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Kaira.

Pelo que as pessoas dizem, e o que vejo no calendário, alguns dias se passaram e hoje é o último dia que vou ter algum tipo de contacto com a mulher que colocou a mão no fogo por mim sem imaginar que seria a pior escolha a fazer na vida pois saiu queimada.

Hoje é o dia do último adeus, tô nesse velório apenas fisicamente porque o psicológico eu deixei de ter a partir do momento em que abri aquela caixa e me deparei com a cabeça da tia dentro.

Pra mim os dias têm sido os mesmos desde então, parece que parei no tempo e ainda é aquele dia. Atacante e Mota vivem dizendo que não sou culpada mas isso não alivia um terço da culpa que eu tô sentindo, isso tá me dilacerando ainda mais por dentro.

O fato das pessoas não verem que a culpa é inteiramente minha.

O pastor profere algumas palavras de frente pro caixão com a mão direita pro alto enquanto na esquerda ele mantém a bíblia sobre sua palma, o único som que se escuta é o das poucas pessoas aqui presentes chorando e a brisa do vento que tá mais forte que tudo.

Olho pra Melissa chorando inconsolavelmente com a cabeça apoiada no ombro do Mota e meu coração aperta mais ainda quando ela começa a gritar pedindo pra ser enterrada junto.

Totalmente sem força e soluçando pra expor nem que seja metade da dor que eu tô sentindo eu caio de joelhos no chão sentindo minha visão ficar embaçada à medida que lágrimas grossas deixam meus olhos incessantemente.

Atacante: Faz assim não, minha baixinha. - Ouço sua voz grossa soar atrás de mim antes de ser erguida.

Abraço o quadril dele enterrando o rosto em seu peito e fungo alto sentindo minha garganta arranhar a cada soluço que escapa dela.

Aos poucos, com a mão acariciando minhas costas, Zaion consegue fazer meu choro cessar e eu respiro fundo erguendo a cabeça sendo refrescada pela brisa que bate em meu rosto.

De canto de olho eu vejo a Mel me encarar com a cara de derrotada e desviar depois de reparar que eu encaro de volta.

No momento em que o caixão da tia é colocado na cova meu corpo inteiro arrepia, minha respiração trava e um enorme buraco vazio se abre no meu peito com a sensação de culpa, abandono, saudade, tristeza, uma mistura que tá se alastrando dentro de mim.

Aos poucos as pessoas vão se despedindo e indo embora até sobrar só eu, Zaion, Mel e Mota. Melissa sai do abraço do Mota se voltando pra cá e caminha apressadamente na minha reta.

Fecho o olho já esperando receber um tapa quando sinto sua presença em minha frente e, pra minha surpresa, ela me puxa pra um abraço pra lá de apertado e começa a encharcar meu pescoço com suas lágrimas.

Melissa: Me desculpa, me desculpa, me desculpa, me desculpa. - Funga me apertando contra si e aí que eu volto a cair no choro.

- Eu que peço desculpa. - Fungo abraçando ela de volta.

Melissa: Não é sua culpa, eu tô me odiando tanto por ter falado tudo que falei... - Suspira. - Me perdoa.

Minha garganta fecha e minha visão chega a ficar turva com a rajada de lágrimas que deixa meus olhos. A sensação de vazio que eu tava sentindo só aumentou, porque eu tava me apegando na chateação da Mel, agora que nem mais ela me culpa a minha vontade é só morrer e descansar junto da tia.

- Eu tô com medo. - Revelo com o coração a mil e o estômago apertando como se tivesse um elástico amarrando cada vez mais ele.

Melissa: Eu também. - Concorda. - Seguir a vida sem ela vai ser difícil.

- Demais. - Falo tossindo sem ar.

Melissa: Mas ela fez de nós mulheres fortes e nós iremos honrar isso. - Fala com a voz trêmula e eu nego com a cabeça.

- Não tenho força. - Fungo alto com o nariz ardendo.

Melissa: A gente pega o pouco que você tem e junta no pouco que eu tenho aí dá muito, a gente não pode desistir, tu sabe que ela não ia aprovar isso...

- Eu sei. - Assinto passando a mão no rosto.

Inolvidável - Livro 1.Onde histórias criam vida. Descubra agora