vídeo.

Ela demorou alguns toques para atender e quando a tela finalmente abriu na sua câmera, eu apenas vi o teto.

"Só um momento, estou me ajeitando," ouvi sua voz dizer.

Aproveitei para arrumar minha posição na cama também, ficando de lado e apontando o celular para o meu rosto. Esperei com ansiedade até sua figura aparecer na tela.

Por conta da pouca claridade, eu podia distinguir com muita dificuldade seu rosto, mas era inegável as marcas de preocupação gravadas nele. As bolsas embaixo dos seus olhos e o inchaço neles eram as claras indicações.

Passei um tempo em silêncio, analisando seu rosto. Percebi que ela mordia seu lábio inferior em antecipação. Quando terminei minha inspeção, levei meus olhos aos seus e, mantendo a minha promessa, lhe mandei um sorriso suave.

"Que saudades eu estava do seu rosto," falei.

Aquilo fez um sorriso similar ao meu surgir em seus lábios e eu pude ver pela camera quando ela levou sua mão livre até a tela do celular, como se tocando meu rosto. Eram os seus olhos que agora passeavam no meu rosto e por breves segundos, eu lembrei de como ela amava fazer isso pelas manhãs quando dormíamos juntas.

"Tem muita coisa que seus olhos estão me dizendo que eu sinto que você não está," ela falou, me tirando do meu transe de memórias e apreciação.

"Nada que não possa esperar você voltar," menti mais uma vez naquela noite e odiei cada segundo.

Senti seus olhos me analisando de novo e torci em silêncio para que ela acreditasse em minhas palavras.

"Eu não sei porquê não fizemos isso antes," ela disse e eu tive que me segurar para não soltar um suspiro aliviado. Ela tinha acreditado.

"Eu também não," respondi.

Vi que ela lutava para manter seus olhos abertos.

"Por quê você não apoia o celular no travesseiro nessa posição e eu fico daqui mesmo velando seu sono?" pedi.

Seus olhos que estavam fechados, se abriram e eu podia sentir a intensidade neles, apesar da baixa qualidade da ligação.

"Eu amo você," foi sua resposta sonolenta.

"Eu amo você também, bebê," respondi. "Mais do que eu imaginei possível," completei quando percebi que ela já havia dormido. "Bons sonhos, fica bem e volta logo para mim," não sei se foi um pedido a ela ou uma oração.

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