Foi com um café na cama que eu acordei no dia seguinte. E foi no quarto que eu passei o resto daquele domingo. Nada de palestras, passeios ou pessoas. Éramos apenas eu, ele e o que sentíamos. Aquele domingo não poderia ter sido mais perfeito. Nos amamos até que nossas forças se esgotassem, curtimos ao máximo cada minuto em que estivemos juntos. Nem por um instante nos permitimos pensar no que viria depois. Fechados naquele quarto estávamos afastados do mundo e de todos os problemas e privações. Acho que nunca me sentira tão feliz quanto naquele dia. Era tudo tão pleno, simples e perfeito, que, agora, sentada no banco daquele avião, parecia até difícil acreditar. Pois é, estávamos voltando do sonho. E havia uma vida inteira nos esperando, cheia de problemas e complicações, pronta para dizer Olá.
Conforme as horas iam passando a realidade se fazia mais presente. E eu sentia meu coração diminuindo minuto a minuto. Encostada no ombro dele, eu procurava não pensar, mas era impossível. Volta e meia as lembranças de mais cedo vinham-me à mente. A maneira como ele me acordara e o sorriso que dera enquanto me observava comer. O abraço gostoso depois de fazermos amor no banheiro, ou o modo que o cabelo dele ficava bagunçado depois que saía do banho.
Alfonso: Está dormindo? – Perguntou-me, afagando meus cabelos.
Anahí: Não. – Levantei o rosto encarando-o.
Alfonso: Any, eu sei que você me pediu para não falar sobre isso, mas eu não consigo.
Anahí: Ah, Poncho... – Suspirei – Nós não temos que falar sobre isso.
Alfonso: Sim, nós temos. – Levou as mãos até o meu rosto – Não podemos apenas fingir que nada disso aconteceu.
Anahí: Mas é isso que vamos fazer. – Desviei meus olhos dos dele – Quando voltarmos, tudo volta a ser como antes.
Alfonso: Any, eu não vou conseguir. – E ele aproximou seu rosto do meu – Eu simplesmente não vou suportar olhar para você e fingir que não sinto nada. – O encarei, e vi o seu semblante aflito.
Anahí: Você não vai precisar olhar para mim, Poncho. – Meu Deus, eu precisava ser forte. Precisava passar para ele uma segurança que eu nem sequer tinha.
Alfonso: O que quer dizer com isso?
Anahí: Quero dizer que eu vou sair da U&H. – E aquilo era uma decisão tomada. Levar aquele emprego adiante, ainda que fosse tudo o que eu mais quisesse, seria torturante demais. No final, eu havia deixado que Alfonso bagunçasse todos os meus planos e as metas que eu tinha traçado para a minha vida.
Alfonso: Você não pode fazer isso! Não, Any! Você não pode fazer isso! – Repetiu enfático – Eu não vou deixar que faça!
Anahí: Poncho, me escute...
Alfonso: Não! Me escute você – Segurou meu rosto, carinhoso – Eu sei o quanto você quer estar na U&H e eu não vou deixar que você estrague essa oportunidade por nada.
Anahí: Não é por nada! – Disse torturada – Eu não posso continuar lá, Poncho. Eu preciso reconstruir a minha vida! Como você pensa que eu vá fazer isso vendo você todos os dias? Vendo a sua esposa todos os dias? – Ele abaixou os olhos, talvez tomando consciência de como tudo o que eu dizia fazia sentido.
Alfonso: Você acha que isso vai ser o melhor para você? – Assenti calada – Então eu não vou impedir. – Sua voz estava trêmula, e aquilo piorava ainda mais o nó que se formava na minha garganta.
Anahí: Poncho, me desculpe, mas eu realmente não consigo. – Droga! Minha voz custava a sair – Mas eu posso continuar até que vocês arrumem alguém para colocar no meu lugar. Sei que devem ter milhões de pessoas sonhando em trabalhar na U&H, então isso não vai ser problema...
Alfonso: Nenhuma delas vai ser como você. – Disse num murmúrio.
Anahí: Poncho... – Respirei fundo, fechando os olhos para bloquear as lágrimas que estavam prestes a vir – Já está sendo difícil demais para mim, não torne tudo isso ainda mais complicado. – Senti seus braços me envolverem num abraço acolhedor. E aí foi impossível segurar o choro. Baixinho, abafando os soluços com a mão, eu chorei.
Alfonso: Eu vou fazer uma carta de recomendação. – Disse depois de algum tempo, e pela rouquidão em sua voz eu pude perceber que ele também chorara – Tenho um amigo que trabalha com decoração, não vai ser difícil você conseguir uma vaga lá. – Afastou-se de mim, olhando-me nos olhos.
Anahí: Obrigada. – Soltei um sorriso fraco. Por que ele precisava ser tão perfeito? Seria muito mais fácil se ele fosse mesmo aquele Alfonso canalha e mentiroso. Acreditem, é muito menos doloroso dizer adeus quando se está cega pela raiva.
Fomos o resto do trajeto calados. Sem olhares, sem sorrisos, sem palavras. Quando descemos do avião, Alfonso, prestativo, me ajudou com as malas. E quando chegou a hora de me despedir, senti que aquele ar frio e distante que o acompanhara durante toda a semana passada havia voltado. Bem, eu deveria entender. Se a maneira que eu encontrara de recomeçar era saindo da U&H, a maneira que ele encontrara era agindo daquela forma, bloqueando de algum jeito os seus sentimentos, ou pelo menos, deixando de demonstrá-los.
Alfonso: Nos vemos amanhã? – Perguntou incerto, parado à porta do táxi.
Anahí: Sim.
Alfonso: Então, até amanhã. – Fechou a porta do carro, deixando-me lá dentro. Nem eu mesma sei explicar o que senti quando o vi se afastar e tomar o táxi logo atrás do meu. Era como se um pedaço de mim tivesse sido arrancado, como se, simplesmente, não houvesse mais vida a partir dali.
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Palavras, apenas palavras
Hayran KurguPalavras podem ferir, ou podem te fazer a pessoa mais feliz do mundo. Uma simples palavra é capaz de te levar ao céu, ou te atirar sem piedade ao inferno. Elas podem ser motivo de alegria, ou do mais doloroso choro. Palavras prometem, aliviam, engan...