64. Decisões e Saudades

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Saudades

Rafaella percorreu seus olhos pela tela do celular pela enésima vez aquele dia. Aquela tinha sido a última mensagem de Gizelly no dia anterior e Rafaella estava tentando absorver forças daquela pequena palavra. O coração apertava no peito e o rosto estava manchado pelas lágrimas que havia passado as últimas horas derramando. A falta de Gizelly doía mais do que ela um dia admitiria para alguém.

Embaixo do celular, na mesa a sua frente, estava o papel que causara o choro que ela estava tentando controlar durante as duas últimas semanas.

Rafaella leu as palavras de Gizelly mais uma vez antes de pegar o papel novamente em suas mãos. Já o lera tantas vezes aquele dia que sabia de cor o conteúdo. Com sua mão livre, pegou a taça de vinho sobre a mesa e a virou em grandes goles. E, numa maneira de expressar sua frustração, amassou o papel que informava que a data da audiência havia sido adiantada em praticamente oito meses. A notícia, que em qualquer outro caso a deixaria feliz, foi como um soco no estômago. Gizelly não estava lá e provavelmente não voltaria em duas semanas.

"Você tem que ligar para ela, Rafa," foi o conselho de Manu, assim que a influencer ligou para amiga quando recebeu a intimação da secretaria da Vara.

"Você não entende, Manu. Ela me ligou ontem e ela estava..." a mineira teve que parar nesse momento para recuperar o ar. Ela soube por Manu de como Gizelly havia ficando alguns meses atrás, mas nunca tinha sido testemunha de uma das crises de Gizelly até a noite anterior. E o seu coração havia partido um pouco pela outra mulher. "Quebrada," foi sua escolha de palavra.

Manoela ficou em silêncio no outro lado da linha. Não era como se Rafa precisasse detalhar o que ela quis dizer. A cantora entendeu completamente.

"Ela disse o que houve?" Manoela quebrou o silêncio.

"Não muito. Ela fugia do assunto toda vez que eu tentava," Rafaella disse, se lembrando do tom de voz da advogada. Ela parecia perdida em sua própria mente e Rafa nunca quis tanto que Gizelly estivesse em seus braços e que ela pudesse, de alguma maneira, curar suas feridas. "Eu acho que é mais grave do que a gente imagina," confessou.

"O que a gente pode fazer?" Manoela parecia tão desesperada quanto Rafaella se sentia.

"Eu não sei, Manu. Eu perguntei se ela queria que eu fosse para lá com ela," Rafa sabia que era uma loucura quando propôs, mas sabia que era uma loucura que estava disposta a fazer. "Mas ela negou. E agora eu realmente não posso ir, Manu. Não com essa maldita audiência marcada tão antes do previsto!" falou esasperada. Estava cansada de parecer que tudo estava fora do seu controle nos últimos dias.

"Calma, amiga. Vai ficar tudo bem," Manoela tentou. "Então você não vai contar para Gi sobre a audiência?"

"Não," Rafaella respondeu rapidamente. Ela havia pensado muito nisso antes de tomar coragem e ligar para a amiga.

Ela sabia que Gizelly era a sua advogada, mas sabia também que o envolvimento das duas complicava as coisas. Aquele não era só um caso para Gizelly, era algo pessoal e algo que ela tinha se comprometido pessoalmente com Rafa. A mineira sabia que se contasse o que estava acontecendo, Gizelly ia se sentir dividida entre voltar e continuar fazendo o que quer que ela estava fazendo para ajudar Carlinhos. E Rafaella temia que ela a escolhesse ao mesmo tempo que temia que ela não o fizesse. Mais acima de tudo, não queria pôr ela na posição de ter que decidir. Não queria e não faria.

"Eu entendo o que você tá pensando, amiga," Manu disse. "Eu sei o que você teme também, mas acho que essa decisão tinha que ser dela, sabe?"

"Não, Manu, por favor. Eu já tomei minha decisão. Mandei mensagem para Marcella e ela vai arrumar outro advogado para mim como já tinha tentado fazer antes," Rafaella disse com finalidade.

Conversou mais um tempo com Manu, antes de desconectar a ligação e ir atrás de um vinho. Precisava de algo para amenizar suas preocupações.

Já haviam passado algumas horas desde que ela estava ali na mesa da sua cozinha, dividida entre o turbilhão de sentimentos e o amargo do vinho. As palavras de Gizelly eram seu conforto, a tentativa falha de tirar o gosto ruim da decisão que havia tomado.

Agradeceu mentalmente que Larissa estava viajando com sua mãe para visitar alguns parentes no interior de Minas Gerais aquele final de semana. Não suportaria que a filha a visse naquele estado.

Rafaella estava pensando em abrir uma outra garrafa de vinho e beber até esquecer de tudo quando o celular vibrou sobre a mesa e a notificação apareceu na tela. Buscou o aparelho com relutância, afinal ele estava apenas servindo para trazer notícias ruins nos últimos tempos.

Um sorriso abriu em seus lábios, no entanto, quanto a notificação dizia que ela recebera três mensagens de Gizelly. Abriu o aplicativo o mais rápido que pôde e abaixo de "Saudades", agora ela lia:

Eu sei que eu sou péssima em me abrir e sei que você deve estar preocupada comigo depois de ontem. Não vou mentir, está sendo difícil as coisas aqui. Tem horas que eu sinto que vou quebrar de vez. Mas nesses momentos eu lembro de você. Do seu sorriso doce, do seu abraço reconfortante e do cheiro do seu pescoço — o meu novo lugar favorito no mundo. Eu penso em Larissa também. É estranho? Penso nas tardes preguiçosas vendo filmes e montando quebra-cabeças. Eu penso na gente rindo naquele dia na cachoeira. Em Manu com a gente. Eu penso nos momentos bons e consigo ver luz no que virá.

Tudo o que eu mais queria era estar aí com vocês, Rafa. Você não sabe o quanto. Mas agora eu preciso estar aqui. Eu preciso ajudar esse menino. Eu preciso.

Mal posso esperar para voltar, no entanto. Me espera?
Eu amo você. ♥️

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