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Kiara

Assim que chegamos ao local foi audível o suspiro pesado de Jj ao ver a quadra.

Eu o entendo, tem certas coisas que para algumas pessoas podem parecer nada demais mas pra outras podem conter lembranças ruins ou boas.

Ele pensa por alguns segundos com a mão porta do seu carro, como se seu cérebro disputasse se ia ou não.

Sem ao menos dizer algo ele abre a porta do carro e se dirige até a quadra. Me apresso em correr atrás do mesmo estando com um sapato não muito apropriado para corrida.

Jj tem as mãos nos bolsos, os olhos analizando cada canto do lugar abandonado e uma expressão nostálgica.

— Você disse que queria superar seus traumas... - Ele diz, ainda de costas pra mim, olhando a velha quadra. — Isso me inspirou a superar os meus.

— Quer falar sobre isso?

— Há seis anos atrás, eu vim aqui com meu pai e meus irmãos, foi ideia do caçula. Jaden sempre gostou de basquete mas Jonas nunca foi fã do esporte. - Ele volta a dizer, como se vivenciasse isso na mente.

— Estávamos jogando, meu pai segurava Jaden para que ele conseguisse arremessar a bola... uma das tentativas ele errou, a bola rolou pra lá... - Josh aponta pra uma mata fechada, quase tomando conta da quadra abandonada.

— O quê aconteceu?

— Jaden correu pra pegar a bola, eu ia pegar a bola mas ele saiu correndo na minha frente como uma competição de quem chegava primeiro, sendo que só ele estava correndo até a bola. Ele só não sabia que havia uma cobra venenosa no meio da mata... ele pisou nela e ela o picou, uma dose letal de veneno para um garotinho de cinco anos.

— Não foi sua culpa Jj...

— Mas ele fez parecer que sim. Meu pai me culpou... apontou o dedo na minha cara enquanto esperávamos o médico na sala do pronto-socorro. Disse que meu dever era proteger não colocá-lo em perigo. O veneno da cobra deteriorava o tecido da pele, e para um menininho de cinco anos era duplamente preocupante.

— Foi uma fatalidade...

— Eu só consegui enxergar isso depois de anos. Me culpei por não ter protegido ele, não ter ido no lugar dele e meu pai era o primeiro a me ajudar. Apontava o dedo na minha cara, dizendo que eu não poderia cuidar do meu irmão, que eu não o amava.

— Todos sabem que isso não é verdade, você ama aquele garoto.

— Mas eu era pequeno, eu não entendia. Achei que todos iriam apontar o dedo na minha cara e me culpar por colocar a vida do meu irmãozinho em risco, como ele fez. Fiquei um mês sem sair de casa, não queria ir a escola, brincar com meus amigos... nem o Jonh b conseguiu me tirar de casa com aquelas chantagens bobas.

— Isso também se tornou um trauma não é? Você também está ferido com isso desde aquele dia.

— Eu ainda acho que poderia ter o protegido, mesmo entendendo que não foi minha culpa. Quando estávamos no hospital, ele teve uma parada respiratória, foi reanimado duas vezes. E todas as duas vezes meu pai me olhava com raiva nos olhos. Eu e ele tínhamos uma relação de pai e filho boa, até aquela noite... depois ele me tratava como estranho, com indiferença e frieza.

— Desculpa mas seu pai é um sem noção.

— Não precisa pedir desculpas, ele não merece desculpas.

— E o quê aconteceu depois disso?

— Tive crises de confiança, não confiava em mim pra uma simples tarefa. Parece bobo mas depois disso minha confiança era nula, eu não consegui entrar pro time de futebol da faculdade por falta de confiança, medo. Não consegui o trabalho que queria pois fui embora antes de cnamarem meu nome pra entrevista.

— Há coisas nas nossa vida que deixam sequelas e cicatrizes. mas aprendemos a conviver com elas.

— Eu espero um dia pensar assim e conseguir falar sobre sem sentir raiva, medo, agonia e arrependimento. Eu não deveria ter ido aquele dia, eu iria jogar videogame com Jonh b mas achei que seria legal um tempo com meu pai, já que ele trabalhava demais e quase não tinha tempo pra gente.

— J, eu também pensava isso, como se eu pudesse voltar no tempo e mudar as atitudes e escolhas que fiz em determinado momento da minha vida, qual me causou traumas mas não posso. Eu tento seguir em frente, as vezes lembro e acabo descontando no meu ponto fraco, a bebida, mas eu tento superar.

— Eu vejo esse lugar como um lugar ruim pelo o que aconteceu e esqueço das boas memórias que ele trás.

— Me diz uma delas.

— Bom, teve um dia que fiz uma cesta de três pontos naquela cesta ali. - Aponta pra cesta em nossa frente.

— Parece ter sido bem importante pra você.

— Lembro que fiquei aqui por horas, tentando e tentando, errando arremessos e me frustrando a cada erro... Mas aí eu arremessei e acertei, eu lembro de ter ficado tão feliz que joguei a bola pro alto e ela caiu na mata, onde meu irmão correu.

— E o quê você fez?

— Eu fui até lá, caminhei pelo lugar pouco iluminado, com arbustos grandes. Acabei encontrando a bola que meu irmão foi pegar e não conseguiu. Também achei o dinossauro que segurava no dia, ele amava aquele dinossauro mas depois desse dia nunca mais perguntou por ele.

— E o quê você fez quando achou a bola?

— Peguei ela na mão e como uma volta no tempo vi meu pai correr até onde estava, pegar meu irmão e correr pro carro. A bola continua aqui, onde ela caiu naquele dia...

— Você se sente preso aqui não é? — O mesmo assenti. — Pegue essa bola.

— O quê? A bola?

— Sim, pegue-a. Se eu superei o meu trauma de velocidade, você vai superar o seu também.

— O quê eu faço com isso? — Questiona ao pegar a bola quase murcha.

— A leve pra um lugar, a coloque fora, mas tire ela daqui. Ela sempre vai lembrar você desse dia quando vier aqui, quando ela já não estiver mais aqui, as memórias boas vão voltar.

— Como sabe disso?

— Eu não sei, talvez nunca irei saber... mas se algo ruim do passado está no presente, devemos nos livrar dele pra seguir em frente.

— Tem razão. - ele pega a bola junto com a que trouxe. — Está na hora de me livrar do passado e seguir em frente. Só que eu vou fazer algo diferente.

— O quê tem em mente?

— Eu vou enterrar meu passado, onde ele aconteceu... eu vou enterrar a bola aqui, e essa história morre aqui, junto com a bola.

Assinto sem dizer nada.

Ele vai até seu carro e retira do porta-malas uma pá, volta em poucos minutos e quando se prepara pra começar a cavar ele me olha.

— Não se preocupe, eu não tenho sempre uma pá no porta-malas do meu carro. — Diz em tom divertido, cravando a pá no chão, começando a abrir o buraco. — Só quando quero enterrar meu passado de uma vez por todas. - Completa ao deixar uma quantidade de terra ao seu lado.

Todos nós temos um passado, todos nós temos algo que queremos enterrar... só falta nós querermos nos livrar daquilo, e as vezes sozinhos nunca iremos conseguir.

Ele estava comigo quando me livrei do passado, eu estou com ele, o ajudando a se livrar do seu, e sinto que ele está bem com isso assim como eu estou.

— Tem razão, esse jantar foi bem diferente de todos que já fui.

Ele ri, ao deixar a última pá com terra ao seu lado, parando para me olhar.

— Eu queria que ele fosse diferente, mas não dessa forma. Lamento por isso.

— Não lamente, ele foi importante.

— Talvez o mais importante para nós dois, para o nosso passado ficar onde lhe convém.

Stupid Love - JiaraOnde histórias criam vida. Descubra agora